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Capítulo I.XI
A viagem de avião de volta à costa oeste foi um evento surreal e desconfortável. Eu não conseguia comer. Alguém sentado ao meu lado ficava tentando puxar conversa e eu não conseguia manter uma conversa sequer. Eu tive que tirar uma folga repentina. Eu tive que marcar a caixa, "emergência familiar." Nunca achei que teria que marcar essa caixa. Eu nunca quis marcar essa caixa. Fiquei olhando para ela por minutos, tentando repassar as coisas na minha cabeça, ter certeza de que era realmente o certo. Depois de muita deliberação, descobri que sim, dei meu aviso e tirei minha licença naquele dia. Não me preocupei em verificar o custo da passagem. Eu estava cansada, preocupada e com pressa.
Mas o pior de tudo, eu estava calma.
Mas não calma como uma vista plácida do lago. Não calma como a névoa da manhã. Era a calma do olho de um furacão, ou das águas recuando da praia antes de um tsunami. E eu esperava, a cada momento, por aquela onda: a batida, a queda, o tumulto e a explosão. Mas eu sabia que isso não aconteceria. Essa libertação, quando tudo finalmente vai ao chão, só vem depois da parte para a qual você precisa ser forte. E era para isso que eu precisava ser forte. Agora, eu tinha que ser a casa com fortes fundações. Em algum ponto, posso me perder na tempestade; ter minhas janelas estilhaçadas, minhas portas soltas das dobradiças, ir abaixo, começando com os ladrilhos do teto, depois os pedaços mais soltos da parede de gesso, todo o meu conteúdo esvaziando-se de minhas portas abertas para eu então ir ao chão. E então, estaria tudo bem. E eu poderia reconstruir. E ficaríamos bem. Mas, por enquanto, eu tinha que ser a casa.
Era isso o que passava pela minha cabeça enquanto aquele senhor muito gentil continuava tentando levantar o assunto de suas férias para a Califórnia, e eu só concordava, não apenas fingindo, mas também tentando de fato ouvir. Mas eu não conseguia. Tudo entrando por um ouvido e saindo pelo outro. Acho que em algum momento ele percebeu, porque ele acabou parando de falar, mas demorei um pouco para perceber. E então eu só fiquei parada lá. Eu nem consegui o contemplativo assento da janela. Peguei o assento do corredor. Então, a imagem de um avião em uma revista na parte de trás da cadeira à minha frente se gravou em minha visão, centímetro a centímetro. Ainda me lembro dela, apesar de ser uma imagem quase sem traços característicos, como se estivesse me encarando naquele exato momento. Como estranho é o funcionamento do cérebro humano: ser capaz de focar tão intensamente naquela imagem, mas não na conversa de outro ser humano.
Sinceramente, nem me lembro de ter saído do avião, pego minha bagagem ou sinalizado um táxi. Mas eu me lembro de chegar na casa da minha mãe.
* * * * *
Depois que me mudei para a costa leste, minha mãe se mudou de seu apartamento para comprar uma bela casinha no subúrbio. Sempre achei essa reviravolta nos acontecimentos bastante anticlimática — ela só conseguiu a cerca branca depois que o ninho estava vazio. Minha mãe, nunca tendo sido alguém que se importasse muito com a estética, a deixou um branco sem graça, sem enfeites de gramado algum. À primeira vista, ele gritava "à venda."
Fui até a porta e Mamãe a abriu bem quando minha mão estava se estendendo para a maçaneta. Ela jogou os braços sobre mim, como um marinheiro se afogando tentando pegar um bote salva-vidas, e empurrou a cabeça contra meu ombro. Eu retribuí o abraço e decidi que uma saudação usual não era necessária para a situação. Ficamos lá, abraçadas na porta da casa dela, por um tempinho. Não tenho certeza de quanto tempo foi. Mas foi bacana.
"Faz tanto tempo que não vejo você," Mamãe finalmente disse, a cabeça ainda aninhada na curva do meu pescoço.
"Eu sei," foi tudo o que consegui pensar, e gostaria que eu tivesse tido mais a dizer.
