Um Dia Abençoado

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"…vocês dois, e minha tola ajudante, aqui, explicarão bem rapidamente a razão de vocês trazerem CARNE à porta da MINHA OFICINA.

A voz da Inventora Militante Antoninah diLuca era séria, mas agora que ele viu que ela não ia matá-lo imediatamente, Herman revisou mentalmente suas chances de sobrevivência para cima. "Você tem que me ajudar," ele lamentou. "Eu não posso voltar!"

Lottie olhou para sua comandante. "Você usou a palavra com C," sussurrou ela. "Eu nunca vi você dizer a palavra com C."

Os guardas pairantes riram com isso; um levou a mão ao rosto, tentando e não conseguindo disfarçar bufos de riso como tosse. As pesadas correntes que se estendiam de suas asas para formar uma gaiola circular em torno de Herman e Zeke chacoalhavam musicalmente. "Espere até você conseguir suas asas, garota," brincou uma voz retumbante. "Você nunca esteve em um ataque conosco."

"Não agora, Philip!'

"Desculpas, Inventora," respondeu o guarda corpulento. Seus lábios se contraíam com alegria reprimida, mas suas asas de ferro em nenhum momento afrouxaram.

Antoninah inclinou a cabeça para a jovem ajudante e piscou com expectativa.

"Aquele homem," apontou Lottie para Zeke, "trouxe um… dispositivo herético? Para a tenda da igreja daquele homem," sua mão se moveu para indicar Herman.

Ambos os homens fizeram o possível para parecer indefesos e inocentes. Esparramados na grama onde os cavalos os haviam jogado, eles olhavam para seis expressões de suspeita quase idêntica em vários tons de marrom;

Herman aproveitou o silêncio momentâneo. "Meu sustento foi destruído! O que farei agora?"

"O dispositivo pertence ao meu tio." Acrescentou Zeke, concordando com Lottie. "Ela roubou de mim." E mais importante, Zeke pensou consigo mesmo, da firma de seu tio.

"Ele pertence conosco, não é?" Disse Lottie hesitantemente. "Para levá-lo à harmonia com o projeto de Deus. Essa é a Regra Operacional."

Antoninah suspirou. "Quando temos uma missão ativa, sim. Mas esses - você sabia que este foi marcado pelo inimigo?"

A ajudante sacudiu a cabeça.

"Ai ai, Lottie. O que eu faço com você? Ficamos paradas por tempo demais," disse Antonin ah, antes de se voltar novamente para seus cativos. "Me digam seus nomes."

"Herman. P. Fuller, à sua mercê, senhora!"

"Hezekiah August Carter, Representante Sênior de Serviços ao Cliente, Marshall, Carter e Dark." Ele abriu um sorriso fraco. "Eu te daria meu cartão de visitas, mas não quero dar a impressão errada ao Philip."

A Inventora pensou por um longo momento, levantando uma mão de metal para passar em seu queixo. Ela se virou para a ajudante. "Lottie, desça as escadas e me traga o Darius. E uma jarra. Philip, Flange, Danise, liberados. Doris, reviste-os."

"Sim, senhora!" Lottie sorriu e correu para a campina iluminada pela lua. Na enorme porta circula no chão, ela saltou direto para baixo, aterrissando em algum lugar dentro com um CLANG.

Uma enxurrada de chocalhos e baques soou, enquanto os guardas reorganizavam as correntes presas na grama ao redor dos prisioneiros. Uma - evidentemente Doris - sacudiu as asas e as dobrou para trás, todas as correntes, menos uma, se retraindo nas dobraduras de ferro.

Ela se agachou em um joelho ao lado de Zeke, descansando um punho na grama. Uma única lança balançou suavemente pelo ar, a centímetros de seu rosto. "Então, sou uma garota descontraída," Doris informou a ele. "Só fique quieto - Hezekiah, né? E não faça nenhum movimento brusco. Nós vamos terminar isso em pouco tempo."


