Alice Özdemir

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Capítulo I.VII

"Senhor, você está ciente de que está indo para Boring?"

Tim estava estacionado ao lado de uma estrada pavimentada, mas não muito bem cuidada, em algum lugar de Oregon. Depois de sua viagem à floresta de sequoias, as florestas eram particularmente atraentes para ele, e o Noroeste do Pacífico dos Estados Unidos é lendário por suas florestas exuberantes e lindas.

"Sim senhor, estou."

Tim não achava que estava indo tão rápido, mas para ser justo, ele não tinha visto nenhuma placa indicando o limite de velocidade. Ele imaginou que devia estar apenas cansado, e que os olhos meio fechados o faziam parecer embriagado. O recente divórcio havia custado muito a ele, e sua rotina de sono ainda estava se recuperando.

"Alguma razão em particular para você estar indo para lá?"

"Indo aonde a estrada me leva, senhor."

Ele tinha visto a placa da cidade coberta por arbusto a meia milha atrás, parecendo que não via uma mão humana há séculos. Uma parte dele se perguntava se o lugar era algum tipo de cidade fantasma, mas ouvir o tom do patrulheiro rodoviário fez com que parecesse mais uma espécie de tragédia da escala de Chernobyl.

"E você está ciente de que Boring é um beco sem saída com a única saída sendo por esta estrada aqui?"

O hálito pungente do policial picava as narinas de Tim, mas sua boa educação o impedia de tampar o nariz. O patrulheiro era de tamanho médio, em geral, mas, por algum motivo, Tim tinha muita dificuldade em descrever seu rosto. Quando ele olhava para o rosto, ele não estava errado. Todas as coisas estavam nos lugares certos. Quando ele tentava se lembrar dele, a primeira palavra que lhe viria à mente seria "desinteressante", mas isso implicava uma coerência de sua lembrança que lhe permitiria chegar a tal conclusão. Em verdade, não havia essa coerência. Coisas como a cor de seu cabelo, a espessura de seus lábios e a largura de seus olhos eram todas nebulosas. Ainda assim, no momento, não parecia tão incômodo.

"Não até agora."

As sobrancelhas do homem — seja de qual cor fossem — ergueram-se.

"E você ainda quer ir para Boring?"

"Eu… sim?"

Lembrando-se de sua confusão, Tim sacudiria a cabeça enquanto contava essa história. Bem aqui ele receberia um sorrisinho assustador, espalhando-se centímetro a centímetro em seu rosto, sabendo daquelas coisas de que o Tim mais jovem não sabia.

"Entendo. Vá em frente então, meu jovem. Tenha umas boas férias."

Tim sorriu e balançou a cabeça, mais do que um pouco ansioso para terminar com essa interação desconfortável. Ele esperou até que o policial estivesse a uma distância saudável e então ligou o carro novamente. Caramba, qual era o problema daquele cara? Enquanto mudava a marcha do carro, ele espiou pelo espelho retrovisor e viu o patrulheiro falando no rádio. Era assim que o Departamento de Polícia de Boring era? Nesse caso, ele realmente preferiria não conhecer mais deles.

Ele nem mesmo tinha recebido uma multa. O que foi isso?


* * * * *


Sem querer ofender ninguém, acho que Boring sempre fez jus ao seu nome um pouco mais do que qualquer outra pessoa. Acho que isso se deve a algumas falsas expectativas. Tim adora conversar sobre as coisas — amigos que fez, experiências que teve e, especialmente, lugares onde esteve. Boring não era exceção. Quando ouvi falar de Boring, Tim falava do lugar como se fosse um pedacinho do paraíso.

