Despedida e Agradecimento


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1: Seja Cauteloso, Seja Ousado

Não é tanto acordar, mas tornar-se subitamente consciente. As primeiras coisas que noto são a dor latejante na cabeça, a secura da boca e a dor vazia no estômago. As segundas coisas que noto são meu corpo nu, minhas amarras, o piso de concreto e a única luz brilhante acima de mim. Mesmo enquanto meus olhos se ajustam, posso ver que as paredes permanecerão indescritíveis enquanto a luz permanecer tão opressiva. Estou em uma cadeira de madeira e há uma quantidade impressionante de corda amarrada ao meu redor. Ao redor do meu peito, meus braços, meus antebraços, meus pulsos, meu pescoço, minhas coxas, minhas panturrilhas, meus tornozelos. Eu sou mesmo tão perigoso? Por um breve momento, sinto uma pontada de orgulho.

O primeiro passo é como cortar as cordas. Meus olhos percorrem os poucos arredores que tenho que são visíveis. Aquilo é uma mesa de metal na borda do feixe da lâmpada? Imagino que essa mesa provavelmente tenha uma boa variedade de objetos pontiagudos. Opções menos atraentes incluem uma rocha ou duas soltas no chão, mas estou muito amarrado para me inclinar para alcançá-las.

A extensão da minha estadia é incerta. Eu não sei os motivos, mas você geralmente não amarra alguém assim se você espera sumir com ele imediatamente. Pelo menos tenho alguns dias. Seria melhor esperar, ver se eles têm algum padrão explorável, ou será que eu deveria entrar em ação direto? Os instinto de sobrevivência gritam pelo imediatismo. Eu mal posso discutir.

Eu mudo meu peso para jogar a cadeira para um lado ou para o outro, mas ela não se mexe. Tento ver as pernas da cadeira, mas mal consigo mover a cabeça. Não adianta. Eu tento de novo, e sinto uma resistência distinta. A cadeira estava presa ao chão. Claro.

Será que os nós das cordas são alcançáveis? Eu torço, puxo e tateio, mas onde posso vê-los, eles não estão nem perto do alcance dos meus dedos. Não tenho meios de fugir. Nem visíveis, nem palpáveis. Nem físicos. Seria preciso uma força incrível para romper as fibras da corda de seda, uma força que não tenho. Eles tinham estudado, o que me deixava ainda menos certo de por que eles escolheram cordas de seda. Existem materiais que são mais resistentes e ainda mais fáceis de obter. Eles tão zombando de mim? É possível. Em algum momento do passado, eu posso ter sido capaz de puxar com força suficiente para rasga-las completamente.

Não sou o homem que era há quarenta anos.

Não há nada a se fazer. Não há para onde ocorrer. Estou no centro de uma sala; meu captor já poderia estar me observando das sombras. Nesse caso, minha compostura era tudo. Se eles não conseguem me quebrar, eles não têm vantagem. Eu sinto meu rosto contorcido de preocupação. Natural para a minha posição. Eu poderia apagar a expressão, mas isso pareceria falso. Em vez disso, vou dissipar lentamente a tensão armazenada em meus braços, pernas, peito e cabeça. Como se eu tivesse considerado completamente a situação e descoberto que não tinha nada com que me preocupar. Afinal, eu já tive amigos em lugares altos. Quem poderia dizer que todas as minhas conexões haviam se enfraquecido? Eles não devem saber toda a extensão disso. Esse é conhecimento que só eu tenho.

Eles querem algo de mim. Posso negar isso a eles. Eles não podem me matar se não conseguirem o que querem, e quanto mais tempo eles não me matarem, mais informações eu posso reunir, maior minha chance de escapar. É matemática. Posso manipular os números a meu favor. Agora, eu espero.

Acontece que eu não preciso esperar muito.

Eu não ouvi se aproximarem, mas uma mão força minha boca a abrir e uma mordaça vem sobre minha cabeça. Para dentro vai a mordaça, puxando desconfortavelmente os cantos da minha boca, que é então amarrada na parte de trás da minha cabeça. Para meu detrimento, a força repentina me assusta. Isso não ajuda a imagem que estou tentando pintar. "Maldição," eu teria murmurado para mim mesmo se pudesse. Em vez disso, tive que pensar.

O captor furtivamente entra no meu campo de visão. Ela é sombreada de forma estranha pela única e intensa luz acima, mas algumas coisas não conseguem ser obscurecidas. A primeira delas é que ela está vestindo um traje vermelho grosso. A textura me lembra lixa. Seu propósito me escapa, mas ele dá a ela uma gola alta e se estende como uma única unidade até os tornozelos. Seus sapatos são verdes floresta e pontudos. Um cinto da mesmo cor circula sua cintura, e quando ela tira as mãos das costas, vejo que ela tem luvas do mesmo tom.

Ela parece ridícula.

Como um duende de Natal.

Isso, por si só, é outra forma de zombaria. Desta vez, não há possibilidade de uma forma ou de outra. A captora, sem fazer nada além de se mostrar, está dizendo: "você acha que eu pareço boba agora, mas você passará a me temer, e quão patético você parecerá".

É um jogo. Eu tenho que ser impenetrável. Tal exibição não será registrada para mim. Já esqueci o gesto, e ela se parece assim como qualquer um. A única coisa inerentemente assustadora sobre ela é que eu estou preso e ela não. Mas, para ser honesto, tal situação é petrificante.

"Então," ela se dirige a mim. "Chefia disse que ele tem que ser todo cortado, para começar."

Fingir que não estou aqui. A tática é empregada sem graça; perceber isso tão facilmente me dá um pouco de confiança. Se ela quer me desumanizar, ela teria que fazer melhor do que isso. Já tive amantes que se referiam a mim da mesma maneira.

"Como vamos começar?"

Agora ela vai passar por todos os métodos. Me pressionar. Primeiro ela vai me fazer questionar: "ela vai mesmo fazer todas essas coisas?", e então ela irá começar a fazê-las. Nem todas hoje. Ela vai deixar as piores para o final. O propósito de me assustar com todos esses métodos não será apenas me aterrorizar. Será para que ela possa oferecer encurtar isso, me matar e ponto final, se eu dar a ela o que ela quer agora. Ela não vai esperar um sim.

Há a possibilidade, por menor que seja, de que ela tenha pesquisado e saiba que posso deduzir isso. Ela pode me fazer de bobo. Me apunhalar antes de me perguntar qualquer coisa. Em algum lugar não vital. Só uma dor terrível e dilacerante.

"Ele é difícil de matar, nós podemos ser um pouco mais duros do que o normal. O que queremos? Pulso, panturrilhas? Algum lugar bem visível."

Tem muitos "nós" nisso. Maneirismo? Psicose? Ou talvez ela não esteja sozinha.

"Ah, e os joelhos? Eu sempre quis fazer isso nos joelhos."

Eu deveria ter visto isso chegando, mas minha expressão não muda.

"Não, não nos joelhos. Vai acontecer, mas se fizermos isso agora, ele pode se recuperar."

Me assustei de novo. Outra voz, atrás de mim. Diretamente atrás de mim. Ela não estava sozinha.

"Droga," disse ela, mas sua expressão era ilegível devido às sombras negras que deslizavam direto pelo sou rosto. "Diversão para outro dia."