A primeira coisa que a Inventora examinou foi carta de Herman de sua mãe. Ela nem sequer havia sido aberta, o que dava força aos seus protestos excessivamente dramáticos de infortúnio e inocência. Ao que parece, Madame Fuller, com muito tato, evitou perguntar o motivo de sua longa ausência de seu povo e desejava que ele voltasse para casa imediatamente.

Tendo aprendido o endereço residencial de um grupo de sarkitas, os mekhanistas pretendiam montar um ataque militar contra eles imediatamente. Herman praticamente exigiu ajudar. Sua ânsia de assassinar sua própria família parecia, para a surpresa de Zeke, inteiramente genuína. Ele foi autorizado a se sentar e esperou os acontecimentos com um olhar distraído.

A "jarra," quando Lottie chegou com ele, era um pote de barro ocre não vidrado sobre rodas. Ela parecia comum, quase bruta, até Lottie levantar a tampa. O mesmo brilho vermelho de pôr-do-sol que Zeke vira pela última vez nos olhos de Mitterling se derramou para fora. Mesmo a essa distância, o ar frio de outono ficou um pouco mais quente.

"Fogo alquímico, sintonizado com a temperatura ideal para atomizar a carne. Vê?" A Inventora sorriu para Lottie. "Às vezes a palavra é precisa, e não apenas vulgar."

"Entendido."

"Mantenha a jarra por perto. Precisaremos dela para descartar a alteração, assim que eu removê-la."

"Sim, senhora." Apesar do intenso calor gerado pelo pote, Lottie parecia contente em segurá-lo em suas mãos nuas.

Darius provou ser um homem baixo, robusto e sem asas, apresentado mais adiante como um "Escriba, Fiel ao Choque." Suas mãos e o lado esquerdo de sua cabeça estavam embainhados em pedaços de chapa de aço suavemente unido; uma luz em arco brilhava de sua têmpora esquerda. Embora admiravelmente posicionada para ajudar o escriba a revisar os documentos à noite na borda de uma floresta, seu raio perfurava os olhos de Zeke cada vez que o outro homem erguia o olhar.

Depois de uma rápida revisão de seus outros pertences, ele e Antoninah passaram algum tempo inspecionando as plantas do alto-falante. Eles encheram Zeke de perguntas que se baseavam fortemente no misterioso dialeto dos engenheiros, no qual Zeke lamentavelmente não era fluente.

"Qual era o caso de uso principal do dispositivo?" Esta, de Darius, foi a primeira pergunta que fez realmente sentido.

"Mais o menos o uso para o qual foi colocado," Zeke disse cuidadosamente. "Para melhorar a propensão dos clientes a olhar para uma compra em potencial com favor." Isso, ele pensou, era o máximo que ele poderia dizer sem se colocar em mais perigo. Se eles estivessem dispostos a devolver a coisa — caso estivessem dispostos a consertá-la e depois devolvê-la — ele poderia salvar essa viagem do desastre.

Antoninah bateu no fólio. "Isso mostra certa habilidade com a alquimia, embora a compreensão dos autores sobre projeto estrutural seja ruim. Nossa fonte anterior de fogo alquimista recentemente se realocou… para outro lugar. Minhas ordens de operação me capacitam a adquirir recursos da maneira que eu achar melhor." Ela apertou os lábios, inclinando uma mão brilhante de um lado para o outro. "Os parâmetros podem ser… um pouco flexíveis."

Se ele não estivesse dolorido, úmido, deitado de costas e cercado por soldados mekhanistas com uma mira muito boa, Zeke teria saltado de alegria. Ele não ia morrer esta noite. Ele ia fazer uma venda.

No decorrer de uma breve, mas completa sessão de barganha, Zeke ficou surpreso ao saber que o caso de Mitterling era conhecido da Inventora. O Fabricante, ou clérigo-chefe, da fábrica de Mitterling era extremamente meticuloso. Expulsar um membro de sua congregação em nível local por automodificação não autorizada estava dentro do escopo do Fabricante. No entanto, uma declaração formal de heresia levava tempo, e os Delegados ainda não haviam decidido. Um pedido de clemência, ou melhor ainda, aprovação retroativa da Inventora poderia detê-la antes mesmo de chegar à mesa de um Delegado. E assim ganharia o conhecimento alquímico considerável do velho para o benefício de Antoninah.

