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Capítulo I.VI
Eu não nasci Faeowynn. Quando mamãe e papai me tiveram, eu me chamavam Felix. Feliz era frequentemente descrita como "serena." Amigos e familiares corroboram essa história, dizendo que, quando eu era pequena, eu era criança mais calma que eles já viram. Eu poderia dar uma topada com o dedo do pé e só faria uma careta. Meus pais me deixavam, eu ficava pro canto. Qualquer que fosse minha infelicidade, ela era expressa em silêncio.
A anedota das famílias é que eu não chorei quando nasci. No dia de Ano Novo de 1978, eu fui empurrada para o mundo, apanhada pelo médico, e apenas olhei ao meu redor. Pessoalmente, duvido disso. Se eu tivesse um filho e ele não gritasse, chutasse e chorasse pelo seu primeiro dia na terra, eu estaria mais preocupada do que melancólica. Mas acho que eles não tiveram tempo de se preocupar comigo, porque quando eu nasci, Tim ficou tão animado que desmaiou.
Vou admitir. Esta não é uma história que meu pai me contou. Ela não é uma história que ele gostaria de contar. Esta é uma história que estou contando sobre meu pai e eu. Quando ele realmente era meu pai. Mamãe também não se sentiu à vontade divulgando essa informação, então estou usando conjecturas e aquisições recentes. E eu também entendo. Eu entendo porque isso foi escondido de mim. Achando que eu me sentiria culpada, ou algo bobo assim. As pessoas fazem isso consigo mesmas. Eu não faço isso comigo.
Eu vivia em uma casa feliz. Não havia nada de errado com mamãe e Tim. Mamãe teve que tirar uma folga da escola para me sustentar, o que a atrasou em conseguir seu diploma, mas tudo bem. Nõ me lembro muito dessa época da minha vida, mas devo Tim minha primeira lembrança. Ele tinha um colega de trabalho que pilotava os barcos que ele usava para levar as pessoas em passeios de mergulho, e quando ambos estavam disponíveis, Tim me trazia para o trabalho. Acho que era natural, porque o pai dele fazia isso com ele. Isso dava tempo à mamãe para se concentrar nos estudos, cuidar de si mesma e tudo o mais. Então, minha primeira lembrança não foi nem com meus pais. Foi com o cara que pilotava o barco.
Me lembro de estar nos braços do piloto, e acho que todo mundo estava na água, porque o barco estava parado e tudo tranquilo. Devido à minha natureza calma, o piloto nem se preocupava comigo. Eu estava em uma cadeirinha de segurança, amarrada, olhando pela janela da frente do pequeno barco. Era apenas um plano azul. Não totalmente calmo, mas mal se movendo. As ondas eram curtas e manejáveis. O balanço do barco era tentador. Se eu fosse adivinhar, acho que a memória termina quando adormeço.
Mas essa não é minha única lembrança em um dos barcos de mergulho.
* * * * *
Mais ou menos na metade do meu primeiro ano de pré-escola, Tim saiu em uma viagem. Era para ser apenas uma semana ou duas, mas acabou sendo um mês. Não que eu tivesse a noção do tempo para saber quando eu tinha três anos. Mas quando ele voltou as coisas estavam diferentes. Quando criança, você não entende os conceitos para saber o que está errado, você às vezes só sabe que algo está. E era isso que eu estava sentindo. Tim estava fazendo um bom trabalho em esconder isso, mas mamãe não, não mesmo. A mesa de jantar estava mais silenciosa. As viagens à escola estavam mais tensas. Isso me contagiou, mas, como quase todas as emoções, eu não demonstrei.
A pré-escola estava ligada a uma creche, então quando eles precisavam de mais tempo em casa, eu sabia que era só ficar e ir lá quando a escola acabasse. Por causa disso, eu estava saindo muito menos nos barcos com Tim e seus colegas de trabalho. Mas nos fins de semana, ainda havia uma boa chance de eu acabar na água. Conheci os colegas de trabalho de Tim ━ 0 Tim adorava falar sobre Bill, "O engraçado." Ele sabia como me fazer rir (ou, mais frequentemente, apenas sorrir) e me manter ocupada. É claro que eu sempre tinha que ficar no barco, mas tudo bem. Eu também era um tipo de mascote da empresa de mergulho e, embora não prosperasse sob os holofotes, não me importava com a atenção. Alguns clientes recorrentes me traziam brinquedinhos. Na maioria das vezes com tema do mar. Ainda tenho uma pequena coleção de conchas que começou com uma senhora que me deu a dela. Eu nunca me interessei nisso tanto quanto ela, então as dela ainda são mais da metade, mas ela diz algo que, onde quer que eu vá, acaba sendo colocada em algum lugar visível no espaço em que vivo.
