Tom Clínico: Desconfidencializado

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Prefácio

clí·ni·co
kli·ni·ku
adjetivo
1.
Relacionado com a observação e tratamento de pacientes verdadeiros em vez de estudos teoréticos ou laboratoriais.
"medicina clínica"
2.
eficiente e sem emoção; friamente imparcial.

Um dos aspetos mais icónicos da Fundação SCP é como reduz todas as coisas sinistras e assustadoras que aparecem à noite em objetos que são contidos e descritos usando a ciência. É também um dos aspetos mais difíceis de compreender quando se está a escrever um SCP: contar uma história de fantasmas é muito mais fácil do que escrever um artigo de pesquisa, e 'o teu tom precisa de ser mais clínico' é um dos pedaços de feedback mais comuns, mais vagos, e mais inúteis que um autor iniciante pode ouvir. Esta composição tenta clarificar este feedback e oferecer sugestões concretas e úteis de melhoria.

Eu admito à vontade de nem sempre seguir os princípios detalhados nesta composição, mas eles nunca me levaram na direção errada. Eu espero que também os ache úteis.


Clínico ≠ Verboso

Os dois princípios mais básicos da escrita clínica são:

  • Evite contrações
  • Evite coloquialismos

O primeiro princípio é fácil de entender e fácil de implementar: se tiver alguma contração, tal como “dum” e “pra”, substitui-as pelos termos completos como “de um” e “para a”. Infelizmente, o segundo princípio não é tão fácil de entender e é muitas vezes mal interpretado. Fala do dia a dia – não importa a língua – é compreendida de coloquialismos que fazem as frases mais curtas, mais simples, e mais fáceis de entender. Muitos destes coloquialismos são tão comuns e omnipresentes que nós nem sequer os reconhecemos como tal.

Documentos científicos e clínicos, por sua vez, raramente (ou nunca) permitem coloquialismos, não importa o quão comuns; eles exigem terminologia técnica. Fazer um artigo mais clínico não quer automaticamente dizer para usar palavras mais compridas; significa eliminar coloquialismos e manter o profissionalismo. Artigos científicos precisam de ser clínicos, mas também precisam de ser concisos e legíveis. E, enquanto os padrões da SCP Wiki não são idênticos aqueles de artigos científicos da realidade – sendo os padrões da wiki aproximações simplificadas dos ditos artigos que apresentam algumas peculiaridades próprias -, os mesmos princípios de estilo aplicam-se.

Vamos olhar para um artigo que alcançou o tom clínico sem comprometer a sua história: SCP-186. Um dos aspetos fundamentais do horror de SCP-186 é a artilharia envolvida, tal como:

Cascas de morteiro especialmente projetadas para serem disparadas a partir de um Mortier de 58 mm Tipo 2, contendo um gás que faz com que as células de animais se tornem incapazes de cessar a função de vida.

Se a pessoa comum fosse pedida para descrever a arma acima mencionada, ela talvez a descreveriam como um gás que faz as pessoas imortais, ou que não deixa as pessoas morrerem. 'Imortal' provavelmente não é clínico, mas 'morrer' é, certo? Bem, uma das peculiaridades da wiki previamente mencionadas é que 'morrer' é tipicamente considerado não clínico e é substituído por palavras como 'expirar'. Um corolário deste tabu é que o verbo 'matar' sempre é substituído por verbos como 'eliminar' ou 'exterminar'.

Voltando a SCP-186, note como Kalinin substitui "morrer" por "cessar a função de vida". A frase perdeu o seu coloquialismo e tornou-se mais comprida no processo. Isto é crucial - a frase tornou-se mais comprida porque aconteceu de o termo clínico ser mais comprido, e não o contrário. Muitos autores assumem incorretamente que tornar uma frase mais comprida automaticamente fá-la mais clínica, o que causa com que eles procurem 'alternativas mais clínicas' para frases como 'a luz irá se apagar' apesar dessa frase já ser clínica.

Uma regra geral para levar em conta é predefinir para terminologia da indústria. Um leitor CD não seria chamado “um dispositivo digital para ler e tocar armazenamento de memória de disco compacto. ”; seria simplesmente chamado “leitor CD” ou talvez “leitor de disco compacto”. Similarmente, um interruptor seria apenas chamado de interruptor. Termos clínicos e palavras compridas muitas vezes são mais curtas que escrever o significado completo do termo!

