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O caminhão cruzava sozinho aquela imensa estrada que passava entre morros e campos, enquanto estremecia a cada buraco no caminho. Mesmo estando nublado, era possível ver alguns raios de luz atravessando o céu de fim de tarde, ao mesmo tempo que alguns pingos se chocavam contra o para-brisa do veículo. César mantinha sua cabeça encostada na janela, enquanto Santos olhava determinado para o asfalto à sua frente.
"De volta na estrada, não é, César?" Santos disse com um suspiro, em um tom quase sarcástico, tentando quebrar o silêncio que se estabelecera no veículo.
César não prestou atenção na fala de seu companheiro.
"César?"
"O quê?" Respondeu rapidamente o cabo, tirando sua concentração do horizonte.
"Esquece."
"Tudo bem…"
"O lugar é na 213 com qual mesmo?"
"153." Respondeu César, olhando a anotação em sua mão.
"Estamos perto." Disse Santos, por fim.
César voltou sua atenção à paisagem. O cheiro parecia estar preso às suas narinas e os gritos pareciam ecoar em sua mente, e tudo isso fazia seu estômago vazio se revirar. O cabo respirou fundo, voltando a se concentrar nas montanhas que se estendiam pelo horizonte.
"Deve ser isso aqui." Disse Santos, desacelerando o veículo.
"É. Parece mesmo." Concordou César, pegando sua pistola do porta-luvas e um pé de cabra que estava ao seu lado.
Santos parou o veículo em um pátio vazio, ao lado da grade que cercava o complexo.
"Aqui está bom." Disse Santos, saindo do caminhão. "Anda César, não quero pegar essa chuva."
Os homens deixaram o veículo, entrando na área e passando pelos caminhos estreitos que atravessavam o complexo, se guiando pelos grandes números brancos pintados acima das portas de cada armazém, até chegar no local anotado.
"C-05… C-06… 07… Aqui." Disse César, apontando para a porta de metal à sua frente.
"Beleza. Um segundo que eu já…"
Santos chutou a porta uma vez, sem sucesso.
"Porra. Eu pensei que isso era mais fácil. César, tenta você, eu vou ver se tem uma janela atrás ou alguma coisa assim."
César tentou usar o pé de cabra para abrir a porta, porém não obteve sucesso.
"César!" Exclamou Santos, da parte traseira do pequeno armazém. "Vem aqui!"
O cabo contornou a estrutura até encontrar seu companheiro, que estava agachado observando um cadeado no chão.
"Acho que é mais fácil por aqui."
César pegou o pé de cabra, colocou uma das extremidades no centro do cadeado e quebrou o objeto, possibilitando a entrada dos dois soldados na estrutura.
"Boa." Disse Santos. "Vamos, me dá uma mão."
Os dois soldados pegaram a base da porta retrátil, levantando-a sem muito esforço. Abrindo o portão, os homens entraram no armazém, se deparando com duas caixas de madeira e um corpo no chão do primeiro piso.
"Que merda é aquela?" Perguntou Santos.
"Vou ver, vai olhando as caixas." Disse César, se dirigindo ao corpo, com sua pistola em mãos.
Se aproximando, César pode confirmar. "Morto." Pensou, vendo uma nuvem de moscas voar do rosto do cadáver, que estava completamente desfigurado. "Alguém realmente não gostava desse cara." Voltando-se para Santos, o cabo viu que seu companheiro havia encontrado alguns documentos.
"E aí?" Questionou César, guardando sua pistola.
"Acho que é isso." Respondeu Santos. "Vamos logo, não acho que esse lugar é definitivo. Me ajuda aqui."
Os dois homens pegaram a caixa maior primeiro, saindo do armazém de volta ao caminhão, abaixo do chuvisco que começava a ficar mais forte.
César fechou a porta do caminhão, se ajeitando no assento, pronto para dormir na viajem de volta, mas o frio e o som da chuva atrapalhavam seus planos.
"E aí, Santos." Disse César, sonolento. "O que tem nas caixas?"
"Sei lá, ué. Eu não abri." Respondeu Santos.
"Mas você não leu os papéis deles?"
"Ah sim, mas só dizia alguma coisa tipo 'tapete' e 'lança'. Era uma tabela, na verdade, com os códigos, os preços e tudo mais."
"Entendi… Vai passar pela usina?"
"Melhor, dando a volta tem mais curvas, e você sabe que esse caminhão não gosta de um piso molhado."
"É, eu lembro da última vez."
A escuridão começava a tomar conta da estrada, enquanto a chuva dificultava mais ainda a visão do motorista. Santos começou a dirigir mais lentamente o veículo, enquanto cerrava seus olhos para evitar algum acidente.
"Sabe o que eu mais odeio nessa merda?" Perguntou Santos.
"O quê?"