Além disso, Mitterling teria a bênção da Inventora para assumir projetos ocasionais em benefício dos chefes de Hezekiah, a critério do próprio engenheiro.

O vendedor e a Inventora apertaram as mãos com o acordo; ela o pôs de pé enquanto o faziam. Darius, que parecia estar meditando durante as negociações, ergueu a cabeça e anunciou que uma cópia transcrita seria trazida momentaneamente da oficina para suas assinaturas.

Ele não exagerou. Um corvo de ferro, carregando um pergaminho em suas garras, passou pelo portão e voou pelas pradarias.

Zeke agarrou a caneta que o Escriba pressionou em suas mãos e olhou para o pergaminho. "Você soletra seu primeiro nome com um 3?"

Antonin3 coçou a nuca e balançou a mão para isso. "Longa história."

"Hm!" Ele balançou a cabeça apreciativamente e assinou.

"Agora isso," disse Antonin3, e se virou para Herman. A antecipação em seu rosto era familiar e totalmente estranha para ele. Não era, julgou ele, que ela iria gostar de fazer isso. Em vez disso, ela aguardava com imensa satisfação o pensamento de que isso logo acabaria.

Ela levantou a mão direita, que se estendeu, retraiu uma camada de armadura e se espalhou novamente, juntas articuladas aparecendo enquanto dezenas de fios finos se desenrolavam.

"Lamento muito; isso vai doer."


Herman estava gritando. Isso o fazia se sentir como uma criança novamente. Ele não gritava há anos; sua família não o deixara. Ele sabia que tinha recebido pior, mas caralho, ele estava fora de prática. Talvez esta fosse a última vez. Ele procurou o grão de silêncio na escuridão de sua mente e encontrou algo mais ali com ele. Um som —

rodas brilhantes que tocam ao longo dos trilhos com uma badalada
o respirar de máquinas se aprofunda, acelera, incha
vento de bronze, bifurcado nos lábios dos sinos
o balanço e o estrondo de torres demasiadas grandes para escalar

— uma nota, alta, baixa e além do limite da audição, seu agudo insuportável, cheio de admiração. Uma quietude própria, mais vasta que a dele. Ela passou por sua solidão como uma lâmina.

Ele odiava isso. Ele odiava isso. Isso tinha que parar. Isso estava em todo lugar.

Ele gritou novamente, mas por um motivo muito diferente.


A viagem não foi tranquila, mas pelo menos foi rápida. Sentado na sala da frente da casa onde crescera, Herman se sentia um estranho. Os fios que Antonin3 deixou para trás, disse ela, impediriam que a alteração que seu irmão havia esculpido em sua carne voltasse a crescer, caso ela tivesse deixado algum pedaço para trás. Ela lhe dera um relógio de bolso; quando surgisse um momento oportuno para atacar, ele deveria colocar os ponteiros em um número e depois esmagá-lo. Isso enviaria um sinal em um único pulso para Darius, que transmitiria o número de tropas que Herman esperava que fossem ser suficientes para lidar com a ameaça. Eles poderiam chegar em menos de seis horas.

Ele não pensou por um instante que esses eram os únicos preparativos dos mekhanistas. Ele só esperava que eles se incomodassem em vir.

"Como você tem passado, Mãe?" Cuidadosamente, ele entregou a ela o chá fumegante em uma delicada xícara de porcelana.

"Bem o suficiente, meu filho." Madame Fuller tomou um gole, depois pousou a xícara com um tinido. "Peguei câncer de novo."

"Parabéns."

"Um dia abençoado." Madame Fuller deu um sorriso raro e fino. "Eu não pensei que precisaria chamar você para casa. Embora eu suponha que deva ser… decadente, cercar-se apenas com o inferior, com aqueles que podem ser comandados ao seu capricho." Embora sua voz estivesse monótona, seus olhos semicerrados faziam disso uma pergunta.