Naquele dia, porém, fui pega de surpresa. Era um domingo, e papai me levou para a praia. Mas em vez de pegar um barco de mergulho, pegamos uma lancha alugada e partimos. Tim disse que queria "me mostrar algo." Vendo que eu tinha estado na água muitas vezes, eu não entendi, mas eu não era de desconfiar do papai, então eu apenas sentei e segui o fluxo. E assim fomos, mais e mias longe nas ondas, mais e mais longe de San Diego.
O ar estava temperado, o marulhar do oceano era calmante, o balanço do barco estava mais tentador do que nunca. Colete salva-vidas equipado (no caso de eu cair), sol no céu (embora um pouco nublado), começamos a ver cada vez menos pessoas, mais e mais água. A maioria das pessoas não tinha permissão para levar os barcos alugados tão longe, mas Tim tinha construído um repertório com as pessoas que trabalhavam em Mission Beach, e ele era do tipo que recebia tratamento especial. Então, além de onde mais ninguém deveria estar, o barco parou e papai saiu da cabine.
Não querendo dar a ideia errada, mas Tim sempre foi muito bom em esconder suas emoções. Seu sorriso falso era quase tão bom quanto o real, a diferença apenas perceptível com um olhar experiente como o que sua família deve ter. Nos meus três anos de vida, acho que comecei a perceber isso, porque quando papai saiu para o barco, percebi que algo estava errado. Mas eu não disse nada. Eu só deixei ele falar.
Ele então ergueu os braços, gesticulando para o grande oceano azul.
"Isto," disse ele, mais alto do que precisava, "é a natureza!"
Ele esperou. Talvez por uma resposta, talvez só para deixar as palavras virem até ele. Eu não disse uma palavra.
"Você consegue ver a cidade daqui, mas não estamos mais na cidade. Olhe ao seu redor! Isso é tudo a selva azul. Água salgada de horizonte a horizonte. Você já esteve tão longe?"
Eu sacudi minha cabeça.
"Você consegue ouvir as pessoas na praia? As lanchas? O zumbido da cidade daqui?"
Eu não sabia o que ele quis dizer com "zumbido," mas tentei ouvir os sons característicos da minha cidade. Tão longe, no entanto, as ondas batendo nas laterais do barco eram mais altas do que qualquer outra coisa. Eu podia ouvir o motor de alguém indo mais rápido do que alguém precisaria, nas eu sabia o que papai queria dizer, então sacudi a cabeça.
"Isso mesmo. Quando foi a última vez que você se lembra de estar tão longe dos sons da cidade?"
Eu não sabia o que dizer, então apenas olhei para ele.
Tim se sentou e soltou um suspiro como se o ar tivesse sido tirado dele. "Feliz, eu não posso ficar aqui em San Diego. Aqui. Eu não posso ficar… aqui. Porque… eu não deveria." Eu só continuei olhando pra ele, com aquela expressão vazia sem saber de nada. Um ser de ingenuidade. A quididade da inocência. Tim teve dificuldade em manter contato visual, mas não desviou o olhar.
"Eu deveria estar aqui," ele gesticulou para o oceano novamente. "Bem aqui, na natureza. Onde todos os animais vivem, e os sons são suaves e agradáveis, e a vida é livre, fervilhante, fora do…"
Ele viu que suas palavras grandes estavam entrando em minha pequena orelha e saindo pela outra. Seus braços em seus lados, sua boca aberta por um segundo, e então ele se recompôs novamente. Nenhuma quantidade de carisma te parara para ser pai.
"Que tal, eu te contar uma história. Você gostaria de uma história?"
Eu balancei a cabeça.
"Quando eu era um pouco mais velho do que você é agora, quando eu tinha quatro mais ou menos… eu fui ao zoológico. Você se lembra do zoológico?"
Eu lembrava.
"E você se lembra de todos os animais do zoológico?"
Eu sorri um pouco e balancei a cabeça.
"Bom. Bem, eles não pareciam mágicos? De outro mundo? Como nada que você já viu antes?"
Eu balancei a cabeça com mais entusiasmo.
"Bem, há lugares onde esses animais não estão em gaiolas. E isso é o que a natureza é. É onde estamos, agora. Você já esteve em um aquário?" Eu sacudi minha cabeça. "Bem, um aquário é como um zoológico, mas os animais são todos subaquáticos. Sabe, aqueles que eu mostro às pessoas quando vou mergulhar. Bem, alguns chegam perto o suficiente da baía para eu ver, mas o resto deles… eles todos vivem aqui" Além da cidade, debaixo d'água, nessas ondas que estamos agora. E quando eu era pequeno, percebi isso, ou algo assim, logo depois que fui ao zoológico. Percebi que tudo o que San Diego pode fazer é mantê-los em gaiolas, mas não consegue deixar vocês experimentá-los."
Ele olhou para o chão do barco.