Ela me convidou a entrar, e pude ver o design simples de sua casinha que era, apesar de sua singularidade, ainda excessivamente grande para apenas uma pessoa morar. A cozinha ficava no canto mais distante da entrada da casa; a sala de jantar ficava à sua direita; logo à esquerda da entrada havia escadas que conduziam para cima; de para frente as escadas, pela frente do edifício, havia uma área de estar; e embaixo da escada havia um banheiro. Nos fundos da sala de jantar havia uma porta que dava para um pequeno gramado que Mamãe havia transformado em um jardim e, assim, nós fomos para uma mesa e cadeira sob uma árvore e bebemos o chá que ela nos preparou.
Era um dia temperado, que era a forma como o clima de San Diego costumava distorcer a Primavera, o Inverno e o Outono. Se você quisesse se esquentar, você podia ficar ao sol. Se você quisesse se esfriar, você podia se sentar à sombra. Além disso, os sons incluíam carros, gente falando ao longe, talvez algumas crianças brincando, e era praticamente isso. Uma brisa soprava de vez em quando. Um cachorro latiu uma vez.
"Sinto muito que você tenha que estar aqui sob estas circunstâncias."
Baixei os olhos para o meu chá. "Tudo bem, Mãe." é o que eu queria dizer. Mas estaria tudo bem? Não estava, eu concluí. E, como tal, recuei.
"Eu só sinto muito por não ter vindo antes."
"Não se sinta assim."
Eu balancei a cabeça desajeitadamente e fiz uma carranca.
"Sei pai vai vir esta noite."
"Eu sei."
"Ele já te vi…?"
Eu entendi a implicação. "Não. Ainda não me sinto confortável em sair em público em nova York assim. Mas acho que este lugar é diferente. Mais caseiro."
"Aham." Ela tomou um gole de chá. Ela deixou uma pergunta sem ser feita e eu decidi deixá-la sem resposta. Em verdade, eu ainda não sabia a resposta e tinha dificuldade em pensar nisso. Na verdade, eu tinha dificuldade em pensar sobre qualquer coisa.
Conversamos sobre coisas benignas. Livros que lemos, estávamos lendo, filmes que vimos, lugares que visitamos, como museus, parques. Amigos nossos. Trabalhos.
Sua carreira veterinária estava indo muito bem. Levara muito tempo para ela decolar — ela só começou de fato quando eu estava no primeiro ano do ensino médio, e isso foi com a ajuda da Edna. Se tornar uma mãe solteira atrapalhara muito seu plano de vida. Mas ela conseguiu. Bem na hora, parecia.
Eu disse a ela sobre ser uma inspetora — uma contadora-chefe do provedor de saúde para o qual eu trabalhava. As histórias que vinham do manuseio de dinheiro pareciam muito menos interessantes do que aquelas que vinham do cuidado de animais doentes, então deixei Mamãe falar a maior parte do tempo. Eu tinha ouvido muitas histórias por meio de cartas e e-mails, mas parecia haver um fluxo interminável delas, e eu estava feliz por ter algo para tirar minha mente das coisas.
"Seu Pai contou a você alguma das histórias dele, hm?" perguntou a Mamãe.
"Ahh," respondi, enrolando, "sim, eu acho."
"Você acha?"
Encolhi os ombros e bebi chá.
"Bem, o que você acha delas?"
Eu dei a ela um olhar enrugado. "Elas são histórias divertidas, Mãe, mas elas só são isso. Não consigo imaginar que administrar um abrigo para vida selvagem não seja empolgante. Eu só queria que ele me contasse das coisas reais."
"Coisas reais," repetiu Mamãe, levando o chá à boca, não para beber, mas para desfrutar de seu calor. "Mmm."
Eu só olhei para ela. Eu não queria ficar brava naquele dia, mas esse jogo estava realmente me irritando. Ela percebeu minha expressão e suspirou.
"Acho que você devia ir visitá-lo algum dia desses."
"Mmm," grunhi em resposta e usei um gole de chá para recusar educadamente elaborar.
