A chuva batia uma passagem de staccato no guarda-chuva vermelho brilhante. Não era uma chuva particularmente forte, mas tem sido uma constante durante todo o dia, e as nuvens ainda estavam tão escuras quanto estavam naquela manhã. A Dra. Rights não tinha problemas com chuva, contanto que ela estivesse seca, mas ela não pôde evitar sentir a irritação inevitável causada pelo fato de que decidiu chover em um de seus raros dias de folga.
Um carro passou em alta velocidade, acertando uma poça de água suja de chuva. A água respingou diretamente em Rights. A doutora rosnou e fez uma saudação com um dedo ao veículo em retirada. Ela se lembrou por um momento de seu antigo professor de filosofia, Dr. Cabenwald, que tinha o hábito de chamar o gesto de “aviário invertido” e a tendência de fazer esse gesto na parte de trás da cabeça do reitor.
Rights sorriu um pouco enquanto passava por cima de uma poça e continuava a descer a calçada.
Está escuro. O tipo de escuridão quente intercalada com murmúrios de amantes e o farfalhar de lençóis.
A porta é aberta com um chute. Luz nítida e vozes ásperas enchem a sala. Ele é arrastado para fora da cama, preso ao chão com os braços atrás das costas, gaguejando incoerentemente. Ela está gritando profanidades.
Um homem olha para ela sombriamente. Ele está armado. Ele diz a ela para ficar calma, ficar decente e esperar. Alguém vai explicar. Ela cospe e grita com ele, ainda meio nua.
Rights tinha alcançado o topo da colina. À sua esquerda uma cerca de arame e uma extensão ingrime de grama e trechos com árvores pequenas, tudo com vista para a autoestrada distante e o crescimento desordenado de restaurantes fast-food. À sua direita havia uma linha de casas mais velhas de dois andares. Várias tinham quintais cobertos de mato e placas de “À VENDA” na janela da frente. Algumas eram de tijolos, outras cobertas de tinta desbotada e lascada. Rights avançou um pouco mais antes de atravessar, subindo os degraus de concreto de uma das casas.
A casa era de tijolos puros, embora pudesse fazer uso de um revestimento. O quintal estava limpo e organizado, ou pelo menos estava antes de ser inundado, e havia flores plantadas em ambos os lados da calçada da frente. Um balanço de madeira rangente estava pendurado na varanda. O tapete esfarrapado e lamacento na frente da porta estava gravado com a frase “Limpem aqui, seus selvagens incultos”. Rights fechou seu guarda-chuva e limpou a lama molhada de seus tênis.
Eles estão levando ele embora. Ela tenta lutar contra eles, mas o homem que falou com ela coloca a arma em seu rosto. “Sinto muito”, diz ele, de uma forma que significava que ele definitivamente não estava arrependido.
Minutos passam. O choque passa, pelo menos um pouco. Ela veste uma camiseta e um short e vai para a cozinha. A luz está acesa.
Dr. Cabenwald está sentado à mesinha da cozinha. Ele tem duas xícaras de café com ele; uma em sua mão e a outra no canto oposto a ele. Ele é um homem grande, sem cabelo na parte superior e uma espessa barba grisalha na parte inferior. Ele parece cansado, mas está sorrindo mesmo assim. Ele aponta para a cadeira vazia e a xícara de café. Ela olha ao redor da sala. Outro homem com uniforme de policial está parado na porta do apartamento. Ele está lendo um livro barato, mas seus olhos se mexem para olhar para ela a cada poucos segundos.
”Mas o que caralhos está acontecendo?” Ela expressa isso mais como uma declaração, com um olhar que incorpora ‘não há maior fúria’.
Cabenwald sorri, e gesticula para a cadeira novamente.
“Sente-se. Não sei se posso explicar isso bem o suficiente, mas agradeceria se me ouvisse.”
Um momento de relutância passa antes dela se sentar. Ela toma um gole do café. Preto. Muito preto.“O que aconteceu com o Sr. Matthews não foi culpa dele. Se soubéssemos dele antes, todo esse incidente poderia ter sido evitado.” Ele sempre falava de alunos assim: Sr. Matthews, Srta. Rights. Tratamento com o primeiro nome era dado na graduação e nem um momento antes.
Ela toma outro gole de café. Cabenwald continua.
