« Lançamento | Ideia - Ideal - Ideologia | Embarque »
Oito avenidas convergem na base da torre. Os ventos da montanha correm ao longo delas, alimentando a fogueira. Perto, o calor seca seus olhos. As chamas estalam e aumentam. A fumaça tem um gosto estranho.
James ergue os olhos. Sombras iluminadas pelo fogo saltam na concha de concreto desajeitada. Acima da torre, o céu está encharcado de estrelas.
Já se passou quase uma hora. Aurelio disse que Varela viria. James se pergunta como será o fogo visto do acampamento dos trabalhadores na encosta. Como ele parece aos olhos vazios da torre semiconstruída.
Ele ouve passos. Um homem caminha até o brilho do fogo e James se levanta.
Enquanto eles apertam as mãos, James pensa: Eu esperava que ele fosse mais alto. Mais bonito, talvez, mas apenas que teria mais dele. Este homem - com uma barba grisalha bem cuidada e olhos escuros - é pequeno sob um céu amplo.
Varela lê sua expressão. "Você parece desapontado, mi amigo."
"Não, desculpe - " disse James, envergonhado, e termina sem muita convicção. "Eu tinha ouvido histórias."
A risada em resposta é calorosa. "Histórias? E você me culpa por não viver de acordo com elas?"
Involuntariamente, James abaixa os olhos. Seu olhar é trazido de volta por uma mão quente em seu ombro.
"No mas. Você não pode controlar o que ouve, mais do que eu posso controlar o que eles dizem a você." Varela olha James nos olhos, e James começa a entender.
Varela continua, sorrindo. "Agora você pode ouvir o que me contam sobre você. Aurelia diz que você está trabalhando com Belén. Ele diz que você escapou da polícia no acampamento dos operários e mandou dois agentes da SIDE para fora da estrada no caminho para cá. Há um boato de que você matou mais dois em Neuquén."
James começa a negar, mas Varela o interrompe. "Não me importo com essas coisas. Você disse a Aurelio que trabalha com um antigo empregador meu. Então você sabe que terei uma pergunta para você."
Desta vez, James está pronto para a frase de encontro. "Perguntas devem ser feitas, mesmo que não haja resposta."
"A lua negra uiva?" Varela está olhando fixamente.
"Apenas com medo da luz do amanhecer," diz James.
Ele não espera o abraço forte que se segue.
"Já faz muito tempo, meu amigo," diz Varela, "e muitas milhas percorridas. Estou feliz que a Fundação sobrevive. É um mundo perigoso."
"De fato," responde James, mas sua vida confortável em Boston azeda em sua mente. Garras cintilantes arranham a escuridão. Ele ainda está refletindo enquanto Varela chama os outros.
São cerca de quinze pessoas. Esudantes, trabalhadores da obra, um químico desgrenhado. Aurelio sorri e apresenta a jovem em seu braço: Jacinta. Tem um ex-professor de Comahue, um ex-jesuíta da capital, um casal de indígenas Tehuelche. James perde noção dos nomes. Por que eles estão aqui? Ele precisa falar com Varela sozinho.
Varela é indiferente. "Essas são pessoas em quem confio. A Máscara não é para elas."
Os rostos iluminados pelo fogo estão na expectativa. Eles estão olhando para ele.
Ele pergunta: "O governo aqui sabe sobre - sobre seu trabalho anterior?"
Os observadores murmuram, em sintonia com as chamas vibrantes.
"Não," diz Varela. "A Fundação era pequena na Argentina. Quase não resta ninguém que saiba sobre nós."
"Bom. Pelo menos, eu acho que isso é uma coisa boa. Significa que a SIDE não conhece seu passado. Eles querem te matar por quem você é agora."
James ouve a força disso atingir o grupo. Aurelio cospe e diz: "Esses filhos das putas. Vinte mil desapareceram."
Varela pede por calma.
James continua. "E agora eles têm algo pior. Algo que eu estudei, antes da Fundação ser dissolvida. Algo que a CIA tomou e transformou em uma arma. A Fundação me enviou para recuperar esse objeto."
Seu olhar é voltado para cima. Uma nuvem passa rapidamente; a torre se inclina abruptamente para baixo. Em direção a ele. Ouvindo.
"Ele parece uma câmera de imprensa. Uma Graflex Speed Graphic. Corpo dobrável, flash grande. Quando a câmera está focada em um objeto e o flash dispara, esse objeto deixa de ser real. Bem, é mais como- o objeto perde sua realidade e se torna um ideal."