Logo depois que terminamos, ela me mostrou no andar de cima o quarto de hóspedes que eu estaria ocupando. Ele era tão pequeno e normal quanto o resto da casa: só uma cama, uma escrivaninha, um armário e uma janela. Ela disse que ia começar a fazer o almoço e então me deixou sozinha. Desfiz as malas, me perguntando mais uma vez se havia trazido muito pouco ou demais. A duração de minha estadia era indeterminada. Mas eu fiz as malas como se fosse morar aqui.
Artigos de higiene pessoal, eletrônicos, livros, minha coleção de conchas, alguns papéis importantes, meu calendário e tantas roupas quanto eu conseguia carregar — todas as minhas roupas femininas e qualquer espaço que tenha sobrado foi preenchido por minhas roupas que usava para trabalhar e passeios públicos. Eu mantive o máximo do último grupo andrógino, mas roupas tipicamente masculinas continuam a ser tipicamente masculinas, não importa como você as use (pelo menos, era o que eu sentia na época).
Eu me perguntava se eu devia descer. Falar com a Mamãe. Ficar com a Mamãe. "Eu devia," disse eu a mim mesma. "A todo momento possível agora, eu devia." Mas assim que me sentei na cama, soube que não o faria. Eu precisava de alguns momentos para mim mesma, algum tempo para realmente passar me acalmando em solidão, não em trânsito, sem fazer nada que exigisse muita atenção. Só para respirar.
Eu senti a maré recuada.
Eu senti minhas fortes fundações.
Então, cuidei de algumas melhorias de qualidade de vida. Escovei os dentes, penteei o cabelo, coloquei soro em meus olhos ardentes. Abri uma janela só para sentir o ar fresco em meu rosto. Então desempacotei todo o resto dos meus pertences no quarto; coloquei produtos de higiene pessoal no banheiro, roupas no armário, livros nas prateleiras, minha coleção de conchas na mesa… de repente me senti em casa. E apesar das circunstâncias, eu estava muito, muito feliz por estar de volta a San Diego. Nova York, embora empolgante, nunca ganhou de mim a mesma familiaridade e admiração que as palmeiras, o clima ameno e a cultura de surfista.
Com uma repentina elevação de ânimo, senti a necessidade de tomar um banho. A decisão tinha peso. Tomar banho era algo que pessoas felizes faziam. Eu não estava, naquele momento, feliz, mas mais feliz do que antes. O lar era uma força poderosa nesse sentido.
Quando saí do chuveiro, me deparei com um dilema. Aproximei-me do meu armário e o vi dividido ao meio em masculino e feminino. Tentar escolher o que vestir parecia muito infantil. Não havia coisas maiores acontecendo agora? Quem se importa com o que eu estou usando? Mas quando respirei o ar de San Diego e me lembrei daquela primeira festa de Dia das Bruxas com meus amigos (me pergunto o que April e Jaideep estão fazendo agora?); imediatamente, me senti mais como eu mesma do que jamais me senti na costa leste, e a decisão tornou-se o hábito que sempre deveria ser.
* * * * *
Eu estava escrevendo um e-mail para meu chefe explicando mais sobre a situação que eu não pude compartilhar antes de sair quando ouvi Tim entrar lá de baixo. Houve tapas nas costas que eu pude ouvir de cima das escadas quando Mamãe e ele se abraçaram, e então ouvi os tons abafados e tensos que me diziam que o pior estava em suas mentes. Optei por terminar o e-mail, para dar tempo aos dois se encontrarem sozinhos. Eu os ouvi repetir minha visita com a Mamãe — parar na cozinha, fazer chá, sair para o jardim. Assim que terminei o e-mail, eu o enviei, fechei meu laptop e desci as escadas.
Emoldurados sob a sombra do quintal, os dois pareciam tão pitorescos que quase não quis interrompê-los. Abri a porta de vidro deslizante, saí, fechei ela atrás de mim e os dois se viraram para olhar.
"Oi," eu disse em uma voz esfarrapada e tímida.