"A falta de poste. Como alguém consegue dirigir de noite nisso?"
"O Matias disse no almoço que o Costa e Silva estava querendo iluminar as estradas."
"Deve ser mentira, disseram que o Castelo ia fazer a mesma coisa."
"Ainda bem que quem dirige é você, pra mim tanto faz." Disse César, dando uma leve risada.
"Ah, vai se foder, César."
"Ei, Santos?"
"Fala."
"Esse carro tá atrás da gente há um tempo?"
Santos olhou para o retrovisor. "Acho que sim. Por quê?"
"Não sei, mas a gente passou por umas duas cidades, e a gente está bem lento. Por quê ele só não passa logo?"
Santos bateu na buzina com força. "Opa!" Santos exclamou, virando seu rosto para a janela aberta do veículo. "Pode passar!"
Nenhuma resposta ou reação do carro.
"Mas que porra…" Santos buzinou novamente, colocando parte de sua cabeça para fora da janela. "Ei! Você tá me ouvindo? Eu disse que…"
Um tiro repentino acertou o retrovisor, pouco abaixo da cabeça do soldado.
"Filho da puta!" Gritou Santos, voltando para dentro do caminhão e afundando seu pé no acelerador. "César, me ajuda porra!"
César retirou sua pistola do porta-luvas e se virou para trás, tentando acertar o veículo pela pequena janela na parte de trás da cabine do caminhão. O cabo deu três tiros, porém apenas um acertou o carro, em um dos faróis.
"Relicário?" Perguntou César.
"Claro que é!" Respondeu Santos.
"Puta merda. Você trouxe o fuzil?"
"O que você acha?"
"Boa, seu idiota."
Mais um tiro vindo do carro acertou a traseira do caminhão.
"Eu não tenho pente sobrando, Santos."
"Cacete, a gente tá quase chegando em Canedo, só assusta eles mais um pouco."
"Santos, o quartel é na casa do caralho, em que Canedo ajuda a gente?"
"A fábrica."
O carro começou a acelerar, tentando chegar ao lado do caminhão, enquanto mais três tiros foram disparados contra os soldados.
"Fecha eles, Santos!"
Santos virou o veículo, conseguindo manter o carro atrás de si. César se levantou de novo, atirando mais duas vezes, ainda sem acertar os alvos.
"Aqui!" Exclamou Santos, fazendo a curva em uma rua que contornava a cidade. "A gente tá quase lá, descarrega tudo neles!"
César disparou as últimas duas vezes contra o carro, vendo que seu último tiro acertou o para-brisa, talvez acertando o passageiro, porém, dada a escuridão, era impossível de confirmar. A única coisa que o cabo tinha certeza, era de que o veículo estava desacelerando, conforme os postes começavam a iluminar o caminho. Ao ver o carro virar em uma rua que entrava na cidade, César se sentou novamente, dando um suspiro aliviado.
"Eles foram embora?" Perguntou Santos.
"Sim." Respondeu César, ofegante. "Falta muito?"
"Acho que é logo ali na frente."
Santos parou o caminhão na frente do portão da grade que cercava o terreno, buzinando quatro vezes. Rapidamente um soldado saiu da porta principal da fábrica, correndo na chuva para abrir o portão.
"Como você sabe desse lugar?" Perguntou César.
"Eu dirigi o Osório pra cá uma vez."
"Entendi…"
"Então, o que temos aqui?" Disse o sargento, com o nome 'Borges' estampado em seu uniforme.
"Recuperação de carga, senhor." Disse Santos.
"E esses buracos no caminhão?"
"Relicário, senhor." Respondeu César.
"Tudo bem… Vocês são de qual batalhão, soldados?"
"58º de Infantaria Motorizada, senhor." Disse Santos.
"Ah, pertinho do alto escalão, não é?"
"Acho que sim, senhor."
"Bom, temos um pessoal que pode fazer a análise aqui, e podemos mandar vocês dois e o caminhão todo para lá, mas vão ter que esperar até amanhã. Precisamos de um tempo para ligar a máquina e meus homens daqui já foram se deitar, então de manhã resolvemos isso. Ah, não temos camas sobrando, vocês vão ficar bem?"
"Sim senhor, podemos ficar no caminhão mesmo."
"Bom, então está tudo ótimo. Vou fazer um relatório agora mesmo. Mateus!" Disse o sargento para um soldado próximo. "Leva as caixas lá para baixo. Vocês dois, dispensados." Finalizou, virando-se de costas para os soldados e se dirigindo à escada principal da estrutura.
César e seu companheiro se ajeitaram na cabine do caminhão, deitando seus assentos.
"César?"
"Fala."
"Quando a gente voltar, tá a fim de mudar de posto?"
"Limpeza? Ou guarda?"
"Guarda né, pelo amor de Deus."
"Fechado."