"Mas, em algum nível, eu deveria estar bem com isso. Porque eu fiquei aqui, na cidade, por tanto tempo. Achei que a praia seria suficiente, mas…"
Tim se inclinou para trás e olhou para o céu, seu sorriso ainda mais fraco.
"Mas não é. Eu só precisava que alguém me mostrasse. Em lá no norte, eu percebi. Lembra daquela viagem que fiz recentemente? Era eu construindo uma relação com a natureza, que você simplesmente não pode ter morando na cidade. Era eu indo para a floresta e me descobrindo. E, você pode não entender agora, mas, espero que um dia, eu possa te mostrar. Como é a vida lá fora."
Ele se virou para longe de mim, em direção à água, e colocou a mão no rosto por um segundo.
"Então, eu vou partir, daqui um mês."
Eu só olhei. Todo esse tempo, eu não tinha me movido do meu lugar, nem tirado os olhos do meu pai. Eu só olhava ara ele. E agora, ele olhava de volta. Esperei que ele continuasse, mas ele não continuou. Era minha deixa. Então, depois de uma pausa, eu disse:
"Partindo?"
"Partindo."
"Pra onde?"
"Pro norte. Uma cidadezinha no Oregon, o estado logo acima da gente. Você já aprendeu sobre os estados?"
Eu sacudi minha cabeça.
"Ah. Bem, nós moramos na Califórnia. San Diego é uma cidade no estado da Califórnia, entende? E Oregon é um estado acima da Califórnia. Eu vou para lá."
"Ah."
O sorriso de Tim se foi. "Porque lá está a natureza."
"Ah."
Eu retomei meu processo, só sentada e olhando, esperando o momento em que novas informações pudessem vir, mas nenhuma veio. Ele estava me deixando falar. Ele queria que eu fizesse perguntas.
"Você vai embora por quanto tempo?"
"O problema é esse, Fee. Vou ficar mais sumido do que o contrário agora. Você ainda vai me ver, mas não vamos morar juntos.
"Ah."
Desta vez, a pausa só continuou. Tudo o que se ouvia era a suave brisa do mar, a água toda hora empurrando e o chamado ocasional de gaivotas. Ele esperou que eu dissesse mais alguma coisa, que eu perguntasse outra coisa, mas eu não fiz nada. Eu apenas fiquei parada e olhei. Direto em seus olhos, castanhos como casca de carvalho. Ele manteve o contato visual, ou sem palavras, ou esperando que eu não estivesse sem. Ou talvez apenas pensando. Olhando para a criança que ele estaria deixando, e pensando.
"Então," ele finalmente disse, "eu quero fazer coisas divertidas com você este mês, comemorar antes que eu tenha que ir. O que você acha?"
Eu balancei a cabeça.
Seu sorriso se esgueirou de volta em seu rosto. "Bom. Bom! Então o que você quer fazer primeiro?"
O resto do dia passou sem incidentes. Tim sentiu como se tivesse feito sua devida diligência, e então voltamos para a praia, o zumbido do motor acompanhando nossa viagem de volta. No mês seguinte, ele me levou ao aquário, e ao Six Flags, e muitas vezes ao parque, onde comíamos sanduíches que mamãe fazia e jogávamos frisbee (que consistia mais no Tim jogando e eu correndo atrás, só para inevitavelmente pegá-lo do chão e jogá-lo de volta para ele). Foram bons dias.
E então Tim se foi. Ele arrumou seu carro com todas as suas coisas do nosso apartamento, me deu um abraço de despedida e foi embora simples assim. E depois, mamãe e eu fingimos que nada havia mudado. Fui para a escola, me isolei no canto como sempre. Mamãe continuou seus estudos, me preparava café da manhã, almoço e jantar, e confiou em seus pais por dinheiro até que ela reduziu suas aulas e abriu espaço para um emprego. Eu estava passando mais tempo na creche. E fiz minha melhor cara para a mamãe, porque sempre fiz isso, e nada deveria ter mudado.
Mas as coisas estavam diferentes.
Sentia falta de sair nos barcos. Eu sentia falta de quando ele me levava para tomar sorvete. Eu sentia falta do quanto ele sorria, dia a dia, hora a hora, o tempo todo.
Como isso se parecia, ocorrendo na mente de uma criança de três anos, é claro, é especulação. Provavelmente não doeu tão claramente, mas também não deve ter sido inexistente. Cada dia produzia menos brincadeiras, menos comida e vinha com mais apatia, mais letargia, mais sono. Eu acho, olhando para trás, que mamãe percebeu e aceito algo que eu não conseguia superar.
Papai era impossível de se persuadir. Mamãe percebeu que isso era parte do motivo pelo qual ela se apaixonou por ele: que ele amava tanto a natureza. Eu não acho que ela percebeu até que ponto isso era verdade, quando eles se casaram. Tim tinha outra noiva, e seu nome era Mãe Terra.
Pelo menos, essa é a explicação que me foi dada.
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