Blake Tillerson

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Capítulo I.III

Há um momento na vida de todos nós, quando parecemos, falamos e agimos nada como quem fomos e quem nos tornaremos. É um momento de grandes mudanças. Somos confrontados com coisas que nunca enfrentamos antes (mas isso acaba?) e somos questionados sobre coisas que nunca achamos que seríamos questionados. E estamos cheios de hormônios.

Estou falando da adolescência.

Tim, em particular, não gostava de falar sobre ser um adolescente. Ele não considerava isso uma parte real dele. Agora, eu vejo o motivo. Acho que todos nós nos lembramos de coisas que fizemos, que nos arrependemos de ter feito. Coisas que fizemos que preferiríamos nunca ter feito. Bem, esta foi uma daquelas coisas. Acho que ouvi essa história da minha mãe, na verdade. Tim não estava particularmente orgulhoso de si mesmo.


* * * * *


No segundo ano do ensino médio, o amigo mais próximo de Tim era um garoto chamado Richard. Bem, seu nome verdadeiro era Ricardo Gutierrez, mas ele se passava por Richard e pedia a todos os professores para que encurtassem seu sobrenome para "G" ao fazer a chamada. Ele tinha um irmão mais novo, Pablo, embora ele se passasse por Paul na época. Com o passar dos anos, a vida aconteceu e eles se distanciaram. No momento em que escrevo, sei que ainda estamos tentando contatá-los, mas às vezes não importa o quanto você se conecte com alguém, o tempo pode puxá-lo em direções diferentes. Eles eram uma dupla de garotos mexicanos de pele escura e cabelo preto liso. Não uma visão anormal em San Diego, certamente.

Eles sempre se sentavam à mesa do lado de fora do refeitório, com alguns outros. Eu luto para lembrar quem exatamente. Me lembro de uma jogadora de futebol chamada Eva e só. E um outro. Mas esse era o grupo principal, só uns amigos que ficavam juntos no almoço. Estou deixando alguém de fora por agora. Estou chegando lá.

Blake Tillerson. Um colega do segundo ano, Tim somente o descrevia vestindo sua roupa característica: calça boca de sino amarela com uma camisa de botões vermelha clara. Não consigo imaginar que isso seja a única coisa que ele usava, mas deve ter causado uma grande impressão. De qualquer forma, combine isso com um cabelo castanho escuro muito gelificado, e o que era descrito de forma nada lisonjeira como um "sorriso de merda", e você terá essencialmente a cara do Blake. Ele transbordava de confiança excessiva onde quer que fosse. Qualquer pessoa que fosse para a escola com ele diria que ele era famoso por convidar praticamente qualquer garota para sair, todas as quais o rejeitavam.

Tim não teria se importado se não fosse por uma coisa; ele insistia com os meninos Gutierrez. Ele era do tipo que falava, então ele não resistia a conversar com ninguém por quem cruzava nos corredores, ou ao lado de quem se sentasse nas aulas, e por aí vai. Embora que, dada sua reputação, geralmente era ele quem iniciava as conversas. Como tal, sempre que ele dava de cara com Ricardo ou Pablo ou os dois, ele não conseguia se conter e tentava conversar um pouco. Infelizmente, tendo como alvo os irmãos mexicanos, ela frequentemente vinha com uma quantidade excessiva de inadequação. Ele costumava se referir aos irmãos como "os garotos imigrantes", perguntava se eles comiam tacos, burritos ou churros no almoço. Ouvi uma história horrível sobre algumas piadas envolvendo cartões verdes. E a lista só vai.

Ricardo praticamente sempre dizia a Tim para ignorar Blake. Tim falava muito sobre "se vingar dele" e, embora geralmente fosse uma brincadeira, Ricardo fazia questão de dizer a Tim para não fazer nada disso. Tim não tinha certeza do porquê. Ele imaginou, porém, que Ricardo simplesmente não queria nenhuma atenção. Por um ano, durante o primeiro ano, ele deixou passar. Mas então Blake começou a pegar no Tim também.

Tim é extrovertido. Ele, é claro, tem um profundo apreço pelo tempo que passa sozinho, especialmente na floresta, talvez sentado perto de um riacho, mas qualquer convite será respondido. Ele abria espaço em sua programação para quase todo mundo. Como tal, ele era um frequentador de festa em seus anos do ensino médio. Através das lentes do álcool e das aventuras adolescentes, ele começou a se tornar bastante popular. E Blake tentava passar tempo com os garotos populares. Era uma estratégia bastante "forçada", mas funcionava bem o suficiente. Quase ninguém sabia como, mas Blake sempre parecia ser convidade para as grandes reuniões sociais.