Recuperar? Para que? Na verdade, o que não importa. Há um prazo. Talvez literalmente. Que pesava nas minhas táticas de adiamento. Não. Jogos mentais. Eles querem que eu seja apressado, fazer eu achar que não tenho tempo para que eu possa cometer deslizes, erros. Eles quase me pegaram. Mas eu sou mais esperto do que isso. Tudo o que eles dizem aqui, é para mim. É atuação. Eles só me darão informações com as quais pensam que podem me manipular. Caso contrário, eles teriam falado antes. Eficiência. A outra opção é que eles são ineptos, e acho isso altamente improvável.

"Que tal no estômago?" Disse a garota.

"Estamos falando literalmente ou mais tipo a área da barriga?" Pergunta a outra voz.

"Honestamente, não conheço anatomia o suficiente para te dizer. Digamos que a área da barriga."

"Intestinos, então."

"Sim, mais ou menos onde estariam, se ele não fosse uma aberração."

Provocações, provocações. Eles querem que eu ouça isso. Ainda não significa nada.

"Próxima pergunta," disse a garota. "Lento e cirúrgico, ou rápido e desagradável."

"Vou deixar você escolher essa."

Mesmo sem ver a maior parte de seu rosto, eu vejo um sorriso escorrendo em suas bochechas. Estou entendendo que ela está se preparando para ser rápida e desagradável. "Faça o seu pior," eu tento fazer com os lábios sobre a mordaça. Se eu realmente fizer barulho para falar, só parecerei miserável. Piorar minha imagem. É tudo questão de postura agora. Mantenha a compostura. Bem, em sua mente. Você não terá muita escolha sobre o resto.

Eu tinha razão. Há uma mesa de metal bem fora do alcance da luz. Isso significa facas, bisturis e ferramentas. Brocas, pistolas de pregos, serras. Ganchos. Causadores de danos.

Eu os subestimei. Parece que eles iam mesmo adiante antes mesmo de falar comigo. Algo dentro de mim admira seu entusiasmo. Ouço o farfalhar de ferramentas, e então ela volta da escuridão. Carregando…

Um machado.

Isso não era um instrumento de tortura. Muito letal, muito grande. Um blefe? Era provável que —

As dúvidas são erradicadas assim que a lâmina se crava em minhas entranhas. O grito não vem primeiro; ele é interrompido por uma garganta cada vez mais tensa. Quando ele sai, é terrível, e não da maneira barulhenta e visceral. É quase um sussurro, rouco, praticamente inexistente. Me lembro por que não falo muito mais — perdi muitas das partes necessárias para falar. Eu nem mesmo tenho espaço suficiente nas cordas para me jogar para frente em dor. Tudo o que me resta é a impressão profunda do machado em meu abdômen, abrindo caminho entre os sulcos velhos e secos dos meus intestinos.

Ah bem. Eu não estava usando eles muito mesmo.

Essa frivolidade não está funcionando. Eu tento forçar meus olhos a abrir, focar em outra coisa. Eu finalmente consigo quando o machado é puxado de volta, enganchado na parte de baixo da minha pele ao sair de mim. Minha visão gira. Eu consigo sentir uma coceira onde meu cérebro deseja que suor me cobrisse, mas meu corpo não funciona mais assim. Isso é duplamente irritante porque não tenho meios para me coçar. Ainda assim, focar nisso é melhor do que a segunda boca no meu estômago.

Em minha torpor, vejo que a garota tirou as luvas para o trabalho. Em sua mão esquerda, há um anel no dedo anelar. Bastante ornamentado — uma joia verde. Jade, provavelmente. O anel dourado se torcia e era escamado. Uma serpente, estilizada como um Ouroboros. Nada barato.

Uma lembrança para cortar dela quando eu escapar e inverter esta posição.

"Em toda honestidade," uma nova voz de tenor se junta, originada de algum lugar na minha frente, mas além da luz, "acho que isso é um pouco mais do que 'cortar'. Você não acha que devemos começar com algo mais leve?"

Esse seria o "policial bom". Vocês não conseguem me enganar. Eu já fui o policial ruim.

Se eu não tivesse essa mordaça, eu poderia brincar com eles. Fazer furos em toda a sua operação. Já faz muito tempo, mas ainda devo ter um pouco desse suco. O poder com o qual tecer discursos do nada. Suas reações guiariam meu caminho, me permitiriam explorar suas fraquezas, fazer perguntas importantes, degradá-los. Já fiz isso antes, há muito tempo. Deve ter sobrado um pouco desse suco; em algum lugar dentro de mim, deve haver um reservatório inexplorado.

Seria para isso que a mordaça serve, então. Para me desarmar. Não consigo escapar das amarras, e eles sabiam que o próximo caminho mais provável é através da sintaxe. Eles me estudaram. Eles fizeram esta armadilha, para mim. O anel dela pode até ser planejado, algo que não consigo obter. A cenoura no final da vara. Não vou cair nessa. Ela não tem um anel. Sua roupa é normal, e eu nunca vi tal anel.

"Então vamos cortá-lo," vem a voz atrás de mim. Então ouço passos no concreto, caminhando em direção à mesa à minha direita. Mais farfalhar de ferramentas.

Sem mais machado, sem mais machado.

O pior já passou.

Eu posso resistir a qualquer coisa.

Sou forte, filhos da puta.

Sou mais forte do que vocês acham que sou.

Da escuridão perto da mesa surgem mais duas figuras. Homens, vestindo a mesma roupa que a menina. Duendes. Vou chamá-los de duendes.

Os duendes estão brandindo facas.

"Por onde devemos começar?" O de voz de tenor pergunta.

"Não importa," orienta o líder. "Qualquer e todo lugar."

"Sério?" A garota está animada.

"Uma ressalva."

"Imaginei que você ia dizer isso."

"Ele tem que ser reconhecível. Apenas alguns arranhões no rosto."

Ela parece derrotada. "Tudo bem. Estraga-prazeres."

Ela abaixa o machado e vem em minha direção. Os outros seguem o exemplo.

Quando eles terminarem, duvido que até meu rosto mantenha a forma.

2: Um Otário Nascido a Cada Minuto

Eu não preciso dormir, então não descanso.

Eu não preciso comer, então eles não me alimentam.

Eu não preciso beber, mas eles me deram água uma vez.

O de voz de tenor me trouxe um copo, mas ele estava com a escultora. Não fui enganado por seu ato, mas não vi razão para não beber a água, a princípio. Ela saiu pelos buracos em meus intestinos, e a escultora riu. Zombação. Era outra forma de zombação.

O de voz de tenor se desculpou, mas seu estremecimento foi um pobre acobertamento de um sorriso. Eles foram embora e eu ainda estava com sede.

Ainda estou com sede.

Dei nomes para eles. A garota é a escultora. Ela tem o maior prazer em minha dor, e ela me faz o maior dano. Ela é rápida em se voluntariar para qualquer ato. Sanguinária. Irônico, considerando que eu não sangro.

O de voz de tenor é chamado assim. Ele brinca com a vulnerabilidade. Uma provocação. Se eu não estivesse com a mordaça, ele seria o que eu poderia quebrar mais rápido. Se não for atuação, então ele está aqui pela vontade dos outros, e os outros estão compartilhando uma piada ás suas custas. Estou envergonhado por não ter tentado quando a mordaça foi tirada para beber água — eu estava com muita sede, a água muito tentadora, para pensar em qualquer outra coisa. Estou com a mesma sede agora, mas há sede, fome e dor. Eu não consigo sentir todos na mesma medida, então eles lutam constantemente pela minha atenção.