No mundo dos sonhos das percepções de Tim, as árvores eram tão altas quanto as montanhas; os rios rugiam e rosnavam o ano todo; os cantos dos pássaros eram coros e orquestras; cervos brilhavam ao sol; brisas suaves brincavam com as árvores como se a Mãe Natureza estivesse dançando e saltitando, seu vestido torcendo em seus quadris, pólen e o cheiro de pinheiro caindo para a terra e vegetação rasteira. Há verdade nisso, e não há verdade nisso. Mas era inevitável que, em minha primeira visita, meu olho crítico detectasse primeiro os exageros.

Com essas descrições, Tim fazia parecer que a cidade estava cercada por uma floresta, apenas pequenos raios de sol atravessando a folhagem verdejante, um reino das fadas de natureza e maravilhas. Quando visitei a cidade pela primeira vez, vi as coisas de forma diferente. Portanto, agora que você sabe como Tim via seus arredores, permita-me retratar esta história com uma descrição mais precisa da cidade aqui discutida.

Quando Tim chegou, as árvores começaram a se separar e ele foi saudado por uma infinidade de edifícios de só um andar no meio de um vale relativamente plano (que logo se transformava no sopé das Cascatas). Embora circundada por árvores, a maior parte de suas terras é gramada ou rural; grande parte da população do território não incorporado são agricultores (como tenho certeza que você sabe). E apesar de ser um lugar muito pequeno, ele está a apenas 15 milhas do centro de Portland, então sua relativa "reclusão" é, bem, limitada.

Mas quase nenhuma dessas coisas passou pela cabeça de Tim. As palavras que ficaram com ele foram "Noroeste do Pacífico." Era exatamente aqui onde ele queria estar.

Como tal, ele encontrou um lugar na beira da estrada, estacionou sua caminhonete e saiu. Ele estivera no carro há dois dias seguidos, pontuados por fast food, intervalos para ir ao banheiro e uma parada em um motel. E agora, ele estava aqui. Havia distância suficiente entre ele e San Diego. Ele sentiu que esta poderia ser sua primeira exploração.

O tempo estava temperado: o sol quente moderado pela brisa fresca que vinha do oeste, agitando a folhagem esparsa no centro da cidade — algumas árvores baixas e uma ou duas exibições de jardim. Ele respirou o doce ar fresco do campo, por um momento, de bom grado, esquecendo suas circunstâncias, passado ou quaisquer outros detalhes de seu caráter. Aqui, ele era novo, porque aqui era novo. Tim Wilson? Quem é esse? Hoje ele era Explorador do Desconhecido, Viajante para o Norte, Buscador de Climas Mais Frios; excursionista, alpinista, homem da floresta. Com essa nova identidade, ele abriu os olhos e olhou para o leste em direção às montanhas que agora eram suas vizinhas próximas.

"Olá, montanhas! Olá, floresta!" gritou ele.

Ele esticou os braços, como se fosse uma planta tentando fotossintetizar com mais eficiência, e então os deixou cair para seus lados, as mãos deslizando para dentro dos bolsos de sua jaqueta fina.

"Olá, Oregon," disse ele mais baixo.

E então ele atravessou a rua e entrou no edifício mais próximo: a biblioteca local. Uma vez lá dentro, ele se aproximou do balcão, onde uma jovem senhora estava sentada atrás da mesa, lendo Duna, de Frank Herbert. Ele se inclinou sobre a mesa e decidiu esperar que ela o notasse. Afinal, não havia pressa. No tempo que isso levou, ele estudou a aparência da mulher Oregoniana.

Ela tinha um queixo pontudo e uma mecha de cabelo castanho preso em um coque, fazendo com que sua cabeça como um todo tivesse o formato de uma bolota. Seu nariz era redondo, mas achatado contra o rosto, salpicado de sardas. Ela usava um vestido longo branco com um desenho minimalista de flor laranja para quebrar a cor. Seus óculos eram grossos, coisas verde-limão, e atrás deles estavam lindos olhos verdes-floresta.

"Nunca te vi por aí, antes."