"Como uma forma platônica?" pergunta o ex-professor.
"Sim, ou algo semelhante," responde James, grato pela demonstração de compreensão. "E como formas ideais são imperceptíveis por definição, o objeto essencialmente deixa de existir."
Jacinta inclina a cabeça. "Então ele desaparece?"
"Sim, embora seja mais do que isso. Se eu usar a câmera em uma maçã, ela deixa de ter qualquer forma física, então não podemos ver, tocar ou prová-la. Mas a câmera também afeta a maneira como pensamos sobre ela. Ela deixa de ser uma maçã específica e, em vez disso, se torna … um arquétipo. Genérica. O que em que a câmera foi usada não é 'uma maça', ela é apenas 'maçã'."
James observa enquanto eles processam isso. Ele espera eles perceberem. Um dos Tehuelche é o primeiro, soltando um grito baixo de horror. Depois o ex-professor, depois o Aurelio.
"Santa Maria! A SIDE está usando isso em pessoas?"
O choque passa por eles. James lê seus rostos. Quantas pessoas foram apagadas da existência? Quantas pessoas eles conheciam? Amigos? Família? Rostos e nomes e vidas, apagados.
Ele se força a interromper. "Não sabemos em quantas pessoas eles usaram a câmera - nem a CIA nem a SIDE. O plano original da CIA era para assassinatos seletivos. Remoção dos indivíduos mais perigosos. Isso parou depois do que aconteceu com Guevara."
Varela se afasta do fogo. Ele se vira para James. "Quando o homem é muito conhecido, até a ideia que ele se torna é perigosa, sim?"
James balança a cabeça; Varela ainda pensa como a Fundação.
"Depois disso, eles rebaixaram seus alvos. Alguns líderes religiosos, alguns estudantes particularmente problemáticos." James pensa no filho de Miguel. Ele engole em seco. "E dirigentes sindicais. É por isso que estão vindo aqui. Por você."
Varela atingiu o apogeu de seu andar. James encara suas costas. O homem mais velho fica quieto, e então ri. Aurelio e os outros calam-se.
"Se o seu caminho está determinado, você não pode fugir dele," diz Varela. A risada é genuína, mas sua voz está cansada. "Onde quer que seu pé caía, esse sempre foi o caminho."
James encara Varela, emoldurado pela escuridão. Varela se vira.
"Meu amigo, quando saí da Fundação tentei esquecer. Joguei fora minha velha vida. Mas minha nova vida me trouxe aqui, aos mesmos mistérios. E agora o caminho da Fundação a leva de volta ao meu? O que há para fazer senão rir."
O rosto de Varela se escurece. "Mas eles estão vindo. Precisamos planejar. Há coisas aqui que eles não devem aprender."
"O que você quer dizer?" James pergunta.
"Me refiro à razão de estarmos aqui reunidos," responde Varela. "A razão pela qual acendemos o fogo e respiramos essa fumaça. A razão pela qual as obras na torre estão atrasadas, porque ela jamais deve ser concluída." Ele começa a voltar para James. "Talvez eu deva sair, levá-los a algum lug –"
Um flash ofuscante. Quando James pode ver novamente, Varela se foi.
"Seu filho da puta idiota!" Uma nova voz, vinda das sombras de um edifício, fora da luz do fogo. Então, mais alto, "Calem a boca e fiquem parados! Vamos atirar!"
Dois homens emergem para a luz. O mais baixo, magro e grisalho, grita: "Não se mexam!". Um sotaque americano.
O homem mais alto olha pela mira da pistola. James vê a câmera pendurada em seu pescoço.
A mulher Tehuelche grita. Mais homens aparecem do outro lado do fogo. Mais armas. O nó de pessoas assustadas se aperta mais. Os homens os cercam, mas não muito perto. Estabelecendo um perímetro. Eles não dizem nada.
O americano está no comando. Ele caminha até James e fala com o grupo. "Antes do meu colega idiota se precipitar, isso ia ser simples. Em cerca de vinte minutos, vocês nem vão se lembrar que havia um homem chamado Varela."
Ele anda para frente e para trás, cercando-os contra o fogo.
"Mas agora, temos um problema. Porque agora eu sei que há algo aqui, algo que Varela não queria que eu tivesse."