Herman limpou a garganta. Os fios mekhanitas sob sua camisa faziam com que ele se sentisse horrivelmente conspícuo. O relógio de bolso pendia de seu casaco, pesado como chumbo. "Certamente foi uma experiência de aprendizado, Mãe."

"E o que você aprendeu?"

"Logística."

A honestidade impensada desta resposta assustou ambos a ficarem em silêncio.

Madame Fuller tomou um gole de chá, recuperando sua graça habitual. "Decidi que é hora de trazê-lo mais plenamente à nossa vida, Herman. Embora haja muitas tarefas para as quais, é claro, você não é adequado, você ainda é de minha descendência. Nenhum filho meu pode definhar na periferia para sempre."

As palavras o atingiram como um golpe no estômago. Pela maior parte de sua vida, isso era tudo que ele sempre quis. O menino que ele era dois anos atrás teria chorado de alegria ao ouvir Madame Fuller dizer que ela tinha uma utilidade para ele. Agora, quando ele estava comprometido com a vingança — era pouco e tarde demais. Qualquer que fosse o plano que ela tivesse em mente, ele nunca seria mais do que um pequeno jogador entre seu tipo ferozmente competitivo.

Ele imaginou seu próprio nome em uma placa, pintada com três pés de altura, como as que a caravana do avivamento colocara fora das cidades maiores. Multidões reunindo-se para ver a ele. Ela jamais daria isso a ele. E ela nunca o deixaria ir.

"Estou… sem palavras, Mãe," disse ele, um pouco sem fôlego. "Com toda a honestidade, eu tinha perdido a esperança. Verdadeiramente, este é… este é um dia abençoado."

"Eloquente como sempre, meu filho." Ela deu um tapinha na lateral do rosto dele, um brilho de antecipação em seus olhos. "Há uma reunião hoje à noite, na cidade; sua chegada é oportuna. Amanhã, partimos para o local da cerimónia. Por enquanto, nosso objetivo é ver e ser visto. Vista-se de acordo."

Ele pensou no estado de seu guarda-roupa e torceu para tudo não ter ficado pequeno demais para ele.


Herman, Madame Fuller e Aloysius estavam indo para o centro da cidade na carruagem. Depois de alguns comentários sarcásticos sobre as tentativas de seu irmão de montar uma roupa de bom gosto, Aloysius caiu em um silêncio incaracterístico e inquietante. Nenhum deles estava disposto a perturbar as meditações da mãe. Isso deixou Herman olhando pela janela para a lua crescente.

George estava dirigindo. Ele e sua esposa, Bertha, que também era cozinheira e empregada de Madame Fuller, estavam com a família desde a épica do velho Sr. Fuller. Sarah e John tinham sido contratados separadamente, e mais tarde, quando Madame Fuller julgou necessário ter ajuda extra para administrar uma casa de crianças indisciplinadas e precoces. Pessoas negras eram raras nesta parte do país. Até onde Herman conseguia ver, ter esses quatro em seu domínio era uma afronta deliberada de sua mãe contra seus distantes e cada vez mais poucos semelhantes do sul.

Nós temos o poder de manter o que temos, ele a imaginou dizendo. E a lei do estado de Massachusetts não é obstáculo para nós.

Havia algo mais nesse pensamento, algo que o incomodava, mas que escapuliu quando a carruagem parou nos portões de uma mansão. Apertando os olhos, Herman conseguiu distinguir algumas urma protetoras pintadas com giz nos postes do portão. Esses glifos, derivados da antiga língua adita, distraíam os destreinados para que eles não percebessem o portão ou o ignorassem como intransponível. Madame Fuller evidentemente preparou George para isso; a carruagem passou.