Sua voz anasalada e contralto lembrou Tim que se ele estava olhando em seus olhos, ela tinha erguido os olhos do livro e o notado. Quanto tempo durou esse contato visual, Tim não sabia.

"Hum, não!" Ele tentava encontrar algo mais na sala para olhar. "Eu sou um turista. E —"

"Um turista!"

"Sim, sim, um turista! Eu sou —"

"Da onde?"

"Califórnia. San Diego."

"Isso é bem longe."

"É, e eu percebi —"

"O que o traz aqui?"

"Uh, explorando! Que —"

"Ooo."

"Que é porque —"

"Explorando o que exatamente?"

Tim optou por não responder e, em vez disso, usou o silêncio para convidar a bibliotecária a refletir sobre a conversa até então. Lendo sua expressão, a bibliotecária encolheu os ombros, sem parecer nem um pouco envergonhada. "Desculpe. Morei aqui minha vida inteira. Gente vêm de portland o tempo todo, mas qualquer outra pessoa é um pouco empolgante."

"Tudo bem."

A biblioteca entrou em seu primeiro silêncio característico.

"Então," começou Tim, quando a cooperação da bibliotecária ficou clara, "estou na biblioteca, porque esta cidade não parece ter uma loja de presentes, e imaginei que aqui seria o segundo melhor lugar para buscar informações! Especificamente, estou procurando alguns livros sobre vida selvagem. Coisas que vivem na área, que eu poderia procurar. Tem algo assim? Uhh, livros de pássaros, observação de pássaros? 'Vida Selvagem do Oregon' ou algo assim?"

"Aham," respondeu a bibliotecária. "Temos uma pequena seção logo aqui. Inclui alguns mapas de trilhas para caminhadas também."

"Perfeito," Tim ronronou quando a biblioteca saiu de trás da mesa para mostrá-lo em direção à seção.

Enquanto Tim examinava o corredor, a bibliotecária ficou por perto. Ele não tinha certeza do que dizer a ela, mas imaginou que fosse um gesto inocente. Ele ficou mais bem com isso ao descobrir que isso reafirmava sua ideia de "novo." As pessoas até reconheciam que ele era novo. Isso era bom. Isso era revigorante. Ele puxou um livro de pássaros do Oregon, um guia contendo trilhas para caminhadas pelo Condado de Clackamas e um compêndio da folhagem da área.

Ele pressionou os livros sobre o balcão, que a bibliotecária — recentemente de volta ao posto — catalogou em sua lista de livros sendo retirados, marcou um horário para devolvê-los e depois os devolveu a Tim. Ele ainda estava se recuperando do incômodo da primeira interação com ela, da recaída momentânea em sua misantropia adolescente, mas folhear o guia de observação de pássaros e cheirar suas páginas o animou.

Então ele começou de novo.

"Então, que lugares você sugeriria para um forasteiro como eu?"

"Ah, claro!" Ela puxou o guia do excursionista de suas mãos sem avisar e sem pedir por ele, e começou a folhear um mapa topográfico da área. Ela apontou para os riachos locais, sugeriu seus locais favoritos para nadar, delineou uma coleção de trilhas que ele não encontraria no mapa, aonde elas iam — ela falou particularmente sobre uma que ia até o pico de uma das cristas pré-montanhosas.

"Lindo lá em cima," disse ela. "Chegue lá ao pôr do sol e você não vai se arrepender. Embora você possa ter dificuldade para descer do volta!"

Ela deu um sorriso sorrateiro e então retomou. Tim estava encantado; seu dedo passava pelo mapa com tantas confiança e precisão. Ela traçou os vales, as colinas, as cristas, os cânions, todas as pequenas árvores como se ela tivesse caminhado por elas antes. Tim fez experimentos com ela, perguntando sobre as melhores vistas ao longo de uma determinada estrada. Ela pressionava a mão sobre os lábios, os olhos passando pelo mapa em confusão. Brevemente. E então ela se orientava com outros pontos de referência que sabia de cor e combinava perfeitamente uma série de sugestões.