Mamãe me olhou com o meio sorriso que eu esperava que ela não estivesse usando só para nós, mas Tim parecia completamente em branco. Tentei fazer contato visual, mas ele parecia estar me analisando. Confuso. Preocupado. Piscando. Enquanto seus olhos subiam, nossos olhos finalmente se encontraram. Sua testa franziu ainda mais, então, de repente, ele se animou.
"Ah! Minha Lagartinha, como está você!" Ele se levantou rigidamente, como se o que seu corpo e sua mente quisessem estivessem em conflito direto um com o outro, e então ele se aproximou para me dar um abraço.
"Estou… bem." Eu disse bem perto de sua orelha.
Ele se afastou e olhou para o meu rosto. Sua hesitação foi tão leve que você poderia ter nem percebido. "É tão bom ver você!"
Tentei descobrir se a ênfase dele realmente estava no "você" ou não, ou o que ele queria dizer com isso, mas antes que eu pudesse responder, Mamãe entrou na conversa.
"Só estávamos conversando sobre o Abrigo. Ele está ficando muito estressante para o seu pai."
"Ah, muito." Tim soltou uma espécie de risada contida e lentamente voltou para seu lugar. Mamãe fez um sinal para que eu sentasse na terceira e última cadeira, e eu o fiz. "Temos muito mais animais do que jamais pensamos que teríamos! E de tantos tipos diferentes! Não sei dizer quantas vezes tive que chamar um especialista. E quantas vezes não fazia ideia de onde encontraria um! Digo…"
Tim fez uma pausa para olhar para mim, a boca entreaberta.
"Bem, só é difícil. Parece que não consigo pesquisar rápido o suficiente para me atualizar em todas as coisas que eu deveria saber à essa altura, heheh. Só o jeito que o negócio tá indo.
Houve um silêncio repentino. Eu me encarreguei de quebrá-lo.
"Bem. Que tipos de animais você está recebendo que não esperava?"
Mamãe me lançou um olhar que não consegui ler, mas Tim foi rápido para responder.
"Ah, animais aquáticos! Eu ainda não sei se é normal para um abrigo de vida selvagem receber peixes. Isso é normal? Sempre achei que seriam mais mamíferos fofos. mas temos recebido lagartos e peixes… todo tipo de coisa. Ah! Esse é um dos especialistas de que eu precisava, um biólogo marinho! Foi um verdadeiro salva-vidas — Laura Irvin, ela vem de Portland, embora isso não seja tão surpreendente, nós pegamos quase todo mundo de lá, e ela tem sido uma grande ajuda?! Simplesmente fantástico! E bem a tempo, porque recebemos Cobre e…"
Outra daquelas pausas, outro daqueles olhares para mim.
"Bem, foi simplesmente um timing muito bom."
"Aham," eu olhei para ele, firme. "E Cobre é o que?"
"Cobre?" Tim parecia indefeso.
"Ele é um bacalhau, se bem me lembro," Mamãe interrompeu.
"E o que há de tão importante em um bacalhau?"
"Bem, não podemos soltá-lo de volta na natureza," Tim soltou de uma vez, e então desacelerou, "e não tínhamos espaço para ele."
"E por que isso?"
"Bem, porque…" Tim olhou em volta, e Mamãe me lançou aquele mesmo olhar ilegível de antes, só que desta vez percebi que dava para lê-lo e simplesmente optei por não ler. "Ele está com uma barbatana destruída, minha Lagartinha."
"Meu nome é Faeowynn."
Um silêncio caiu sobre a mesa novamente. Tim olhou para o chá, sem tomar um gole, e então virou a cabeça para espiar o resto do jardim. Eu virei minha cabeça para a direita e vi que Mamãe estava olhando para mim. Fulminando sem fulminar. E isso me cortava direto na alma.
"Sinto muito," eu disse em um tom monótono sem emoção, me levantando da minha cadeira. "Acho que estou um pouco cansada de viajar e com fome. Vou fazer torradas para mim."
Pedi licença e voltei para dentro da casa.