Lucretia os cumprimentou calorosamente na porta, parecendo radiante como sempre ficava depois de um uso prolongado de seus talentos. Ela se virou para Madamer Fuller com um sorriso tímido enquanto os conduzia por um salão suntuoso e de bom gosto. "Mãe, espero que você goste do que fizemos com o lugar. Katarina queria um estilo mais clássico. Ela precisou da minha ajuda com alguns dos elementos centrais, mas no que me diz respeito, realmente capturamos a estética. Nem mesmo o pai dela conseguiu encontrar nada pior para dizer que 'vocês demoraram muito.' "

A mãe deu um suave hmph e um movimento pequeno e fluído de seus ombros. "Sr. Jellick acharia um rio de sangue imperfeito se a temperatura estivesse um grau fora do ponto," disse ela secamente.

"Engraçado você dizer isso," respondeu Lucretia, agora sorrindo descaradamente.

Outra urma, desta vez feita em caligrafia marrom-avermelhada em pergaminho, estava pendurada na parede acima de um modesto conjunto de portas. Um par de servos irlandeses de rosto brando as abriu com uma reverência quando os Fullers chegaram. Atrás das portas, uma grande escadaria espiralava em um espaço maior que a mansão Jellick. Atravessando a soleira, Herman sentiu algo diferente no próprio espaço. Assim como o som de uma pedra caindo envia ecos por toda a largura de uma caverna sem luz, ele podia se sentir avaliando o peso invisível da sala com algum novo sentido que não era nem audição, nem visão. Ele parecia sutilmente irreal, como se tivesse sido feito, e ele vasculhou seu cérebro em busca de fragmentos de conhecimento sobre como essas coisas eram feitas.

A sala era uma cúpula circular. Na outra extremidade, outra escada idêntica à que eles estavam descendo se erguia na escuridão. Uma espessa neblina cinzenta circulava para cercar a sala em vez de paredes. Acima do centro da sala, uma meia esfera brilhava em um branco suave, com um símbolo adita que Herman leu como triunfo gravado em vermelho em sua face. Lucretia descrevia os pontos de interesse conforme apareciam, sua voz tensa de animação.

Suspensas do teto com ardilosa aleatoriedade, pessoas estavam esparramadas como estrelas-do-mar encalhadas, seus intestinos enfeitando de uma para a outra. Estes pingavam de forma constante e suave, atomizando-se em uma fina névoa vermelha acima das cabeças dos convidados. O que parecia à distância ser móveis felpudos, senão um tanto irregulares, terminaram sendo mais corpos humanos distorcidos em uma inspeção mais próxima. Havia pessoas por toda parte, distendidas em logos sofás, curvadas e achatadas em mesas ocasionais ou agrupamentos quase esqueléticos de cadeiras de espaldar alto. Convidados em suas roupas mais caras sentavam-se em pequenos grupos de conversa ou vagavam languidamente pela sala, chapéus e jaquetas ou saias esvoaçantes desbotando para o vermelho onde o tecido era leve o suficiente para mostrar a mancha. Um quarteto de instrumentos de corda aninhado perto da borda tocava música suave sob um toldo baixo que protegia seus instrumentos da névoa.

No centro, seis almas azaradas foram contorcidas em um bufê circular, várias iguarias empilhadas em intervalos ao longo de sua superfície. Três pares de rostos foram fundidos na junta da mandíbula, bocas esticadas para formar três enormes tigelas de ponche. Pequenos globos vermelhos e amarelos, os abdomens inchados de pequenas criaturas que pareciam insetos, roçavam os lábios. Pairando do centro disso estava uma monstruosidade viscosa, enrugada com bolhas tumorais. Presumivelmente ela já foi um humano e pode ter a infelicidade de sê-lo novamente. Aqueles que podiam esculpir, comiam - não havia nenhum tipo de utensílio aqui.

Por um lado, Herman admirava a engenhosidade de sua irmã em tornar a linha entre os alguém e os ninguém, mesmo entre os convidados, tão abertamente pública. Por outro, ele fervia de ressentimento ao lembrar de que lado da linha ele estava.

Lucretia interrompeu a narrativa de como ela e Katarina dividiram o trabalho, a voz caindo novamente para um sussurro. "Ah, e eu quase me esqueci. Em cada área deixamos um ou dois parcialmente insensíveis - "

"Parece um desperdício," murmurou Aloysius. Madame Fuller silenciou seus comentários amargos com um olhar pontual.