"Há uma cachoeira aqui; um desvio aqui com uma das maiores árvores do condado; se você descer esta rodovia à noite, é provável que veja muitos morcegos, eles vivem em uma caverna bem aqui…"

Então é assim que é crescer em uma cidade pequena, pensou Tim. Por deus, se eu pudesse nascer de novo.

"Você acredita no oculto?"

"Huh?" Tim foi tirado de seu torpor pelo non-sequitur.

"É só que, não recebemos muitos turistas, mas muitos deles acreditam em wicca."

"Wicca? Eu nem sei o que é isso."

"Ah. Bem. Bruxaria. Mas, ela foi modernizada. Essa é uma simplificação suja, para referência futura, mas de qualquer forma. Não é um monte de sacrificar animais pequenos, muito mais colocar ervas em um círculo e acender velas. De alguma forma, algumas pessoas enfiaram na cabeça que Boring é um ótimo lugar para fazer rituais. Eu estava perguntando, porque posso apontar algumas clareiras na floresta para onde as pessoas vão. Para fazer esse tipo de coisa."

Tim piscou algumas vezes. "Você acredita em bruxaria?"

"Eu não acredito que isso faça algo. Mas… por quanto tempo você planeja ficar?"

"Hum…"

"Em Boring?"

Ele fez uma pausa.

"Eu não sei. Honestamente, estou descobrindo tudo isso conforme vou indo. Mas com este mapa, parece que estarei viajando mais pelo condado do que por esta pequena cidade. Provavelmente passarei a noite aqui, percorrer as trilhas amanhã de manhã, ver onde vou parar. Por quê?"

"Os turistas geralmente não voltam."

Isso o fez fazer uma pausa. "Essa é uma observação estranha, quantos turistas você espera reconhecer em viagens de volta? Turistas geralmente são residentes transitórios de qualquer maneira."

"É algo que você percebe quando mora em um lugar a vida inteira. Nunca vi o rosto de um turista duas vezes."

As bochechas de Tim se enrugaram em um sorriso. "Então, você acha que depois que eu sair desta biblioteca, é provável que nunca mais me veja, de jeito nenhum?"

"Se o padrão for verdadeiro, definitivamente não."

Tim colocou a mão espalmada contra o balcão. "É um desafio, então. Juro que voltarei."

"Você jura?"

"Eu juro."

A biblioteca se inclinou para trás, a cabeça ligeiramente inclinada para cima, ainda mantendo o contato visual.

"Eu gostaria se você voltasse."

"Eu vou!"

Tim pegou pegou o livro de caminhada e colocou os outros dois debaixo do braço, virando-se para sair pela porta.

"Que horas?" Ela gritou para ele.

"Eu não sei, seja lá quando eu acordar!"

E com isso ele abriu as portas da biblioteca, saiu para a cidade e desapareceu do outro lado da rua.


* * * * *


No dia seguinte, quando ela veio abrir a biblioteca, ele já estava lá. Parecia que ele tinha adormecido, um chapéu de sol puxado sobre os olhos para mantê-lo protegido do nascer do sol, encostado nas portas. Ele usava uma camisa marrom terra, calças cáqui e botas de caminhada. Ele estava marrom, da cabeça aos pés, do cabelo aos cadarços. A barriga rechonchuda e as pernas finas e em forma o faziam parecer uma espécie de raiz vegetal, recém-arrancada do chão. A observação transmitida a fez sorrir. E, percebendo que ela não sabia o nome dele, ela o rotulou em sua mente como Sr. Rutabaga.

Sr. Rutabaga tinha que se mexer para que ela pudesse voltar ao trabalho. Então ela cutucou seu ombro com um pedaço de pau.

"Mmm," disse ele, estremecendo com as cutucadas, "só mais cinco minutos."

A bibliotecária riu dele, e ele riu de volta, levantando seu chapéu de sol.