Tentando se dar bem com as crianças populares, Tim começou a receber mais atenção de Blake. Uma coisa que Blake gostava de fazer era dar apelidos às pessoas, para ver se pegavam. Para Tim era "Ursinho Timmy". Provavelmente tinha algo a ver com ele ser um cara grande, e alguém que gostava de dar abraços. Cada vez que Blake via Tim, era um "eii, Ursinho Timmy!" Blake adorava provocar Tim em especial sobre seus "esboços de campo" que ele fazia em sala de aula em vez de fazer anotações. Tim decorava cada pedaço de papel que pegava com alces, primatas, peixes e, muito comumente, lagartas, que Blake adorava chamar de "minhocas." Blake tinha uma pequena coleção de "minhocas rabiscadas" de qualquer pedaço de papel que Tim jogasse fora, que Blake (falsamente) acreditava que podia usar para envergonhar Tim. Infelizmente para ele, o fato de Tim não compartilhar sua arte não era porque ele estava inseguro quanto a ela, como tal, quando Blake finalmente tentou fazer um escândalo, Tim só ignorou. Tudo o que ele conseguiu foi deixar Tim ainda mais irritado com Blake, percebendo que ele estava tentando manchar sua reputação.

A situação atingiu o ápice um dia, no segundo ano, quando Ricardo, Pablo e Tim estavam passando o tempo do lado de fora da sala do diretor depois da escola, esperando que Pablo terminasse de ser repreendido por colar em um teste. Blake estava saindo da escola, e os dois aspectos sobre Blake que Tim mais detestava se juntaram em uma cena horrível — Blake provocou os garotos Gutierrez por não serem melhores em espanhol apesar de sua ancestralidade, usou seus nomes reais em vez de Paul e Richard, chamou Tim de "Ursinho Timmy" e tentou dar um abraço — um dos poucos abraços que Tim já recusou — e então ele saiu para o estacionamento, sua roupa cor de ketchup e mostarda sumindo no frio ar da primavera de San Diego.

Ricardo repetiu seu mantra de ignorar Blake, mais para Pablo desta vez do que para Tim; ele era um irmão mais velho essencial assim. Mas enquanto Ricardo ensinava alguém a não se ofender facilmente, Tim estava tendo sua própria pequena inspiração. Só que desta vez, ao contrário de outras vezes, ele não brincou com Ricardo sobre isso, pois sabia que Ricardo lhe diria para não fazer isso.


* * * * *


Então por volta de um almoço, mais tarde naquela semana, Tim já tinha traçado o plano.

Blake começava seu almoço sentando-se sozinha em uma mesa circular no canto oposto do refeitório. Era lá que ele almoçava — o mais rápido que podia — antes de ir a todos os pontos de encontro do pessoal popular que ele conhecia. Seu padrão era tão rígido que as pessoas podiam prever quando Blake estava prestes a aparecer. Ele tinha uma rota. Portanto, Tim sabia que seu tempo era limitado. Blake estava programado para fazer provocações desagradáveis em horários muito específicos. Então, ele deixou de pegar seu próprio almoço e foi direto até Blake.

Blake, é claro, ficou muito surpreso. E, talvez, um pouco nervoso. O que Tim poderia estar fazendo aqui, sentado à sua mesa e falando com ele? Era estranho. E, apesar de ser exatamente a situação que Blake desejava o tempo todo, estranho ainda era desconfortável. Então, quando Tim disse "ei, amigo", Blake estava um pouco nervoso, embora mais do que disposto a entrar na jogada.

"E-ei, Ursinho Timmy, o que tá acontecendo?"

Blake provavelmente começou assim.

"Bem, eu estava pensando," disse Tim. "Você parece um cara bacana, nenhum dos meus amigos queria fazer isso comigo, então pensei… ei, Blake provavelmente gostaria. Então eu vim aqui. Quer saber do que estou falando? Saca só…"

Em algum nível, Blake sabia que estava sendo bajulado e ele sabia que Tim não era de falar assim, mas por outro lado…

Não havia circunstância alguma em que Blake pudesse recusar atenção como essa.

Então, com um balançar inseguro, mas logo ansioso, da cabeça de Blake, Tim, olhou de um lado para o outro, certificando-se de que nenhum professor estava por perto e…

Ele puxou duas grandes garrafas de água de metal, uma azul e outra verde. Blake estava, compreensivelmente, desapontado e um pouco confuso.