A boca de James está seca. Ele levanta as mãos. "Senhor, trabalho para a Fundação," diz ele em inglês.
"Ah, acredite em mim, filho, eu sei. Você é a causa desse fiasco."
James respira fundo, tentando diminuir as batidas em seu peito. Ele precisa continuar falando, tentar diminuir a escalada. "Eu quero te ajudar. Essas pessoas - você não precisa feri-las."
O americano se inclina para perto, intimidando. "Você é o grande herói agora? Você começou a acreditar na merda que dizem sobre você? Você e eu sabemos que você não é aquele homem. Desde que você chegou aqui, tudo que você fez foi correr. Toda vez que você corria, você me levava para mais perto do que eu queria. E você vai correr de novo, se tiver a chance."
"Tudo que eu quero é manter a câmera segura," diz James, com o estômago embrulhado. "Eu não -"
"Você acha que somos diferentes? Os lábios do homem se curvam em ironia. "Quantas vezes você usou ela? Quantos homens vocês -" Ele estala os dedos para fora, para o nada. "Você acha que está aqui para ajudar essas pessoas? O que elas pensariam de você, se soubessem?"
Todo o ar sai de James. "Por favor," diz ele, "irei com você e explicar tudo. Você não precisa deles." É tudo o que ele tem.
"Besteira," o americano cospe de volta. "Varela ia te contar o que é esse lugar. Você é praticamente o único aqui que não sabe. Você só segue o fluxo, filho."
Ele passa por ele. James se sente descartado.
Mudando para o espanhol, o americano levanta a voz, "Este homem não sabe nada, então um de vocês vai me contar. Algo na torre, sim?"
Aurelio avança. "Sua mãe!"
A coronha da pistola quebra a têmpora de Aurelio e ele cai. Jacinta corre para pegá-lo. O professor faz um som entre um suspiro e um grito.
O rosto do americano está vermelho. Ele grita: "Talvez eu não esteja sendo claro. Esta noite já é um desastre, graças a esta pobre desculpa de agente." Ele arranca a câmera de seu companheiro. "E eu estou farto deste país de merda. Então, eu ficarei feliz em varrer todos vocês da face da terra se vocês não me disserem o que eu quero saber porra!"
O americano agarra Jacinta pelos cabelos, puxando-a para cima. Jacinta grita. Aurelio tenta se levantar, mas cai para trás. O grupo está magnetizado, os olhos acompanhando o americano enquanto ele meio arrasta Jacinta e a joga no chão. A câmera está em seu pescoço. Sua mão direita segura sua arma.
"Eu não conto até três. Eu não blefo. Ou vocês falam agora, ou eu escolho a bala ou o flash."
James tenta se mover. O fogo crepitante torce o silêncio tenso. A torre se agiganta, muda.
Um motor ruge.
Ecos do concreto oco brincam com o som. Os agentes da SIDE se voltam de rua em rua. Não há luzes. Eles olham para fora, cegos ao fogo.
O motor é desligado. Eles ainda podem ouvir o carro, se movendo rápido, se aproximando. Sem o motor, ele permanece um fantasma.
Um agente se inclina para a frente, semicerrando os olhos. Ele levanta a arma e assume uma postura de atirador.
Faróis brilham e o motor ganha vida. O jipe está a quinze metros de distância, viajando rápido. O agente dispara às cegas, três tiros. O jipe continua vindo. Ele começa a se mover, mas o jipe é muito rápido. Ele o atinge a toda velocidade e, em seguida, atinge a fogueira.
Caos. Troncos em chamas voam, deixando fagulhas e fumaça. Alguém grita. O jipe se vira, batendo em um agente do outro lado da fogueira. O químico passa por James, tentando agarrar seu braço. O jipe para com um guincho. Agentes da SIDE disparam na porta do motorista. O americano solta Jacinta, que foge.
Um flash na traseira do jipe. Um agente cai com um tiro na cabeça. James avista o atirador: Belén! Outro agente cai. Aurelio ataca um terceiro com um galho em chamas, Jacinta corre para ele.
O americano corre em direção à torre. Ele ainda tem a câmera.
James olha para o pátio em chamas. À fuga desesperada dos amigos de Varela. Belén, imobilizada pelo fogo de três agentes ainda de pé. Aurelio e Jacinta, se debatendo um com o outro. O americano, desaparecendo na porta sombreada.
James hesita.