"Estou de volta."

"Você está. Preciso passar por você."

"Sem conversa?"

"Preciso abrir a biblitoeca."

"Ah. Vou voltar a dormir então."

"Contanto que você não caia no sono na porta."

Tim apenas sorriu para ela e se sentou novamente, encostando-se na janela que ia do chão até o teto ao lado da porta. Ela tirou as chaves do bolso, abriu a porta, entrou e a trancou atrás de si. Tim colocou o chapéu sobre os olhos novamente e esperou. Um vento intermitente agitava uma bandeira do outro lado da rua, um carro passava a cada um ou dois minutos e os pássaros cantavam para dar as boas-vindas ao novo dia. Com esses sons, Tim quase cochilou, aproveitando a serenidade que faltara à vida na cidade por 25 anos de sua vida.

Então, ele ouviu as portas da biblioteca se abrindo novamente.

"Você vai ficar sentado aí fora? Parece que o vento vai te causar pneumonia."

Tim inclinou a cabeça para trás para ver por baixo da aba do chapéu. "Eu não me importo com o frio."

"Por que você ainda está aqui? Você me venceu, você voltou."

"Bem, você disse que gostaria que eu voltasse, pensei que seria um momento melhor!"

"Que momento melhor teria? Você provou que eu estava errada."

"Bem," Tim se afastou para se sentar direito, "você gostaria de me ver de novo? Fazer disso algo. Eu vendo você, você me vendo."

A expressão da bibliotecária permaneceu estática, sua pose quase descritível como suncita — abrupta e sem palavras. Tim achou engraçado que ela estivesse falando dele pegar uma pneumonia por causa do frio; ela própria parecia muito magra.

"Qual o seu nome?"

"Alice Özdemir."

"Oi, Alice. Sou Tim Wilson. E preciso de uma companheira de caminhada." Tim esperou por uma resposta. Quando nenhuma veio: "Veja, você falar sobre esse negócio de 'não voltar' me deixou todo supersticioso, me faz pensar que se eu decidir sair e explorar todas as trilhas, talvez não consiga encontrar este lugar novamente. Como se vocês fossem algum tipo de cidade dos sonhos. E tenho —"

"Quatro horas."

"Hãh?"

"A biblioteca fecha às três e meia, eu tenho que ir para casa pegar algumas coisas. Me encontre no Not So Boring Bar & Grill. Às quatro."

Ela entrou, fechou a porta e a trancou para terminar de preparar a biblioteca. Tim só sorriu um sorriso cada vez maior. Bandeira batendo, carros andando, pássaros cantando. Ele puxou o chapéu sobre os olhos novamente, o vento assobiando em seus ouvidos, e recuperou algumas horas de sono perdidas.


* * * * *


Tim se sentou no banco do passageiro da caminhonete vermelho brilhante, e Alice empurrou um casaco marrom fofo em seus braços.

"Vista isso, você parecia frígido esta manhã."

Ele obedeceu e enfiou os braços nas lisas mangas de plástico.

"Além disso, achei que combinava com a sua roupa."

Tim acenou com a cabeça em aprovação. "Obrigado, tem ventado bastante hoje."

"Aham."

A figura de Alice parecia minúscula quando colocada no banco do motorista da caminhonete; suas pernas mal alcançavam o acelerador e os freios, e sua cabeça não tocava o encosto de cabeça. Ela não era muito mais baixa do que Tim, mas a caminhonete era enorme.

"Por que você comprou uma caminhonete que é tão…"

"Grande?"

"Sim."

"Era a caminhonete do meu pai."

Ela manipulou o câmbio manual, que parecia estar lutando contra ela a cada momento, e colocou o carro na estrada quase vazia.

"Então, aonde vamos?"

Alice sorriu e olhou para ele, mas não disse nada.

"Ah, huh. Vamos fazer assim, então."