Por último, o líder, "chefe", o homem de voz mais grossa. Ele é o sensato. Ele comanda a escultora, ele me encara, ele me estuda. Dos outros, obtive apenas o mínimo de reconhecimento. Com o líder, no entanto, fizemos contato visual. Várias vezes.

Espero que ele possa me ler. Espero que ele saiba do horror que o espera. O lesto rasgar de carne que ele vai aturar quando eu escapar e prendê-lo em meu porão, vivo, mas sem esperança, sem sentido, um brinquedo para meu prazer, anos e anos de misericórdia rápida negados. Quero ver o medo em seus olhos quando ele finalmente perceber que não vou matá-lo. Que enquanto eu viver, ele também viverá. Vou mostrá-lo aos convidados, reorganizar seus membros, uma atração para se desconcertar e encantar. O líder conhecerá um destino pior do que eu. Isso, eu prometi a ele. Eu disse tudo apenas com o meu olhar.

Há ciclos. Eles me deixam por horas, dias, não sei quanto tempo, me deixando a ferver, a apodrecer. Eu não me curo, e assim as dores não me abandonam. Este, então, é o tormento psicológico. Eles querem que eu saiba que eles vão voltar, mas eu não sei quando, e é quase melhor ser rasgado, espancado, cuspido, do que ficar sozinho, apenas pensando, apenas desaparecendo. A palavra "tédio" faz parecer tão trivial. É desesperador. Seria insuportável, se eu não fosse obrigado a suportar. Às vezes, durante os períodos mais longos, minha cognição superior desaparece. Não consigo segurar uma única linha de pensamento, eu sonho sem dormir.

Quando os duendes voltam, ganho um foco, um ponto de onde posso pensar novamente. Quando eles se vão, um limite de tempo é estabelecido, um limite de tampo antes de eu ficar maluco novamente. Eu tive que me impedir de uivar, uma vez. Isso os teria alertado. Que eles tinham vencido.

Isso teria acabado comigo.

Mas eu não vacilo. Eu lhes dou as menores reações possíveis, só fazendo barulho quando fisicamente não consigo pará-lo. Eu me assusto menos, agora. Eu encaro mais. Eu não gritei quando eles removeram minhas orelhas, cortaram uma parte do meu couro cabeludo. Pensei que estava imune, na hora, mas me provaram errado quando cortaram meu braço. Em pedaços, nada menos. Eles não começaram no ombro, mas sim no meu pulso, depois no meu cotovelo e depois no meu ombro. O de voz de tenor achou isso excessivamente cruel, mas o líder lhe garantiu que eles estavam apenas vendo como cada um parecia.

A escultora não tinha essas perguntas. De vez em quando, ela levantava a questão dos joelhos novamente.

"Ainda há coisas piores por vir," era o que ela realmente dizia. "Desista agora."

Eles ainda não me fizeram perguntas, mas eu vi atrás de sua fachada. Eles estão colocando todo o poder em mim. Em um dos meus períodos em que simplesmente fico sozinho, eles estão esperando que eu quebre, grite, diga: "Te conto qualquer coisa, te dou o que vocês quiserem, só voltem, voltem pra sala, voltem e me matem!"

Ou, a melhor aproximação disso que eu posso fazer através da mordaça.

Mas eu não vou.

Eles vão aprender que eu não vou.

Eles aparecem novamente, agora mesmo. Por uma pequena misericórdia, eles não me deixaram tempo suficiente para desmoronar novamente. Estive lúcido desde a última vez que me cortaram. Os duendes vêm de uma porta que só posso ouvir atrás de mim, e eles entram pelos cantos da minha visão. Às vezes, a escultora me surpreende ao ficar calada, como só ela pode. Este não é um desses momentos.

Eles vêm, e o de voz de tenor traz consigo dois sacos de lixo de cara pesada que ressoam com um splat quando atingem o chão. Algo molhado. E algo cheirando a sangue,

A escultora aproxima a mesa de metal e vejo todo tipo de ferramenta que ainda não foi usado em mim. Coisas que eu poderia ter esperado, e coisas que eu definitivamente não esperava. As brocas, alicates — esses são normais. No entanto, os mais preocupantes eram os implementos para os quais não via utilidade. Pincéis, vários potes vazios, uma colher de sorvete — imaginaria que para meus olhos, mas o líder tinha sido bem direto em não tocar neles, talvez para exacerbar os efeitos dos dias em que tudo se tornar um borrão sob a luz clara e forte.

"Vou pegar as pernas" diz o de voz de tenor, anormalmente participativo.

"Pego o braço e a cabeça, você pega o peito e abarriga." O líder diz à escultora. "Daí vamos esvaziá-lo juntos.

Essa mudança na frase me preocupa.

"Você realmente acha que alguém vai acreditar?" Pergunta a escultora.

"Se não acreditarem, não acho que vão mencionar," responde o líder.

"Não queremos que pareça um ato," diz o de voz de tenor.

"Isso não vai fazer com que pareça mais um ato?" A escultora parece irritada.

"O chefe mandou," diz o de voz de tenor.

"O chefe mandou," murmura a escultora, derrotada. "Nunca fui uma artista."

"Engraçado," o líder sorri, pegando um pote da mesa. "Acho que você daria uma grande escultora."

O de voz de tenor pega um pincel e uma jarra enquanto a escultora ri. "Eu não faria nada que valesse a pena olhar."

"Seria 'arte moderna'," diz o de voz de tenor.

A escultora continua a rir, e o líder solta uma pequena rajada de ar entretido. Ele abre um dos sacos de lixo, e ambas as mãos entram, uma com a jarra.Depois de algum farfalhar, ele se levanta e o frasco está cheio de vísceras.

Ele volta para a mesa, pega um pincel e então se ajoelha perto do meu braço restante. Ele mergulha o pincel no pote de vísceras e, em seguida, o estende para mim. O diálogo dos duendes continua, mas uma vez que o pincel entra em um dos meus milhares de cortes rasos, não consigo me concentrar em mais nada.

É uma dor diferente de qualquer outra coisa que já experimentei. Não em escala, mas em textura, em sensação. Cada fio do pincel é um ponto individual a partir do qual ele coça nos sulcos mais sensíveis da minha pele, espalhando tecidos soltos e sangue em meus poros. Da mesma forma que não se pode deixar de convulsionar quando fazem cócegas, não consigo deixar de me contorcer enquanto tento mover meu corpo o mais longe possível do pincel. Mas não há escapatória.

Meus olhos estão arregalados, um ruído guincha debaixo da minha mordaça, todo pensamento consciente dá lugar a uma cascata de impulsos básicos. A única voz que é verdadeiramente minha é pequena, e diz parem, parem, parem, por favor, parem.

Suas vozes se misturam uma vez que um segundo pincel entra na minha perna e o terceiro entra no meu peito. Em um ataque de instinto, tento me afastar dos pincéis, em três direções ao mesmo tempo — para trás, para cima e para a esquerda. Mas estou muito amarrado. Muito contido. Eu não faço nada além de sacudir e gemer. O pior é quando pintam o coto onde ficava meu braço e os buracos onde antes ficavam minhas orelhas.

Quanto tempo isso dura eu não sei dizer. Mas, no final, não tinha chegado mais perto de me acostumar contra o ataque.

Uma vez que eles terminaram, eles recuam, e eu começo a recuperar o controle de mim mesmo. O sangue que eles colocaram em minhas feridas é frio e arde, mas consigo aguentar. Não é pior do que as constantes dores e pulsações que tenho experimentado desde a primeira vez que me atingiram. Eles sabiam que pintar seria pior tortura até agora? Ou foi só uma surpresa agradável?