"E?" Perguntou ele.

"Espera só," garantiu Tim, e abriu uma. "Cheira só."

Virando a garrafa na direção de Blake, a intenção se tornou clara.

"Tim! Cê tá maluco!"

"Ei, ei, ninguém precisa saber! É transparente, assim como a água, está vendo? Crime perfeito, certo?"

Blake tinha quase certeza de que sabia onde isso ia parar, mas mesmo assim estava curioso. Após perguntar, Tim deixou as coisas perfeitamente claras.

Ele estava propondo uma comperição de quem bebe mais rápido.

Não mais surpreso, Blake sorriu tortuosamente, continuamente suprimindo a ansiedade persistente sobre o que aconteceria se eles fossem pegos. "Seu malandro, você!" Ele quase epgou uma das grrafas, mas Tim a puxou de volta, rapidamente.

"O que há de errado, medinho de perder?"

"De jeito nenhum, só preciso saber se você realmente sabe o que está enfrentando. Sou Tim, o Mestre da Bebedeira. Você sabe né?"

"Ah eu sei."

Tim, mesmo desde muito jovem, tinha uma tolerância incrível ao álcool. Ele era um campeão nas festas, por fazer as pessoas beberem até caírem mesa abaixo. A lenda da escola sobre ele era que era impossível para ele ficar bêbado. Qualquer um que estava lá no dia em que o Abrigo foi inaugurado sabe que isso é mentira, mas provavelmente também sabe que ele ficava bêbado depois que todo mundo estava.

Então Tim entregou a Blake a garrafa verde e disse: "pronto?"

"Qual é a aposta?"

"hm ? A aposta?" Tim tirou dois dólares do bolso — valendo muito mais hoje em dia. Blake olhou para o dinheiro. Ele sabia que ia perder. Desafio de beber com o Mestre da Bebedeira? Era impossível. Dois dólares valeriam a pena?

Mas então ele se lembrou de quanto seu status subiria caso ele de fato ganhasse.

"Pronto," disse ele.

"Esse é o espírito! No três. Um… dois… três!"

E assim, Blake ergueu a garrafa em um ângulo de quase noventa graus, engolindo-a o mais rápido que podia. Tim fez o mesmo… de início. Mas depois de um segundo, ele abaixou a garrafa, lentamente, certificando-se de que Blake ainda estava nessa. Blake não percebeu, é claro — seus olhos fechados em concentração, como se tivesse encontrado o propósito de sua vida e ele fosse vencer Tim eu seu próprio jogo. Mas Tim simplesmente sorria e esperava que ele terminasse.

Blake bateu com a garrafa (o que fez um barulho mais alto que ele esperava e assustou até a si mesmo) e soltou um alto "aaah!" Vendo que Tim já estava com a garrafa abaixada, ele encolheu um pouco. "Ah cara, parece que perdi."

"Olhe de novo."

Blake olhou para dentro e viu que ela ainda estava meio cheio de vodca.

"Eu… eu ganhei?"

Tim lentamente balançou a cabeça, um grande sorriso no rosto.

"Eu, eu venci! Puta merda, eu venci contra o Mestre da Bebedeira! Dois dólares! Isso, isso é loucura! Ah, Ursinho Timmy, acabo pra você, acabo pra você, ahaa, eu sou o novo mestre da bebedeira, isso é incrível, puta merda!"

"Ehh, não fique muito cheio de si mesmo. Fiquei entediado com isso na metade. De qualquer forma, aqui estão os dois dólares. Tenha um bom dia, Blake."

Blake, perplexo, pegou seus dois dólares e só assistiu Tim ir embora. Ele tentou falar algo esperto, mas ele estava muito… inseguro do que aconteceu. Foi uma vitória, certo? Dois dólares e status? O que acabou de acontecer?

Tim, é claro, ficava mais feliz a cada momento que passava, seu coração batendo mais rápido e seus passos exagerados de entusiasmo. Quando ele voltou para sua mesa fora do refeitório, Ricardo perguntou: "Por que você demorou tanto? E por que você parece tão satisfeito consigo mesmo?"

Tim se sentou e ficou muito, muito confortável, enquanto mais e mais pessoas perguntavam o que ele fez. Logo o leve sorriso de Ricardo desapareceu. Ele sabia como era o olhar "diabólico" do Tim.

"Tim," ele perguntou novamente, "o que você fez?"

"Ah, nada," respondeu Tim. "Só fiz Blake beber uma garrafa inteira de laxantes."