Mais uma vez, Alice se recusou a responder, verificando por cima do ombro antes de virar para a esquerda. Embora terras agrícolas constituíssem a maior parte da cidade, demorou apenas alguns instantes até que eles estivessem sob a espessa cobertura de folhas.

"Ei, não há só uma estrada para entrar e sair desta cidade?"

"O quê?"

"Quando eu passei, teve um patrulheiro que me parou, disse que só tinha uma estrada que entrava e saía."

"Bem, isso é uma mentira. A Avenida de Clackamas passa direto pelo meio da cidade. São pelo menos duas saídas. Daí nós temos as estradas rurais. Você ao menos olhou para o mapa enquanto eu mostrava os pontos de referência pra você?"

Tim sentiu uma névoa se dissipar em sua cabeça e, de repente, ele pôde visualizar o mapa com clareza, algo que ele nem percebera que não era capaz de fazer no dia anterior.

"Huh," disse ele, e deixou por isso mesmo.

Durante a viagem, Alice finalmente pressionou Tim a contar sobre sua vida antes. Embora Tim não quisesse discutir o assunto, ele gostava que alguém se interessasse por ele, e Alice gostava de aprender em primeira mão sobre a vida fora da pequena cidade.

"Não me entenda errado, eu adoro esse lugar," disse ela, "mas seria bacana ir embora algum dia."

Tim, é claro, tentou alertá-la sobre isso. Ele falou todas as coisas que achava melhor sobre a vida em cidades pequenas, no meio da natureza. O acesso à natureza, trilhas para caminhadas, riachos, pontos de natação isolados, como você pode conhecer todos com quem interage, a comunidade, as vistas e os sons, o comércio local, a presença notável de estrelas e tudo o mais. Sua exuberância tomou uma boa metade da viagem, durante a qual Alice ouviu atentamente. Sempre que ele dizia algo que fazia muito pouco sentido para ela, ela o lembrava de que ele era um "estranho" e fazia algum comentário sobre como ela nem deveria estar falando com ele.

De repente, eles pararam ao lado da estrada no meio do que Tim achava que poderia ser considerado "lugar nenhum" — que era exatamente onde ele gostava de estar, por acaso. Alice abriu caminho entre uma pequena fileira de arbustos para revelar o início de uma trilha não marcada que serpenteava por camadas de folhas de pinheiro mortas, terra e pequenos arbustos desgrenhados. Ela vestiu uma mochila bastante grande e se arrastou pela trilha sem dizer nada.

"Calma, o que está na mochila?" perguntou Tim.

Mas Alice só deu a ele aquele sorriso que ela deu a ele mais cedo e continuou andando. Tim aceitou que isso era parte da surpresa e começou a andar atrás dela.

As árvores estavam ficando mais grossas, o espaço entre elas mais estreito e o tempo todo eles desciam a colina. Várias vezes Tim teve que parar para recuperar o fôlego, incapaz de acompanhar a jovem enganosamente veloz. Depois da terceira vez, ele sentiu que era prudente mencionar o seu coração, e depois ela começou a andar um pouco mais devagar.

"Você vai conseguir subir de volta?"

Tim riu e soltou um longo suspiro. "Sim, mas vai ser uma merda."

E depois de mais quinze minutos de caminhada, Alice começou quase a vibrar. Ela saltou para frente, passando por duas árvores e desaparecendo atrás de outra.

"Ei, calma, pra onde você tá in—?"

E assim que Tim passou por onde ela estava, ele entrou em uma clareira minúscula, quase perfeitamente circular, onde as árvores decidiram que não deveriam crescer. O terreno era plano e sem folhagem, como um local de acampamento. Alice estava no centro e olhava para ele com um sorriso travesso.

"Então vamos… acampar?"

"Não. Melhor."