Não importa. Eles tinham me visto no meu pior. Tentei ler suas expressões? Havia prazer? Havia antecipação?

Ambos residem na postura da escultora, mas isso não é anormal.

Mais uma vez eu consigo ouvir suas vozes claramente. O líder está falando.

"… tirem tudo, do buraco na barriga dele. Você," ele aponta para o de voz de tenor, "procure os substitutos corretos nas sacolas."

"E você?" Pergunta o de voz de tenor.

"Eu? Vou falar com a chefe. Ela disse que queria me ver."

O líder não é o "chefe"?

"Certo."

O líder já está saindo da sala quando levanta a voz: "Certifique-se de que ela se comporte!"

"Tá!" Responde o de voz de tenor.

"Não vou!" Grita a escultora.

O de voz de tenor dá a ela uma cotovelada no peito e ela mostra a língua. Ambos riem. O de voz de tenor diz: "Não cause mais dano do que o necessário."

"Eu não vou, só estava brincando," disse ela, pegando a colher de sorvete.

Agora, então, é quando eles vão me "esvaziar". Posso chutar qual é o sentido. Eu não gosto do que está por vir.

O de voz de tenor afrouxa cuidadosamente as marras das minha pernas, ordenando à escultora que as segure para que eu não possa tirar proveito da situação, e força minhas pernas a se abrirem antes de me conter novamente. Ele é impressionante com a corda, só consigo dar a ele esse respeito.

A escultora então fica de joelhos na minha frente e se inclina. Era uma posição sugestiva, para dizer o mínimo. Em alguma medida distorcida de boas maneiras, minha virilha era uma das poucas partes intocadas do corpo.

A escultora enfia mão no ferimento na minha barriga e arranca minhas entranhas.

Pura agonia rasga meus nervos, e pela primeira vez desde que fui preso, o manto misericordioso da inconsciência vem sobre mim.

3: O Conforto é o Inimigo do Progresso

Me pego na gosma de estar meio acordado. Minha visão nada, ouço barulhos que não existem, minhas pálpebras estão pesadas, mas não estou adormecendo. Quando sou capaz de organizar um pensamento, é que minha respiração está molhada. Molhada? Normal. Era assim que a respiração parecia, quando você não era um cadáver como eu. Meia década atrás, era assim que era respirar. Umidade.

Em flashes rápidos, eu me lembro. Me lembro das coisas mais idiotas.

As memórias passam. Tendo sexo. Degustando comida. Mijando. Espirrando. Cagando. Cuspindo. Salivando. Peidando. Lambendo. Suando. Ficando com acne, estourando uma espinha, tendo o pus descendo pela minha bochecha.

Sangrando.

Sinto falta de tudo, de todas as armadilhas de ser humano, de estar molhado, de ter um corpo. Um corpo de verdade. Não este. Não este falso. Eu quero tudo de volta. Eu quero ser capaz de me envergonhar em um nível tão básico — só ter a possibilidade, a oportunidade, de fazer tudo de novo.

Me lembro de atividades mais específicas. Subindo no palco, me dirigindo a uma multidão cativada, dando um show. Meu império. Meu legado. Sumido, tirado de mim.

Não tenho medo de morrer.

Nunca tive medo de morrer.

O que me preocupa é que será sem sentido.

Que os espetáculos não impressionaram, que todo o meu trabalho, minha dedicação, foi desperdiçado. Que serei esquecido no tempo, meu nome nada mais do que uma nota de rodapé no meio de alguma outra história. Não terei minha odisseia. Não terei minha história. Serei apagado da história.

Perdi tudo em um instante e tive quarenta anos para recuperar minha estatura.

Quarenta anos que desperdicei. Escondido. Planejando, mas nunca colocando em prática. Esperando pela hora, por uma oportunidade, mas nenhuma veio. Todos os meus amigos se foram. Meu próprio filho, se voltou contra mim. Eu não tinha ninguém. E sejamos honestos com nós mesmos, a era dos espetáculos de um homem ficou para trás.

Iytri sebtunebti, Ne sinto cheio. Eu mal consigo mover minha cabeça, mas quando tento olhar para baixo, o canto do meu olho pega algo. O corte na minha barriga está agora derramando sangue e tripas. Eles não só me esvaziaram, eles me encheram de novo. Com órgãos. Órgãos reais. Do tempo em que eu era um homem de verdade, e tinha uma chance de verdade.

Não há muitas graças em ter um corpo falso. Há menos ainda em ter um de cera. Mas esta é uma delas. Mais uma daquelas atividades molhadas que nunca mais poderei fazer.

Choro.

Eles venceram. Eles me viram no meu pior. Eu cedi à dor e agora eles me desumanizaram. Sou um objeto mais uma vez. Dobrado aos seus desejos. Duvido que me reste alguma força de vontade. Não há mais fuga. Não há esperança. É aqui que morro. Este é o meu lugar de descanso final. Em uma sala de concreto, esquecido. O imperador é morto sem suas vestes e coroa.

Meu rosto de contorce de maneiras que eu gostaria que não se contorcesse. Meus olhos se fecham e minha boca puxa para trás. Eu começo a tremer, e torcer, e minha respiração começa a falhar. Eu grito, eu não me importo se eles me ouvirem mais. Eu grito, e grito, o mais alto que posso sem uma garganta adequada. Eles vão me ouvir. Eles vão me ouvir, eles virão me perguntar se eu já tive o suficiente, eu direi que sim, direi a eles o que eles querem, seja lá o que eles querem ouvir, e eles me matarão. Se eu tiver sorte, se eu for um homem de sorte, eles vão me matar aqui e agora.

Eu perdi.

Isso é tudo em que consigo pensar, enquanto meus olhos tentam e não conseguem trazer lágrimas de poços há muito secos.

Eu perdi.

Minha agonia é interrompida quando ouço a porta atrás de mim se abrir. Mas não é apenas a porta que ouço. Há alegria. Há risos. Das três vozes que vim a desprezar.

Mais luzes se acendem e finalmente consigo ver toda a extensão da sala. Ela é uma sala normal, uma loja de concreto e nada mais, mas finalmente consigo ver as bordas, as paredes, a apenas alguns metros do feixe de luz. Suas dimensões não são mais misteriosas.

Os duendes aparecem, mas eles não estão mais fantasiados. O de voz de tenor usa uma camisa polo azul e uma calça social preta, com meias e sapatos pretos. O líder usa uma camiseta com um desenho de dragão, jeans vazios e tênis. Com as luvas finalmente tiradas, vejo que ele usa um anel que combina com o anel da escultora, na mão esquerda.

A escultora, agora, usa um crop top, uma saia curta e sandálias. Está mesmo tão quente nesta sala? As entranhas frias sobre e dentro de mim devem estar colorindo minhas percepções da temperatura.

Cada um deles carregava uma garrafa. Cerveja. Eles estavam bebendo, brincando e comemorando. Uma vez que eles entram no meu campo de visão, eu sou devidamente olhado. Não minhas feridas, não onde eles desejam causar mais danos, mas diretamente nos meus olhos, cada um deles. Vejo tudo muito claramente agora. Eles estão em êxtase, porque eles venceram. Eles vão brincar comigo, me deixar saber que eles sabem, que eles não precisam mais fingir, eles estão confiantes em sua vitória. E eles estarão certos. A pior parte é que eles estarão certos.