* * * * *


Eu gostaria de incorporar na narração desta história, algumas ideias de um dos antigos diários de Tim. Nada é palavra por palavra e também não se relaciona totalmente com a história, mas acho que se encaixa, à sua maneira. Tim era bastante cínico sobre a humanidade na época em que era adolescente. Parece completamente diferente dele, eu sei. Se eu fosse adivinhar, algo sobre a cidade o afetou. Essas notas foram amassadas e jogadas fora. Foi Edna quem as encontrou e as guardou, porque ela fazia isso com todos os desenhos ou escritos do Tim com os quais ele não estava satisfeito. Não foi até muito mais tarde em sua vida que ele descobriu que ela verificava a lata de lixo em seu quarto antes de jogá-la fora com o resto do lixo.

No caminho para casa vindo do escritório do diretor (a segunda vez que ele esteve lá naquela semana), Tim se encostou na janela traseira esquerda, olhando para a água escura da noite conforme ela passava. Os postes de luz iluminando lentamente o carro com amarelo, depois preto, depois amarelo novamente, iluminando e apagando de uma forma familiar e calmante. A baía de San Diego brilhava com as luzes laranja, vermelhas e às vezes azuis da cidade. Tim sempre gostou de pensar que isso era algum tipo de bioluminescência. Ele sabia que não era, mas era interessante para ele imaginar que a baía fervilhava de vida tão única e reativa que fazia um brilho, como aquelas bactérias em alguns lagos sobre os quais ele havia lido. Era melhor do que pensar que a cidade era tão granade e imponente que nem mesmo o oceano conseguiria manter sua natureza contra as fortes luzes de San Diego, sua população insone, o barulho das ondas quebrando na areia em menor número do que o barulho dos carros nas rodovias, as buzinas de pessoas com raiva no trânsito.

Tim gostava de imaginar algum tipo de criatura que também pudesse fazer esses sons. A baía estava cheia de bactérias, e a terra estava cheia de criaturas gigantes parecidas com rinocerontes, com chifres enormes e pés barulhentos, que viviam em uma floresta de árvores quadradas de pedra, com casca tão densa que havia um animal que evoluíra especificamente para destruí-la — algo com uma grande tromba e um osso redondo no final, que derrubaria as árvores velhas e fracas. Como resultado, o ecossistema prosperava — no lugar das velhas árvores mortas, uma nova árvore geralmente crescia e prosperava.

"Estou muito decepcionado com você." disse Vovô Elliot, atrás do volante. "Eu conheço os TIllersons, e eles são pessoas muito legais."

Tim estava bastante quieto, planejando sua resposta. Ele sabia que estava ferrado de qualquer maneira, e em algum nível ele já sabia que o que ele fez era errado.

Tim tentou contar ao pai que Blake fez piada com a cultura dos irmãos G. Disse que paul e Richard não precisavam que Blake os "incomodasse" assim. Elliot disse a Tim que eles dois sabiam que Blake não estava "incomodando" eles.

Eles pararam em um semáforo, um suave brilho vermelho passando pelos bancos dianteiros e traseiros.

"Ele é um excluído, Tim." lembrou Elliot.

Tim já se cansara dessa conversa com seus amigos. Ele achou que Ricardo jamais iria parar de falar. Ele honestamente não achava que Blake iria admitir que ele participou de uma competição de beber — ele achava que o álcool o impediria de falar sobre isso. Ele simplesmente não mencionou essa parte, ao que parecia. Tim decidiu que também não falaria nada — ele não ia se autodestruir para derrubar Blake com ele. De qualquer forma, só de ver o quão pálido Blake parecia… isso o fez rir no início, mas depois o deixou triste.

Tim abriu a porta enquanto o semáforo ainda estava vermelho e disse: "Vou dar uma caminhada pela praia. Estarei em casa em cerca de duas horas, pronto para conversar."

Elliot disse a ele que ele e sua mãe estariam dormindo, então Tim disse que conversariam sobre isso amanhã. Elliot concordou e pediu para que ele fechasse a porta para que o carro atrás deles parasse de buzinar.

Tim fez exatamente isso e assistiu seu pai ir embora dirigindo em direção à casa deles. Entre as hordas de rinocerontes, floresta de concreto adentro. Tim caminhou pela calçada, apreciando o ar frio e salgado em sua pele. Ele não teve a chance de preparar uma jaqueta para essa caminhada. Não que ele fosse querer. Tim sempre foi do tipo que se mantinha exposto aos elementos. Isso o fazia se sentir vivo, ou algo assim. Natural? De qualquer forma, ele se consolava com o desconforto.