Esforce-se para manter o seu artigo profissional e conciso. O Princípio KISS tem sido uma parte integral da engenharia por quase 60 anos; fá-lo uma parte integral de arquitetar os seus SCPs também.

Tenha em Conta

  • O Guia de Palavras Técnicas é um recurso fantástico para você examinar se não tiver a certeza sobre frases como 'Radiação de Cherenkov', precisar de verificar se está a usar 'velocidade' corretamente vs 'aceleração', ou simplesmente verificar novamente os seus prefixos.
  • Enquanto o uso da voz passiva (e.x. "o sanduíche deve ser comido" v.s. "coma o sanduíche") é muito debatido por guias de estilo e instrutores de Inglês mundialmente, a wiki encoraja a voz passiva nos procedimentos de contenção como uma peculiaridade que ajuda a despersonalizar ainda mais a narrativa.

Medidas Quantitativas

Nenhum cientista ou engenheiro que se preze irá alguma vez abdicar de números num trabalho de pesquisa ou documento técnico de qualquer tipo. Usar medidas quantitativas, mesmo estimativas, é uma parte crucial de legitimar pesquisas da vida real porque são pedaços concretos e registados de dados que facilmente podem ser comparados e referenciados.

SCP-1512 é um dos padrões de ouro de usar medidas quantitativas para manter o tom clínico. Nas palavras do spikebrennan, 1512 é "a Fundação a confrontar algum tipo de horror Lovecraftiano escamoso e rugoso de uma dimensão não euclidiana do espaço-tempo incompreensível… como um problema de engenharia." Este feito de escrita é conseguido através do uso judicioso de medidas quantitativas.

SCP-1512 é uma estrutura orgânica similar a uma raiz com uma massa estimada em excesso de 80.000 toneladas métricas no presente. O objeto consiste em uma rede densa e nodosa de longos ramos ou gavinhas. Cada gavinha tem centenas de metros de comprimento, com ramos adicionais a cada poucos metros, e formam espirais ou zigue-zagues em várias direções sem padrão discernível.

Nós aprendemos que SCP-1512 é uma criatura eldritch gigante semelhante a uma raiz, mas spikebrennan não lhe chama simplesmente "uma criatura eldritch gigante semelhante a uma raiz"; é nos dada uma estimativa da sua massa (nas dezenas de milhares de toneladas) e comprimento (numerosas gavinhas, cada com centenas de metros de comprimento). Spikebrennan fornece uma estimativa medida e quantificada que pode ser referenciada mais tarde.

Evidentemente, tamanho é um atributo fácil de quantificar. E que tal algo um pouco mais complicado? Como poderia escrever "SCP-1512 é invencível" sem soar como um cientista numa banda desenhada?

A despeito da composição aparentemente orgânica de SCP-1512, a estrutura tem uma dureza Vickers imensuravelmente alta e se provou resistente a dano por cortes, queimaduras, lasers, ácidos corrosivos e substâncias similares, e outros meios.

Esta frase estabelece que SCP-1512 é invencível e permanece sempre clínica ao listar explicitamente métodos sem sucesso de causar danos a 1512 com unidades de impenetrabilidade: especificamente, unidades de dureza Vickers. Apesar de, na verdade, o artigo nunca dizer o que é que essas unidades são, contorna o problema com a frase "tem uma dureza Vickers imensuravelmente alta". Com medidas quantitativas judiciosas, spikebrennan traça uma imagem viva e concreta desta besta eldritch de outro mundo – sem comprometer o tom clínico do artigo.

Incorporar medidas quantitativas é relativamente simples, mas um método altamente efetivo de melhorar o tom clínico de um artigo. Isto não significa que deve tentar tornar todos os aspetos do seu SCP num valor numérico (o uso excessivo de unidades fictícias como Humes vem à mente) – mas a próxima vez que quiser descrever um aspeto do seu SCP, faça uma pequena pesquisa e veja se há uma unidade científica para isso. Poderá ficar surpreendido pelo que vai encontrar.

Tenha em Conta

  • Medidas quantitativas são ótimas, mas não exagere – a não ser que SCP vá explodir o planeta se a sua cela não for exatamente 5.6789 metros cúbicos ou a sua anomalia ser causada por ter 1.23456 metros de altura, só arredonde para a décima mais próxima (ou, no máximo, a centésima). Aleatório mas Útil também oferece dicas úteis à cerca de medidas quantitativas e dígitos significativos.