Meu choro seco parou em confusão, mas uma vez que seus olhos estão em mim, ele começa de novo. Agonia, eles estão se deliciando com minha agonia.

"O que há de errado, amigo?" O líder está corando e tonto. "É hora de comemorar!"

"Eu até trouxe uma, uh, uma cerveja, pra você poder participar." O de voz de tenor me mostra que não está mentindo. "Claro, não podemos desfazer as cordas, mas posso ajudá-lo a beber."

A escultora joga para ele um abridor de garrafas e, então, senta-se contra a parede e toma um grande gole de sua garrafa. Meus gritos só aumentam em intensidade. Tento encontrar raiva, transformar minha fraqueza em pelo menos um fervor ameaçador, mas não consigo levantar a emoção. Tudo que eu quero é morrer.

"Eii, relaxe, cara!" A escultora diz. "Não estamos aqui para causar nenhum dano."

"Ela está falando sério. Não estamos," diz o de voz de tenor.

Mas eu não paro, eu lamento. Eu gostaria que eles tirassem a mordaça de mim, parassem, me deixassem perguntar, só me deixassem perguntar o que eles querem para que eu possa dar a eles.

"Bem, parece que vamos precisar dar a ele tempo para se acalmar." O líder se senta contra a parede, ao lado da escultora, e segura sua mão. "Vamos, Aggy, se sente conosco."

O de voz de tenor parece preocupado, mas se junta a eles contra a parede.

"Saúde," diz o líder. Eles brindam com suas bebidas e então tomam um gole. O de voz de tenor — Aggy — faz contato visual e empurra a cerveja na minha direção. Não que eu possa pegá-la, mas como um convite aberto.

A atuação parou, por que ele ainda está brincando comigo? Por que ele precisa fingir simpatia?

"Por um trabalho bem feito e por mais trabalhos no futuro," diz a escultora.

"Bem, com sorte não," diz Aggy.

"Hã?"

"É. Eu e o Chris conversamos sobre isso, eu só não acho que fui feito para isso. E=eu sou dedicado, quero ajudar, e entendo, esta é a melhor forma de fazer isso, mas eu —"

"Não," a escultora faz uma pause, "nem comece, eu te entendo, eu te entendo, cara. Paradas pesadas."

Aggy e Chris balançam a cabeça. "Paradas pesadas mesmo. Então, devemos receber um monte de gente nova em breve, talvez eu possa aceitar outro trabalho. Além disso, eu aceito trabalhos como este e acabo com pessoas como você."

"Ah, vai se ferrar, você," a escultora ri.

Aggy ri. "Sempre encantadora, Gina."

Chris inspira e expira rapidamente.

"O que foi, querida?"

"Amanhã."

"Com medo?" Pergunta Aggy.

"Nem um pouco. Muito animado. Mal posso esperar."

Gina finge choque. "Chris? Sendo tudo menos uma parede? Alguém me belisca, devo estar sonhando."

Chris ri. "Cachaça maldita!"

O trio começa a balançar de tanto rir. Não foi nem engraçado. Isso é genuíno? O que está acontecendo?

"Pronto pra tomar uma com a gente?"

Minha testa está franzida com perplexidade. Para que serve isso? Quando eles vão começar a pilhar por respostas? Olho para Gina e Chris se beijando, e depois de volta para Aggy, que me estende a cerveja. Então, lentamente, eu balanço a cabeça.

Ele se levanta, leva um segundo para se equilibrar e então vem até mim. Ele se apoia na minha cadeira, e então contempla por um segundo. "Chris," pergunta ele, interrompendo o romance deles, "Posso tirar a mordaça, né?"

"Sim, sim claro."

Ele cuidadosamente remove a mordaça e espera por um segundo. Paro de olhar para ele e brinco com minha mandíbula, movendo-a para cima e para baixo. Os cortes no meu rosto gritam de dor, mas eu os ignoro. É bom ter mobilidade, mas ainda não sei o que fazer com ela. Respirar sem a mordaça é melhor. É pequeno, em comparação com o campo de batalha cicatrizado que era meu corpo, mas melhor, e nada pareceu melhor em dia, semanas… pode ter sido um mês.

Olho pra Aggy, depois para a cerveja e de volta para Aggy. Foi a melhor comunicação que consegui sem falar, e minhas primeiras palavras são importantes. Eu preciso estar comandando, intimidando. Vou esperar que eles venham até mim.

Aggy responde afrouxando a corda e gentilmente inclinando minha cabeça para trás. Abro a boca e ele começa a despejar cerveja dentro dela. Ele me dá um gole, mas não a garrafa inteira, e então espera ao lado da cadeira.

Não consigo pensar em nada para inspirar medo. Para ir abaixo com uma luta. Mas uma parte de mim, alguma parte de mim só quer falar. Tenho que pensar, buscar, meu papel habitual na conversa. Faz tanto tempo desde que eu participei de uma, todas as formas naturais de falar parecem erradas e anormais. Humor.

Isso mesmo, eu sempre tive uma queda pelo humor.

Então eu começo com algo bem-humorado e algo para que eu realmente desejo uma resposta. Eu limpo a garganta, o que faz Chris e Gina se virarem para mim.

"Eu conheço vocês?"

Há uma pausa.

Então, gargalhadas ruidosas. Primeiro de Chris e Gina, depois um número crescente de risadas de Aggy. Não compreendo. Será que não os reconheço? Eles acham que são tão importantes que essa pergunta é ridícula?

"Não, nunca falamos," diz Gina. "Nunca em nossas vidas. Realmente parecemos tão velhos pra você?"

"Cara, eu tenho vinte e três anos," acrescenta Aggy.

"Há muitas formas de combater a idade," eu digo, talvez um pouco defensivamente. Eu escolho apagar esse tom da minha fala. "Ora, olhe para mim, nem tenho cara de ter trinta anos direito!"

Isso provoca mais risadas dos duendes, e desta vez eu me junto. Forçado, de início, então faço sinal para Aggy me dar outro gole.

Antes de eu ter engolido tudo, Gina aponta e ri.

"Eu tô vazando?"

Ela não consegue parar de rir o suficiente para responder, então ela balança a cabeça.

Eu sacudo minha cabeça. "Vergonhoso. Como que esse buraco foi parar ali? Eu sinto muito mesmo. Vejam, eu nãoi tive muito tempo para me preparar para esta reunião."

Eu rio da minha própria piada, e Aggy e Chris juntam-se a mim.

Algo sobre a conversa e o álcool me salvou. Não estou mais patético. Me sinto mais livre do que já fui em anos.

"Então," diz Chris, "amigo."

"Hmm?"

"O que você acha?"

"Acho do quê?"

Chris revira os olhos. "A coisa toda. A mutilação, a serragem, tal e tal, devo continuar?"

"Ah, isso! Desculpe, eu quase esqueci completamente." Consigo parecer contemplativo por um momento. "Brincadeira de criança. Bastante amado. Nem quebrei. Eu diria que isso é um fracasso. Agora, se você pudesse remover essas cordas, talvez eu pudesse te colocar na cadeira e te mostrar toda a extensão do corpo humano. Você já se perguntou o quão longe uma língua pode ser puxada para fora da boca antes de começar a rasgar? Que tal quantos pregos podem ser atirados em seu braço antes de não haver espaço para mair? Eu poderia te mostrar. As respostas são fascinantes."

Chris ri. "Vou recusar. E você tem certeza?"

"Certeza de quê?"

Chris toma um longo gole de sua cerveja. "Você quebrou."