"Exceto pela audição," terminou a jovem acidamente. "Para que eles não se distraiam. Eles vão nos contar tudo o que foi dito esta noite, depois."

"Um conselho é suficiente," disse a mãe, sorrindo pela segunda vez naquele dia. Ela pegou a mão da filha e a apertou suavemente. "De fato, isso é… muito bom."

O rosto de Lucretia corou, seu próprio sorriso incandescente. "Obrigada, Mãe," ela respirou, e abaixou a cabeça enquanto Madame Fuller entrava na multidão.

"Obrigaaadaaa, mããããe," repetiu Aloysius em uma voz cantarolada.

Lucretia se virou, gesticulando ao redor da sala e para os ouvintes ali escondidos. "Alguns de nós sabem que você pode conduzir uma mula mais longe se você usar uma cenoura de vez em quando em vez de apenas uma vara," retrucou ela.

Então, com um encolher de ombros, ela deixou seus olhos se voltarem - uma vez - para as costas da mãe deles. "Até funciona comigo."


Herman não estava exatamente entediado. Em um lugar tão fascinante - ele se recusava a admitir à intimidação, mesmo para si mesmo - era impossível ficar entediado como tal. Ele se viu revendo preguiçosamente a conversa familiar ao pé da escada. Lucretia sempre foi um prodígio, mas no ritmo em que estava indo, era hora dela começar a apostar na provável expectativa de vida da Mãe. Mas, novamente, se os planos de Herman tivessem sucesso, a questão era discutível.

À medida que a festa seguia, ele não conseguia decidir o que era pior: os convidados que olhavam para ele como se ele fosse parte da mobília e não falavam com ele ou os que se aproximavam para fazer algum comentário arrogante, em busca de uma reação. Ele experimentou o ponche e o achou surpreendentemente doce, mas rapidamente recuou do constrangimento de ter que beber de sua própria mão na frente dos outros convidados. Os insetos parecidos com joias provaram ser formigas, e ele fez uma nota mental para perguntar à irmã onde ela os havia conseguido.

Um garçom passou por perto, suas mãos estendidas moldadas em uma bandeja e manchadas com condimentos como a paleta de um pintor, uma pilha arrumada de cubos vermelhos brilhantes no centro. Um grupo de cavidades sangrentas combinando em seu peito musculoso deixava pouco espaço para dúvidas de onde a pilha tinha vindo. "Decadente, senhor?"

Com um suspiro de resignação, Herman pegou um cubo e escolheu uma mancha ao acaso. Ele lançou um olhar astuto sobre o rosto do garçom, mastigando mal-humorado. Caralho, isso é picante. "Você é um dos ouvintes da minha irmã?

"Senhor?"

Esse nível de brandura calculada não poderia ter vindo de uma mente menos que alerta. Ele engoliu em seco, sorriu e mexeu no cotovelo do garçom. "Você é bom. Diga a ela que eu disse que aposto que a mamãe vai ter um gosto ótimo. É apenas uma questão de tempo."

O balançar de uma saia molhada de sangue atrás dele anunciou a presença de outra pessoa. Ele se virou e ficou surpreso por não reconhecer o rosto do outro convidado.

"Olga Koszlova," disse ela, sorrindo, e estendeu a mão. Seu sotaque era russo. "Ouvi dizer que você era novo no Velório de Adytum."

Isso respondia, até certo ponto, ao enigma de onde a outra escadaria levava. A noção de que esta sala podia ter uma relação tão casual com a geografia em geral quanto com a extensão visível da propriedade dois Jellicks já lhe ocorrera. Ele tinha lido, mas nunca visto provas, que Nälkä ainda era praticado em segredo pela Rússia. Ele se originou lá entre os povos tribais na tundra gelada, mas os aristocratas sob os czares evidentemente adotaram um estilo mais moderno. Ele apertou a mão de Olga, retribuindo o sorriso. "Herman P. Fuller, ao seu serviço, senhora. Não exatamente novo, mas recém-participante."