“Sr. Matthews era o hospedeiro de uma infecção bacteriana não padrão do cérebro e do sistema linfóide com risco memético subjacente. Temíamos que ela tivesse chegado ao fim do período de incubação e, portanto, tivemos que tomar medidas imediatas para prevenir infecções externas. Ele será levado a uma instalação segura, examinado e tratado. Esta infecção em particular é geralmente fatal, a menos que tratamento seja dado rapidamente.” Ele engole um gole de café.” Ele deve sobreviver.”
Ela o olha nos olhos, o analisando.
“Então ele tinha alguma doença? Você terá que fazer melhor do que isso, professor.”
“Não tenho motivos para mentir, Srta. Rights, mas entendo. A doença com a qual o Sr. Matthews foi infectado era uma doença completamente desconhecida para a ciência comum. Se ela tivesse atingido a maturidade total, ele teria começado a ter alucinações vívidas, bem como o desenvolvimento de tumores que eventualmente estourariam e espalhariam o contágio. Seu estado mental se deterioraria ao ponto da insanidade, o que facilmente levaria a assassinatos em massa antes de sua própria morte.”
“Para falar a verdade, estou a serviço de uma certa Fundação, digamos assim. E o objetivo desta Fundação é conter coisas como o que infectou o Sr. Matthews e impedi-las de alcançar o mundo em geral.”
“Me dê provas.”
Cabenwald sorri.
Rights bateu na porta.
“Pode entrar!” Uma voz idosa gritou de dentro. Ela abriu a porta.
O homem estava sentado à mesa da cozinha, com um sanduíche de presunto comido pela metade e um jogo de paciência pela metade na toalha de mesa quadriculada à sua frente. Ele era grande e corpulento em torno da cintura, com uma cabeça completamente careca e uma barba de um branco brilhante. Ele poderia se passar de Papai Noel.
“Achei que você gostaria de uma visita, Greg,” disse Rights enquanto entrava na cozinha.
O rosto do Dr. Cabenwald se iluminou.
“Um prazer como sempre, Agatha. Tem tempo para uma rodada ou duas?” ele recolheu as cartas e começou a embaralhar.
“É meu dia de folga.” Ela se sentou na cadeira em frente a ele. “Eu tenho vinte e quatro horas inteiras de tempo.”
“Onde está a pequenina?”
“Com o papai durante o dia. Eu queria trazê-la comigo, mas ele foi e disse “É o seu dia de folga, eu posso cuidar dela!" Entre você e eu, só acho que ele quer exibi-la pro povo no escritório.”
“É melhor você ter fotos pra mim então.” Cabenwald deu a primeira mão.
“Eu tenho, não se preocupe.” Rights sorriu.
“Nunca confie em ninguém a menos que eles possam lhe dar provas. A+ pra você, Srta. Rights.” Ele enfia a mão no bolso da jaqueta e tira uma fotografia. Ele a entrega para ela.
A foto é recente e incrivelmente nítida. Uma grande forma verde, como algum tipo de dinossauro retorcido, pode ser vista rasgando um homem com um macacão laranja. Três homens em uniformes pretos estão disparando contra ela, sem nenhum efeito perceptível. Não poderia e não deveria ser real, mas é, até as manchas de sangue individuais. Nenhuma foto falsa poderia ser tão detalhada.
“SCP-682. Uma das nossas cargas mais perigosas.” Ele pega a foto de volta.
“Por que você está me dizendo isso?”
Ele termina seu café e cruza as mãos sobre a mesa.
“Porque você vem conosco.
O quê?
“A chance de infecção era baixa, mas não podemos ser cuidadosos demais nesse tipo de situação.” Cabenwald se levanta. “Você é uma ponta solta, e a Fundação gosta de amarrar elas rapidamente. Sempre mantemos algumas vagas abertas na lista de funcionários, só pra garantir.”
“Tenho ficado de olho no Edward,” Cabenwald disse. “Ele está bem. Tem algum três?”
“Vá comprar.”
“Ele nunca se recuperou mentalmente, mas conseguiu manter um trabalho de zelador perto daqui, e algumas pessoas vêm para ver como ele está de vez em quando.”
“Acha que ele se lembra de mim? Seis, por favor.”
“Droga. Não, eu não acho que ele se lembraria. Tem algum rei?”
“Vá comprar.” Rights riu. “Sempre me pega como eu vim pra Fundação dormindo com alguém. Tem alguma rainha?”
Cabenwald resmungou e inverteu o aviário para sua antiga pupila.