"Isso — me diga honestamente que um homem mais fraco duraria o mesmo tempo," digo muito rapidamente.

"Ele tem razão," diz Gina. "O puto levou uma eternidade."

"Alma forte," acrescenta Aggy.

"Você quebra exatamente quando eu preciso," diz Chris. "Olha a hora. É um dia antes."

"Estava ficando nervoso," admite Aggy.

"O garoto tem horário," retruca Gina. "Não precisa ficar nervoso."

"Precisamente," Chris responde. "Desculpe. Eu não deveria estar falando tanto. Devo estar bêbado."

"Um brinde a isso," diz Gina e tenta tomar um gole, mas nada sai. "Porra. Tá vazio. Quem quer outra?"

Chris sacode a cabeça e levanta a mão, mas Aggy balança a cabeça e inclina minha cabeça para trás para despejar o resto da minha garrafa.

"Uma pra mim, uma pro Ags, entendido. Eu já volto."

Ela sai, e eu fico com os dois homens. Estamos todos em silêncio.

"Então," eu começo. "O que há de tão grande amanhã?"

Chris sorri e toma um gole. Isso é tudo o que é dito sobre o assunto.

"Quem… quem me quer aqui? Quem que eu irritei? Me perdoem por perguntar, houve tanta gente ao longo dos anos."

"Ninguém," responde Aggy, bem perto de onde meu ouvido ficava. "Não é nada pessoal, honestamente."

"Honestamente?" Eu ri. "Eu não acredito em uma palavra que sai da sua boca."

"Triste," diz Chris. "A amizade é construída com base na confiança, sabe."

"Eu confio em vocês o suficiente. Confio que vocês tenham suas razões. Confio que alguém ao longo do caminho ficou puto o suficiente, vingativo o suficiente, para me caçar. Vocês são jovens. Não precisa ser um de vocês. Quem é seu chefe, hmm? Me digam, ela tem a minha idade? Meu tipo? Uma ex-amante? Ou será que feri alguém próximo, querido para ela? Uma mãe? Um pai? Irmão, irmã, ente querido? Ou não me diga. Houve tão poucas famílias que eu erradiquei incompletamente. Tudo que falei? O último membro restante de uma família desfeita? Deve ser algo vil, algo miserável que aconteceu com ela. Algo em que ela tem fervido, guardado, pensado por quarenta e poucos anos, esperando para se vingar."

Chris começa a rir no final do meu discurso. Eu o encaro até ele terminar.

"Você?" Chris ri novamente. "A chefe nem sabia que você existia até quatro meses atrás. Você tem delírios, amigo. Você acha que é coisa grande, você acha que é algo sério, mas ninguém se lembra de você. Você é um nome que aparece às vezes, porque seus associados foram a lugares e você não. Você, meu bom senhor, perdeu no momento em que pôs os pés em cena. Você é uma pedra jogada no oceano. Suas ondas são pequenas e desaparecem em segundos. Nenhuma onda para para te considerar. Talvez um peixe tenha que nadar ao seu redor, mas daí você se acomoda no fundo, na areia, e é desgastado pelas eras, até você não passar de um grão e não significar nada para ninguém. É onde você está agora, amigo. Você está no fundo do oceano e não tem braços para nadar de volta para cima. Nós somos a água que te desgasta."

Sinto minha compostura diminuir e luto brevemente para recuperar o equilíbrio. Demora alguns segundos, mas o sorriso volta ao meu rosto.

"Chris, você me entendeu errado. Você não acha que vi? Meu nome ainda está em outdoors, meu império vive, ele é atribuído a mim."

"Ele vive apesar de você. Ninguém se lembra que você existe. Seu nome é o de um mascote, um rosto que alguns podem colocar em lancheiras. Você não tem mais legado do que Barney, ou quem quer que fosse o McDonald original. Você se lembra do nome dele? Do que ele fez? Quem ele era?

É uma batalha constante para evitar que minhas bochechas caiam.

Chris continua. "Você é uma marca. Mas logo, você será nosso produto. E é aí que todo o seu ato terminará. É quando você estará perdido na trincheira mais profunda do mar."

Ele toma um gole de cerveja. Quando olho para Aggy, ele desvia os olhos. Eu olho de volta para Chris.

Gina retorna, e percebo que ela sumiu por mais tempo do que eu esperava.

Ela percebe o ar silencioso da sala. "Estou interrompendo algo?"

"Não, não, sua presença é muito bem-vinda."

Ela passa por Aggy para dar a ele outra cerveja, e então fica na minha frente, e mantém contato visual.

"Algum último pedido?"

Eu a encaro por quinze segundos completos. Ela não treme, e ninguém mais fala. Então eu coloco eu sorriso mais brilhante e mantenho minha cabeça erguida.

"Um cigarro. Estou morrendo de vontade de ter um."

Ela pega um maço do bolso e estende a mão para Aggy. Ele dá a ela um isqueiro, e então ela se inclina sobre mim, com a mão no topo da cadeira atrás de mim. Sinto sua respiração contra meu rosto enquanto ela leva um cigarro à minha boca. Eu o agarro com meus lábios e ela o acende.

Um sopro acalma meus nervos, mesmo sabendo que meu corpo provavelmente não processa a droga. Hábito. Isso conforta.

"Feito?" Ela pergunta, imóvel de sua posição.

"Um último pedido." Ela ergue as sobrancelhas. "Um último olhar para uma bela mulher."

Ela parece completamente não impressionada, e então dá alguns passos para trás. "Aggy, desvie seus olhos. E tarado, não espere nada mais."

Sem graça ou carisma, ela puxa a camisa e o sutiã para cima e abaixa a saia e a calcinha.

Não é nem excitante. É nostálgico, mais do que tudo. Dos dias em que isso seria uma vista normal, quando eu não precisava pagar. Quando eu era rei, era 'peça e recebereis'.

"Nem mesmo um sorriso? Não é bom fazer isso por nada."

Eu respiro fundo. "Eu consegui algo disso. Obrigado."

Ela coloca suas roupas de volta e encolhe os ombros. "Vou acreditar na sua palavra. Agora, Chris?"

"Agora,"

Ela puxa uma arma do bolso de trás, move-se para a minha esquerda e a pressiona contra a lateral do meu joelho. Antes que eu tenha tempo de ficar tenso, o gatilho foi puxado e uma bala atravessa minhas articulações, levando ossos e tecidos velhos e decrépitos com ela. A vontade de conter os gritos se foi, então eu me assusto e grito.

No canto da minha visão embaçada, vejo o sorriso de Gina retornar, e ela começa a rir enquanto sai da sala.

"Sinto muito," diz Aggy, e a segue, mas eu mal escuto. Por um segundo, por um breve período de tempo, eu me recuperei. Eu pude falar, brincar, pensar. Uma bala me coloca de volta ao estado de instinto e autodestruição, apagando minha inteligência e levando a coerência com ela.

Chris fica atrás dos outros dois, e segura sua garrafa de cerveja no meu rosto. Ele balança ela para frente e para trás, e um pouco vaza. A mensagem é clara.

Ele não bebeu uma gota.

Ele deixa a cerveja cair no meu estômago, empurrando contra os órgãos transbordando da minha barriga e depois quebrando no chão. Seu conteúdo logo encontra meus pés e os congela. Ainda estou choramingando, um cachorro encurralado, puramente animal. E então, as luzes se apagam. Todas elas. A sala está completamente escuro pela primeira vez desde a minha chegada, uma eternidade atrás.