"Ah." Ela olhou ao redor, sua expressão abertamente cética. "E o que você acha disso, agora que está aqui?"

Ele tomou um risco, esperando por uma risada: "Se este é o Velório de Adytum, quando é o funeral de Adytum?"

Olga bufou, sua boca apertando em uma careta de desgosto. Ela se virou e foi embora sem dizer adeus.

O garçom foi embora. Enquanto Herman estava ali parado, se castigando mentalmente, Lucretia se aproximou, puxando um Aloysius cambaleante pelo cotovelo. " está você. Estive te procurando por toda parte. Eu teria sorte de sentir o cheiro de uma queimada nesta confusão."

"O que aconteceu com ele? Ele está bêbado?" Perguntou Herman, ignorando a tentativa arrastada de seu irmão de responder. No nível de ofício da carne em que seus irmãos operavam, não deveria ser possível para uma pessoa ficar bêbada a menos que deliberadamente permitisse isso. O que tornava essa circunstância ainda mais fascinante.

"Foram as formigas," disse Lucretia, olhando para Aloysius. "Ele comeu muitas vermelhas. Eu disse a ele, nós compramos elas de um amigo da Mamãe de… outro lugar. Até eu precisei de tempo apra me acostumar com a diferença. E ele comeu sete." Ela balançou a mão livre no ar, os dedos se fechando em um punho.

"O que elas fazem?" Esse outro lugar, aparentemente, era tão distante da Rússia quanto de Massachusetts. Ele arquivou esse pedaço de informação para estudo posterior.

"As formigas rubi ampliam a sensação," recitou Lucretia, revirando os olhos. Ela aparentemente já fez esse discurso múltiplas vezes naquela noite. "As citrinas aguçam a memória e ampliam a cognição. Se desejaria apreciar uma iguaria dessa natureza com moderação," finalizou ela com um resmungo.

Herman teve que morder o lábio e se virar para não cair na gargalhada. E ele achava que ele havia envergonhado sua irmã de uma maneira que logo se arrependeria profundamente.

"Tire ele daqui, Herman. Pegue a carruagem. Katarina vai enviar a Mamãe e eu em uma das do pai dela. Vá!"


George se permitiu um único olhar cauteloso para os irmãos Fuller enquanto eles se aproximavam, mas ajudou Aloysius subir na carruagem sem comentários. Herman considerou brevemente sentar do lado de fora, mas então decidiu que talvez precisasse apontar a cabeça do irmão para a janela algum tempo antes de chegarem em casa. Ele só esperava que não houvesse nenhum pedaço que pudesse ser identificado na manhã seguinte como partes de corpos humanos.

"Tãum, irônico," murmurou Aloysius, sua altivez viciosa de costume menos impressionante com sua desorganização. "Pregador de t'nda a t'nda. D' uma só veiz. Mamain é um gênio."

"Do que você está falando?" O pavor levantou os pequenos cabelos na parte de trás de seu pescoço.

"Nãum s' pod' ser uma Ordem apropriada sein um Kiraak. Mostrar que 'tamu sério." Aloysius fez uma pausa, sufocando um arroto monstruoso. "C' é… histórea, amigo."

Seu irmão começou a roncar.

A carruagem pareceu girar em torno de Herman, sua mente coberta por uma camada de gelo. Nos tempos antigos, quando a fé era governada pela superstição, um sarkicista podia se transformar em um Kiraak - um enorme templo vivo crescido a partir do corpo de uma única pessoa. Sacrificando nobremente sua própria humanidade e individualidade, ou assim era escrito, para criar um lugar seguro para seus semelhantes. Mas os praticantes modernos pensavam de forma diferente. Aqueles com o maior poder governavam e colocavam aqueles abaixo a seu serviço. Essa era a ordem natural.

Era por isso que a Mãe precisava de um reserva.

Ele passou o resto da viagem para casa em silêncio, tentando não entrar em pânico.

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