Descrição Qualitativa

A medida qualitativa é tão usada e abusada como a quantitativa é subutilizada. Isto acontece porque qualquer descrição que não envolva números ou unidades é qualitativa – que é a maioria da escrita, e frequentemente resulta em escrita excessivamente verbosa, floreada, não clínica, especialmente quando se escreve SCPs humano[ide]s.

As duas regras mais básicas de descrições qualitativas clínicas são:

  • O que vê é o que descreve: A descrição do seu SCP deve ser concisa e focada nas suas ações e características físicas/anómalas. Se o seu SCP tiver olhos azuis, diga que tem olhos azuis. Não olhos azuis penetrantes nem olhos azuis profundos – apenas olhos azuis. A não ser que a personalidade de SCP seja anómala ou contribua para a sua periculosidade (e.x. é hostil contra pesquisadores da Fundação), não justifica mais que uma pequena frase na descrição e provavelmente ficaria melhor numa entrevista ou registo de incidente.
  • O objeto está morto para você: Você literalmente não se importa com a anomalia. Vale menos que uma embalagem descartada de um doce. Quando a descrever, não tenha nenhuma simpatia. Não especule sobre o que pensa ou como se sente – isso é o trabalho do leitor. O seu trabalho é simplesmente descrever ao pé da letra o que a anomalia é e faz.

SCP-847 é um exemplo extraordinário de descrições nítidas e clínicas.

Os comportamentos do estágio inicial envolvem a emissão de vocalizações semelhantes a suspiros agudos e chorosos, assumirá também, posses mais provocativas. […] Após 3 a 5 minutos do estágio inicial, o comportamento de SCP-847 entra em um estágio secundário, durante o qual se torna totalmente animado, aproximando-se de qualquer sujeito do sexo masculino, adotando uma postura curvada e parecendo olhá-los nos olhos.

"Vocalizações semelhantes a suspiros agudos e chorosos", "posses mais provocativas", e "parecendo olhá-los nos olhos" são descrições simples e precisas que nos ajudam a visualizar as ações de 847. Destas descrições, nós podemos imediatamente inferir que SCP-847 está a tentar ser sedutor, sexy, e sensual para com os homens. Crucialmente, o artigo nunca usa termos como sexy ou sensual, nem especula sobre o porquê de 847 agir de tal maneira. Ele meramente descreve as ações de 847 de uma maneira que deixa o leitor pintar uma imagem mental e caracterizar 847 por si mesmo. O final é particularmente fascinante:

03/12/2011: O QUE HÁ DE ERRADO COMIGO
08/03/2013: MEU DESCULPE EU SOU INÚTIL
31/08/2015: PAPAI EU VOU ME COMPORTAR

O autor, WrongJohnSilver, explica as suas intenções por detrás da obra: “A outra razão que eu fiz o mais difícil possível de saber o que SCP-847 é, é que não importa o quê, tem muito fortemente a aura de uma pessoa levada à doença mental por causa de uma vida de abuso… se há uma pessoa lá dentro, há algo que vale a pena salvar. Existe compaixão lá. Eu tenho que remover tanta humanidade de SCP-847 apenas para que nós comecemos a pensar que talvez seja um objeto.”

A descrição nunca diz isto. É meramente um manequim animado que faz coisas diferentes na presença de pessoas diferentes. Não há nenhuma simpatia. Nenhum ódio. Nenhum sentimento. Todo o abuso sofrido por 847, todo o tormento psicológico que exibe, e toda a tragédia que mostra são exclusivamente inferidos pelo leitor.

Isso é a chave para descrições qualitativas clínicas. Você, o autor, pode estar tão investido o quanto quiser; mas você, o escritor, deve ser o mais desapegado possível.

Tenha em Conta

  • A sua linguagem deve ser a mais inequívoca possível. Isto não significa despejar o seu headcanon inteiro sobre SCP na página; você quer que o leitor pergunte questões sobre o que está implícito ou não escrito. Mas se a maioria dos leitores têm que perguntar questões esclarecedoras sobre o que realmente está escrito na página, isso é a culpa do autor.

Conclusão

O que deve considerar quando estiver a escrever num tom clínico?

  • Evite contrações
  • Evite coloquialismos
  • Incorpore medidas quantitativas
  • O que vê é o que descreve
  • O objeto está morto para você

Atingir todas estas caixas podem não garantir um tom clínico perfeito – isso apenas vêm com a prática – mas deve levá-lo extremamente perto desse marco.

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