"Bons sonhos, e até amanhã!" Diz Gina, e então a porta se fecha.

Não passo a noite contemplando, processando, ligando os pontos. Passo ela com medo, tremendo, assustado com barulhos que nunca acontecem. Estou pesado. Estou cansado. Estou perdido, e estou sozinho. Sou um covarde. Sou um rato. Sou um brinquedo. Sou uma peça de xadrez. Sou a pele rasgada de um espírito que me deixou. Ele veio através de meu estômago, subiu pelo meu esôfago e saiu do meu corpo pela garganta, lamentos e lamentos de essência que deixam meu corpo.

Estou morto, mas ainda não morri.

4: Não Me Importo Com o Que os Jornais Digam, Desde Que Eles Escrevam Meu Nome Corretamente

A porta se abre atrás de mim. Eu mal escuto. Eu a reconheço, mas está longe. Depois, há passos. Eu esqueço quem espero que seja. Não penso mais nisso. A luz se acende, e eu aperto os olhos para evitar ficar cego. Há fala, mas não encontro palavras. Eu não escuto. Sinto um toque e me encolho. Aguardo uma dor que não vem. Em vez disso, minhas amarras afrouxam. Carne cerosa antes tensa torna-se móvel. Não consigo desfrutar da sensação. Alguém me agarra pelas axilas e me levanta.

Eu gemo e estremeço enquanto cada dor, de corte superficial a profundo, torna-se fresca com o movimento. Eu sou incapaz de andar. Estou muito fraco, meus joelhos também se foram. Então, em vez disso, sou carregado. Como um cadáver.

Estou apenas tecnicamente ciente quando um saco preto vem sobre minha cabeça, e sou levado para fora da porta da minha cela. O ar muda. Ele se torna mais quente, mais úmido, mais fresco. Meu braço restante bate em algo de madeira enquanto fica pendurado no meu lado. Então, estamos do lado de fora. Eu sei por causa da acústica — ela está de repente mais aberta, menos reverberante. Lembro-me vagamente de ter que me acostumar com as diferenças entre montar sistemas de som ao ar livre e dentro, uma vez que essas coisas foram inventadas. Era mais frequentemente ao ar livre, entretanto. Palcos eram caros. Era melhor fazer um eu mesmo.

Sou jogado na parte de trás do que acredito ser uma van, e fico parado. Não há razão para me mexer. Não como, não bebo. Não preciso de nada, e meu destino não é meu. Me mover é esforço desperdiçado. Então eu fico deitado. Alguém sobe na parte de trás da van comigo, e então as portas se fecham, e estamos em movimento.

"Ei."

É o homem.

"Ei, você. Você pode tirar a bolsa, se quiser. Sem janelas, nada para ver aqui atrás."

O duende. O de voz de tenor. Aggy.

"Se acomode."

O tempo perdeu o sentido. Segundos, minutos e horas parecem iguais. Mas em cada um deles, sinto os solavancos da estrada. As partidas e paradas em semáforos e placas. Me lembro, novamente, das viagens. Me lembro de empacotar minhas coisas na parte de trás da minha primeira carroça, deixando minha família. Comecei como mágico de rua, mas já me esqueci dos truques desde então. Não precisava usá-los, uma vez que consegui uma trupe e uma posição gerencial. Todos os meus subordinados, lacaios, amantes. Amigos, às vezes.

Filho. Uma vez.

Eu me lembro. Eu me lembro de quando éramos tão pequenos e tínhamos nossa própria caravana. Dificilmente conseguíamos preencher uma hora com nossos atos combinados. Eu sentava na frente, e eles todos sentavam atrás, e cantavam. Não me lembro da música. Mas me lembro da camaradagem. Me lembro da força de vontade, da motivação. A estrada aberta, literal e metafórica. Toda a minha vida pela frente, todas as dúvidas para trás. Livre para começar o verdadeiro desafio. Meu império. Me tornar o rei do meu próprio império.

Eu consegui, por um tempo.

Foi breve, foi glorioso. Não se diz que uma vela que brilha duas vezes mais forte more duas vezes mais rápido. Uma operação impecável. Se eu tivesse mantido aqueles abaixo de mim sob meu controle, poderia ter vivido para sempre.

"Sinto muito."

Não sei por que Aggy se desculpa, mas então percebo que estou tremendo, convulsionando. Chorando lágrimas de ar e poeira. Eu tomo um momento para me acalmar. Devo lembrar que há mais alguém nesta sala comigo. Não posso morrer chorando. Sou melhor que isso. Sou mais forte do que isso.

"Por que," eu começo, uma vez que termino, "você mente para mim?"

"Eu não minto."

Há uma pausa de duração indeterminada. Meu corpo nu está frio contra o metal, minhas feridas são turbilhões de dor e desconforto que aprendi a ignorar.

"Então por quê?"

"Por que o quê?"

"Por que você tem pena de mim?

Outra pausa antes de Aggy responder.

É educado," diz ele. "Todo mundo merece respeito."

Eu rio, mas minha voz granulada interpreta isso como uma tosse. "Besteira. Há aqueles que tomam e há perdedores. Eu sou um dos que tomam, Aggy. Não preciso da sua pena."

Os solavancos e buracos da estrada espetam o chão irregular em minhas costelas, mas eu não reajo mais. Meu corpo não é meu.

Aggy é um fracote. Ele é pequeno, ele não será lembrado. Ele vai se apagar e desaparecer. Ele é uma pedra como eu. Falta-lhe o impulso, o impulso que vejo até no líder e na escultora. Ele é pequeno, e ele é insuportável.

Mas ele pode ser a última pessoa com quem eu falo.

"Me diga, Aggy," eu começo, minha voz pouco mais alta que um sussurro. "Me diga o que você faz aqui. Você pe um rato entre feras. Tinta extra respingada na lateral de uma página."

Não há resposta.

"Vinte e seis, hein?"

"Vinte e três."

"Jovem. Jovem demais para receber um pé de cabra e mandado abrir um homem."

"Pelo contrário, eu pedi por um."

"Você não conseguiu se fazer participar da maioria dos exercícios. Você é melindroso. Não é um trabalho pra você."

"É um trabalho que tem que ser feito."

"Mas por você? Você se desculpa por suas ações, você me oferece consolo. Você é uma criança em uma situação assustadora. Me diga honestamente que é tudo por seu próprio consentimento."

"Você fala como se eu tivesse opções, e e-eu não tenho nenhuma. Não há realidade na qual eu teria dito 'não'. Então não é uma escolha. É uma inevitabilidade. Mas é uma inevitabilidade com a qual estou bem."

"Críptico."

"Ao pentear o cabelo, não se pode começar de cima, certo? Você não vai chegar a lugar nenhum fazendo isso. Você começa desembaraçando por baixo, sabe. Você," ele enfatiza, "você está em baixo. E é uma escolha lidar com você tanto quanto pentear meu cabelo. É algo que eu preciso fazer."

"Mas isso?" Eu estendo meu único braço, meu braço direito, para tirar o saco e o encaro nos olhos. Sua expressão é calma, apenas uma leve preocupação. Fraco. Ele é mais fraco que os outros dois. "Os cortes, o rasgar, o, o…" Eu perco minha linha de pensamento. "Você dorme à noite, sorri em seu travesseiro e vai para o mundo dos sonhos? Ou você se vira e revira, assombrado pelo homem que você esquartejou no porão. O sangue em suas mãos, a mordida daqueles com quem você se associa. Você não é um assassino. Você não tem o espírito dentro de você. Me diga, sinceramente, que não há hesitação, nenhuma trepidação corrosiva, sempre que você pega a lâmina. Sempre que você entra na sala, e vê que ele não se moveu um centímetro. Que ele está sangrando, sangrando sanidade desde a última vez que o viu. O que permite a você mantê-lo lá? O que permite que você o golpeie?"