* * * * *
Eu ouvi uma batida na minha porta e me senti como uma criança. O que tinha acontecido? Tive um momento de emoção, recuei para o meu quarto e agora minha mãe vinha me confortar. Em San Diego novamente. Por um momento, eu era a recém-Fae. Eu tinha acabado de ter uma conversa desconfortável sobre esportes na mesa de jantar com Mamãe e seu namorado na época. Eu não tinha me revelado a ninguém além de meus amigos mais próximos ainda. Eu termino de comer rapidamente e subo as escadas. Mamãe capta o clima e vem atrás de mim. Estou em uma torrente de sentimentos que ainda não entendi, positivos e negativos, circulando nas mesmas cadeias de pensamentos a tal ponto que decidi não contar mais a meus amigos sobre eles. Eu não queria parecer um disco riscado, repetindo as mesmas coisas. Mas essa foi a vida por tantos meses. E naquela noite, contei tudo à mamãe. Tudo sobre o que sentia quando me olhava no espelho, quando tinha que ir à Educação Física, quando meus colegas falavam de namoro, quando tudo e mais alguma. E ela ouviu. E me senti completamente segura.
E isso foi um ano antes de eu me revelar para o Tim. Mas não me revelei para o Tim porque eu realmente queria. Eu me revelei para ele porque eu tive que me revelar. Porque, se eu não me revelasse, toda vez que o visitasse no Oregon, eu seria Felix novamente. E eu nunca mais queria ser Felix novamente.
E naquele momento, eu era Felix novamente.
"Posso entrar, Fae, querida?" Mamãe perguntou através da porta.
Eu quase ri de quantos anos tinham acabado de ser raspados da minha idade real com apenas aquela pergunta neste contexto. "Sim, pode."
Ela abriu a porta e, de repente, pude sentir o cheiro de algo forte e levemente doce vindo do andar de baixo.
"O jantar está pronto?" Perguntei eu.
"Daqui a pouco." Ela se sentou na beirada da minha cama. Larguei o livro que fingia ler nos últimos trinta minutos e me virei para fazer contato visual. Seus olhos reconfortantes, quentes de emoção como roscas saídas de uma torradeira, lentamente derreteram as camadas externas da minha angústia, e com um suspiro comecei a dizer o que sabia que ela esperava.
"Sinto muito por fazer escândalo com o Tim."
"Com seu pai."
"Certo." Desviei o olhar. "Desculpe, com o papai."
"Não quero que haja problemas entre vocês dois."
Eu respirei fundo. "Eu também não."
Não houve resposta. Eu me virei, e a expressão da mamãe não mudara. Eu me aproximei para abraçá-la, e ela me abraçou de volta. "Certo," eu disse.
"Ele está na varanda da frente."
Eu balancei a cabeças. O abraço durou mais dez, vinte, seja lá quantos segundos, e então eu me afastei, levantei da cama, peguei meus sapatos e desci as escadas. O cheiro de algo carnudo, saboroso e de alguma forma um tanto frutado ficava cada vez mais forte e, de repente, senti muita fome. Eu empurrei a sensação para longe e vesti uma jaqueta leve que deixei no cabide na entrada. Pela janela da sala, vi Tim, na varanda, fumando um charuto. A imagem era tão estranha que me parou por um momento, mas consegui chegar ao outro lado da porta relativamente desimpedida.
O ar da noite estava frio. O mundo estava ficando mais escuro, mas ainda não era noite. Uma névoa azul cobria tudo não iluminado. Tim olhou para a esquerda para me ver, então esmagou o charuto na sola da bota. Sentei-me ao lado dele. Por alguns segundos, apenas escutamos os sons dos carros distantes e do vento.
"Pai," disse eu.
"Sim… Fae?"
Eu respirei fundo. "Não quero que haja problemas entre nós."
Eu não estava olhando para ele, tentando ser apenas eu com meus pensamentos. Tentando me absolver das limitações sociais. Tentando não me duvidar, tentando ser franca. Eu nunca fui muito boa em ser franca.