Ela tirou a mochila, pressionou-a no chão à sua frente, ajoelhou-se para vasculhar e tirou um livro, que entregou a Tim. Ele era roxo, verde e quadrado. Sua capa dizia…

"'Feitiços da Natureza: Bruxaria para a Trilha'. Isso parece… estranhamente específico."

"É? Eu estou encontrando um uso para ele."

"Uso? Achei que você não acreditasse nessas coisas."

"Eu não acredito que faça nada, foi o que eu disse. Mas se eu acredito que é uma coisa divertida e boba de se fazer, no meio da floresta à noite? Com certeza."

noite? Quanto tempo vamos ficar aqui?"

"São cerca de seis horas, o sol se põe talvez às sete, sete e meia, e fazer o círculo, acender as velas e nos familiarizar com o feitiço deve levar cerca de uma hora. O que você me diz? Eu até trouxe…"

Ela mergulhou as mãos em sua mochila novamente, puxando-a de volta para revelar rolos de algum material preto sedoso.

"…vestes."

"Vestes!?"

"Vestes," cuspiu ela.

Tim parecia quase chocado, mas Alice entregou-lhe as vestes de qualquer maneira, e ergueu as sobrancelhas para ele. Tim olhou para a veste, então para ela novamente, então para a veste uma última vez…

"Certo," ele pegou a veste entre o polegar e o indicador como se fosse um pano sujo, "mas já vou te avisando que é só porque você tem sido uma grande ajuda para mim."

"Já serve!"

Cada um deles vestiu os trajes cerimoniais e começaram a trabalhar acendendo as velas; fazendo uma fogueira (cinzas no chão marcavam claramente onde isso fora feito antes); jogando ramos de várias ervas (sálvia, alecrim, mandrágora) em locais bem específicos; traçaram um pentagrama; espalharam sal; e, por último, sentaram-se juntos para ler o ritual propriamente dito com o auxílio de um farol, já que o sol já havia se afundado sob os pinhos das árvores.

"É um feitiço de boas-vindas."

"Um feitiço de boas-vindas?"

"Sim," ela desceu o dedo na página. "É sobre pedir aos espíritos e poderes locais por uma passagem segura. Orando para ser recebido como um estranho em uma terra estranha, jurando que você não fará mal aqui. É disso que se trata. Eu o escolhi pra você, porque você é novo aqui. Achei que seria uma ótima primeira coisa a fazer."

"Bem, é tarde demais para isso, eu fiz duas caminhadas entre você abrir a biblioteca e se encontrar comigo no bar e restaurante."

"Shhh. É simbólico."

"Certo, certo."

E assim, uma vez que as primeiras estrelas começaram a espiar através do grande véu preto acima, Tim e Alice acenderam as velas, e a fogueira, e recitaram a possível tagarelice contida no pequeno livro verde e púrpura. Muitos movimentos de braço ultrajantes foram feitos, muito mais volume do que o necessário foi usado na fala, e os espíritos e poderes foram invocados!

"Espíritos!!" gritou Alice. "Que este homem estranho de San Diego aqui no Oregon fique sem ser molestado por sua ira, que sua alma e o solo se tornem um, que ele não seja estrangeiro, mas sim uma nova adição ao corpo dessa floresta, uma característica tão fixa quanto as planícies e tão icônica quanto as montanhas. Se ele migrar, que o faça como um pássaro, voltando e descobrindo que ainda é bem-vindo, uma casa daqui em diante. Espíritos, me ouçam e fiquem em paz."

A floresta estava em silêncio, exceto pelo crepitar do fogo, imóvel exceto pela luz laranja tremeluzente das velas. Alice colocou as mãos sobre seus lados, mais uma vez à vontade, e tirou o capuz.

"Uau," disse Tim. "Eu acho que você saiu do roteiro."

"E daí se saí? Eu quero que você seja bem-vindo aqui. É só um feitiço sobre fazer os espíritos ouvirem você, eu deveria ser capaz de dizer o que eu quero."