O oceano estava lindo. Havia uma ou duas pessoas na praia, bem longe. Parecia ser um casal, compartilhando uma noite. Tim imaginou que algumas pessoas achavam que as luzes da cidade à noite eram românticas. Esses, ele decidiu, eram os parasitas. Eles queimavam sangue de rinoceronte para conseguir lugares e infestavam toda e cada árvore. Mas quando ele pensou sobre como eles faziam tudo o mais vir à existência, a metáfora se desfez e ele se cansou da coisa toda. A cidade era apenas a cidade e as pessoas eram apenas pessoas.

Ao chegar a um píer, Tim pensou que talvez não tivesse vontade de caminhar. Talvez ele quisesse ir até o fim do cais, sentar e olhar para a água. No caminho, ele começou a refletir sobre as coisas.

Suponha, por um segundo, que Blake não estivesse sendo um palerma. O que ele estava tentando fazer?

Tim chegou ao fim do cais e sentou-se. Ele fechou os olhos e se concentrou nas ondas do oceano abaixo dele. Ele tentou pensar nos peixes que deviam estar nadando — talvez houvesse focas não muito longe. E, indo além disso, baleias passassem. Se você nadasse longe e fundo o suficiente, havia tubarões, enguias, águas-vivas, recifes de corais — anêmonas, folhagem, lulas e polvos. Talvez algo grande e não descoberto — ou pequeno e discreto. Plâncton, algas, estrelas do mar. Mariscos, mexilhões, ouriços do mar. Às vezes, Tim se sentia absolutamente sobrecarregado pela quantidade de vida que a Terra tinha. Em algum lugar por aí havia algo que nenhuma alma jamais vira antes. Ele sabia disso. Havia tanto; humanos não poderiam possivelmente catalogar tudo isso. Sempre haveria algo que fosse muito bom em se esconder. Algo evasivo. Algo que não pode ser colcoado em nenhuma caixa, mantido em um lugar. Algo que ninguém entendesse.

Algo solitário.

Como Blake.

Talvez, talvez ele estivesse tentando ser amigável. Fazer amigos. Talvez ele apenas fosse muito, muito ruim nisso.

Algo espirrou na água a menos de dez pés dele. Uma foca? Um peixe grande?

Uma forma grande e vagamente circular passou por seus pés pendurados. os olhos de Tim seguiram suas ondulações até a costa, onde algo lindo emergiu.

Uma grande tartaruga, com as cores obscurecidas pela noite e pelas luzes da cidade, subiu ligeiramente a costa e parou. Suas costas hexagonais capturavam San Diego e refletiam a cidade duas vezes mais vibrante. A natureza pegara o elétrico e o tornara algo maravilhoso de se olhar. Mas havia duas luzes mais brilhantes e focadas nas costas da tartaruga. Tim voltou seus olhos para o casal que vira antes. Agora que as ligaram, ele podia ver as lanternas de cabeça que eles usavam, com as quais eles examinavam a praia. Por uma fração de segundo, Tim não fazia a menor ideia do que eles estavam fazendo. Então, eles encontraram uma garrafa de água de plástico.

A mulher a espetou, jogou ela em um saco de lixo em seu lado e continuou indo adiante. TIM SORRIU.

Huh, ele pensou consigo mesmo. Eles não são todos parasitas.


* * * * *


No dia seguinte, Tim recebeu um telefonema do Ricardo. Tim não estava no colégio — ele foi suspenso — mas Ricardo estava, e ele conversara com Blake. Disse que eles tiveram uma longa, longa conversa. Tim decidiu não pedir os detalhes. Ele imaginou que, naquele momento, ele não merecia isso, e ele apenas deixou Ricardo falar.

Ricardo disse que oferecer para que Blake se sentasse à mesa deles com eles.

Tim se encolheu um pouco, mas não reclamou.

Ricardo disse que nunca mais queria que Tim tentasse agir em seu nome. Disse que não precisava ser "protegido", ou que as pessoas buscassem "justiça" por ele. Disse que não queria que Pablo crescesse achando que a vingança era a melhor opção. Disse que Pablo gostava muito de Tim, e por isso queria que Tim agisse melhor.

Desnecessário dizer que Tim estava tendo muita dificuldade em absorver tudo.

Mas ele estava tentando, era esse o problema.

Ele estava mesmo, mesmo tentando.




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