"Nem eu," disse ele, depois de uma pausa. "Sinto muito. Eu sei que deveria usar seu nome."
"Se você sabe, então, por favor, use."
Sem olhar para ele, sem ouvir nada dele, eu sabia o que essa pausa significava. "Mas não é tão simples assim," pensou ele. "Mas é," eu pensei de volta, como se ter uma conversa fantasma em minha cabeça fosse forçar um vínculo telepático e mudar sua mente.
"E o que quer que seja," continuei, "por favor, pare de falar do Abrigo comigo por perto."
"Certo," disse ele, com cada grama de humildade em seu corpo.
Eu suspirei. Tim não estava tentando fazer nada. Tim continuava sendo ele mesmo. Se eu pudesse de alguma forma ter sido um pilar sem emoção, essa conversa não teria acontecido. Fui eu quem estabelecera limites. Fui eu quem criou as expectativas. E fui eu que reagi. E mesmo que cada passo ao longo do caminho fosso um passo necessário e razoável, de repente me senti a mulher mais egoísta do mundo inteiro.
"Precisamos estar aqui pela mamãe," eu respirei, minha voz muito menor do que eu esperava que fosse sair. "Nós não podemos ter nós dois brigando. Temos que estar aqui pela mamãe."
"Concordo," respondeu Tim. "Mas isso não…" Ele lutou por palavras. "Isso não significa que eu não deveria ter… ou que eu deveria ter…"
"Tudo bem, pai." Eu coloquei a mão no rosto para sentir as lágrimas, mas não havia nenhuma "A mamãe está com câncer."
Tudo bem, pai. A mamãe está com câncer. Mas que porra eu estava dizendo. Como esses dois pensamentos deveriam se juntar? E aqui estou eu, preocupada comigo mesma, quando há coisas mais importantes acontecendo. Aqui estou eu, gerando esta conversa, quando pessoas estão morrendo. Aqui estou eu, quando preciso estar com pessoas, consolando e sendo consolada.
Tim só me encarou com seu rosto imbecil, como se soubesse algo que eu não sabia, como se quisesse dar um abraço, mas não o deu, porque eu tinha nos distanciados ao me mudar para a costa leste, quando deveria ter ficado.
Procuro lágrimas, mas não encontro nenhuma. Eu vejo a praia. A costa como um fantasma, a milhares de metros de onde deveria estar, um pequeno e temporário deserto esperando para ser preenchido de volta, e eu só espero, eu quero por um momento que a água salgada volte e comece a atravessar as ruas, devastando casas e sarjetas superlotadas, os esgotos se tornando um rio subterrâneo rugindo, detritos e mais detritos se tornando destroços à medida que são levados de volta ao grande oceano azul. Uma nova cidade devastada pronta para se reconstruir, um ciclo de vida, uma remoção repentina de conflito conforme todos recebem os mesmos objetivos simples e solitários: abrigo, comida, água. Ser tão simples novamente.
Mas a costa permanece. A areia molhada seca. E o que está diante de mim, é um deserto.
Procuro lágrimas, mas meus olhos estão secos e ardendo. Um nó na garganta ameaça se formar, mas não se forma. E tudo que eu conseguia pensar naquele momento era o quanto mamãe precisava de mim. E então eu abracei o papai. Não sei quanto tempo fiquei lá. Mas nós nos agarramos e respiramos juntos, e eu torcia com todas as minhas forças que ações realmente falassem mais alto do que palavras, e talvez o que eu não pudesse explicar em voz alta ele pudesse sentir se nos aproximássemos o suficiente.
A passagem do tempo tornou-se irrelevante. A porta da frente se abriu e mamãe gritou: "O jantar está…" mas logo se aquietou quando viu papai e eu. "Pronto". Ela cantarolou e voltou para dentro.
Tomei isso como minha deixa para soltar.
Tentei e não consegui fazer contato visual com Tim. Então, para preencher o vazio, eu disse: "Eu não sabia que você fumava."
"Eu não fumo," respondeu ele.
Eu ri da implicação, mas não tenho ideia do porquê.
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