Tim tirou o capuz também, fazendo contato visual com Alice.

"Você acha que funcionou?"

Cada um deles ficou parado em silêncio, analisando o ambiente, tentando ouvir novos sons. Nem uma única vela se apagou, não houve nenhuma nova rajada de vento. As estrelas não brilhavam mais intensamente, nem desapareceram de vista. Nada se mexeu.

"Provavelmente não," Alice encolheu os ombros. "Mas eu sempre quis fazer isso."

"Você quis?"

"Sim." Alice começou a apagar as velas e pegá-las.

"Por quê?" Tim fez o mesmo.

Alice encolheu os ombros novamente. "Você ficaria surpreso com quantas pessoas vêm à biblioteca para pegar livros de bruxaria. Eu sempre quis saber do que isso se tratava. Ter a experiência. Além disso, você é um turista e isso é uma coisa turística de se fazer." Ela viu dúvida em seus olhos. "Confie em mim."

Tim cedeu, colocando as mãos na frente de si mesmo por um breve momento.

Tim perguntou se eles tinham alguma maneira fácil de apagar o fogo. Alice disse que eles poderiam sufocá-lo com terra ou só esperar. Tim ofereceu sua opinião sentando-se perto do fogo, e Alice fez o mesmo. Eles tiraram as vestes, guardaram tudo de volta e se sentaram lá, olhando profundamente para o núcleo vermelho-laranja do fogo, suas lambidas disparando para o ar como peixes de um lago.

"E minha mãe gostava disso."

"Gostava?"

Alice olhou para ele.

"Ah," sussurrou Tim. "Desculpa."

O fogo estalava, tremeluzia e girava. ocasionalmente, corujas piavam, e Alice apontava quando pensava ter ouvido um uivo de coiote, mas Tim não o ouvia. Por fim o plasma se apagou e tudo o que restava eram brasas. Alice se levantou e colocou punhados de terra no fogo até que a escuridão da noite os cercasse, e eles tivessem apenas seu farol para guiá-los.

"Certo, Tim, acho melhor irmos. Tenho que abrir a biblioteca amanhã, assim como todos os dias."

Tim começou a se levantar, temendo a longa caminhada de volta morro acima.

"Onde você vai ficar, afinal? Não temos um motel, ou hotel, porque, você sabe, ninguém passa por aqui."

"Ah. Eu só durmo na minha caminhonete."

"Na sua caminhonete!?"

"É."

"Você não vai fazer isso esta noite."

"Quem é você para me dizer o que eu vou ou não fazer?"

"Eu tenho um quarto de hóspedes, você quer ou não?"

Os olhos de Tim se arregalaram. "Bem, obrigado! Isso é muito gentil!"

A conversa continuou assim por todo o caminho morro acima, por mais devagar que fossem. Ou assim foi imaginado, pelas criaturas da noite, pelos insetos e aracnídeos das árvores na clareira que eles deixaram. Sem a presença deles, e sem o crepitar do fogo, a floresta estava mais silenciosa do que nunca. Uma meia-lua iluminava tudo com uma luz azul escura, como se o mundo estivesse debaixo d'água. Mas logo, houve um barulho. Galhos quebrando por trás das árvores.

Algo grande, peludo e pesado entrou na clareira recentemente desocupada e olhou para a trilha que os humanos haviam acabado de percorrer. Seus cascos perturbaram as cinzas da fogueira, sua cauda curta se contraiu. E então, simples assim, seus chifres ganharam vida, laranja e vermelho e amarelo, quente e brilhante, radiante. As chamas enrolavam-se em torno de seus chifres como cobras em galhos, contidas, mas inquietas, empurrando contra os limites de seu lar. O cervo apenas observava a trilha. Uma orelha se contraiu, um nariz fungou. E então ele saltou para dentro da floresta, para longe da clareira, entre as árvores.

E a floresta mais uma vez estava em silêncio.




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