"Você me enoja."

Seu tom é neutro. É entregue na mesma cadência que se poderia dizer "tudo bem". O mesmo registro. Como uma explicação em vez de um insulto. Como se qualquer um pudesse ser empurrado às extremidades da violência. Que só se precisa odiar alguém o suficiente.

Não percebi que havíamos parado. As portas se abrem e Gina me agarra pelas pernas. Eu sou puxado para fora, e ela me levanto, embora permita que eu me apoie em seu ombro. Com menos agitação do que eu esperava, ela começa a me levar a algum lugar. Ela não se deu ao trabalho de colocar o saco de volta na minha cabeça, então consigo ver Aggy sair da van e seguir em uma direção diferente. Agora vejo que ele tem uma pistola e me pergunto se ele foi treinado para usá-la.

Apatia corta minha curiosidade, então percebo que estamos em um uma cidade, mas nada mais. Meus pensamentos se desviam, e minha percepção altera meu entorna para apenas os mínimos detalhes. Uma parede aqui, um degrau ali, para que eu não tropece ou esbarre em nada. Minha cabeça está pendurada como se presa por uma corda. Meu pescoço não aguenta o peso do meu cansaço.

Nos aproximamos de uma porta e Gina começa a falar com alguém. Um guarda.

"Estamos com a Senhora Red," diz ela.

"Provas?"

"Você a roupa? Você acha que eu pareço assim em qualquer outro dia?"

Acontece uma troca que eu não vejo, e então a porta se abre. "Meu deus," Gina reclama, "criem um sistema de senhas ou algo assim, pergunta mais idiota que já me fizeram."

A porta se fecha atrás de nós, e agora está bem escuro. Gina me traz para um banco que eu sinto mais do que vejo na escuridão, e nos sentamos. Ela bate no peito três vezes e respira fundo.

"Certo, tarado. Grande noite. Não estrague tudo."

Eu escolho não responder. Ela suspira.

"Então, este deveria ser o trabalho do Chris. Ele é a pessoa do povo. E eu sei que uma vez, você era muito falante. Então não me julgue quando eu gaguejar. Mas eu tenho alguns pontos de discussão."

Só agora percebo que, em algum lugar próximo, há o murmúrio de uma multidão.

"Veja, eu não sou do tipo que fala. Sou a pesquisadora. Fui eu quem descobriu onde você estava, pedaços da sua história com os quais poderíamos cutucar você. Descobri com o que deveríamos nos preocupar. Você sabe, no quesito poder. Algumas pessoas, elas têm sorte. Eu? Eu só sou sua Gina comum. Mas caramba, eu sou inteligente."

A multidão se acalma, e eu juro pelo túmulo da minha mãe, ouço alguém gritar "homens, mulheres e amigos não binários!!"

"Mas o Chris, ele é o cara que pega todo esse conhecimento, e o condensa em um pacote artesanal. Ele pega nos seus nervos. Faz você fazer o que ele quer. E ele, ele, tem um dom. O que ele tem não é algo que se aprende. Ele só é muito, muito sutil sobre isso. E Aggy, ele é o artista. Tudo sobre ótica, ele mesmo. Ele sabe o que vai funcionar e o que não vai, e ele tem um olho insano para estética. Mas Aggy está fazendo todo o trabalho nos bastidores agora, cuidando das luzes e do som e tudo isso, e Chris está no meio da multidão fazendo capinagem. Na verdade, isso era algo que eu queria perguntar a você."

Consigo ouvir um discurso, mas não consigo escutar seu conteúdo. Às vezes há reações da multidão, às vezes não. O orado está entusiasmado. Comandante. Teatral. Mesmo sem palavras, consigo ouvir isso em sua voz.

"Veja, o Capinador é um nome intimidador? Acho que você provavelmente tem um bom ouvido pra isso, provavelmente a única coisa que resta para você ser bom. Eu vivo dizendo a ele que é idiota, mas ele vive insistindo. Algo sobre cortar fora pessoas. Faz sentido, mas não faz com que não seja idiota. Então, o que você acha, hein? Isso inspiraria medo? Respeito? Vamos lá, olhe para mim e me dê uma resposta direta."

Eu tento entender o assunto, mas as paredes não permitem que passe nem mesmo uma única sílaba interpretável. Não deve ajudar que minhas orelhas estejam cortadas, mas a magia que me mantém vivo é a mesma que permite ver com olhos de vidro, e a perda de minhas orelhas não é tão prejudicial quanto se poderia pensar.

"Cativante, hein?"

Eu me viro para Gina.

"O que você está ouvindo agora, isso é a chefia. Chris é ótimo cara-a-cara, mas a chefe, ela sabe comandar uma multidão. Ela é o Tio Sam, por assim dizer. Recrutadora. Estrategista. O Gênio. É meio engraçado, eu, Aggy, e Chris já éramos uma unidade antes dela aparecer, mas assim que ela entrou na sala, ficou claro quem era quem. A chefe era o chefe no primeiro dia. Ela era exatamente o que estávamos procurando. A cola para fazer toda a operação começar a se mexer, sabe? Aposto que você sabe, porque uma vez, você achou que era feito do mesmo barro, não é?"

Não digo nada.

"Se você for esperto, você vai ter percebido que não é. Mas se tivermos sorte, você é tão arrogante e cheio de si, lá no fundo, quanto era quando o pegamos."

A plateia dá uma vaia alta.

"Ah, essa é a minha deia. Ah, porra. Certo, escute aqui, figurão. Você quer ser aquela pedrinha que o Chris diz que você é? Ou você quer ser uma rocha? Porque a questão é que você tem uma última chance."

Minha testa franze, e os cortes na minha cabeça enrugam e escorregam com uma sensação de ardor quente.

"Não tenha ilusões. Você vai morrer. Não algum dia, longe no futuro, mas agora mesmo. Você tem meia hora no máximo. Mas você pode aproveitar ao máximo cada um desses trinta minutos. A qualquer momento agora, a Senhora Red vai me dar minha deixa, e eu vou empurrá-lo para o palco. Ela vai tagarelar por um segundo sobre justiça e tudo isso, e você vai ficar parado bonitinho e calado, ela vai perguntar se você tem alguma última palavra. Está me entendendo até agora?"

Eu balanço com a cabeça no ritmo de um caracol.

"Esta é sua última chance de ser uma rocha. Não uma pedrinha, mas uma rocha grande, gorda e pesada. Você pode fazer ondas, aqui e agora. E se eu te entendi corretamente, e tenho quase certeza que sim, então vou assumir que você não se importa com que tipo de ondas essas serão. Você só quer fazê-las. Se você fizer esta noite bombástica, dramática, emocionante, espetacular, então todas essas pessoas, cada uma dessas quase mil pessoas lá fora, elas vão lembrar de você. Elas vão lembrar de você pelo resto da porra dos tempos. Então, você quer fazer ondas?"

Eu só a encaro.

"Eu disse, você quer fazer ondas?"

Eu só olho novamente. É difícil vê-la na quase escuridão do que percebi ser os bastidoras, mas há uma intensidade em seus olhos que perfura a escuridão e atravessa minha alma.

Eu engulo em seco.

Eu balanço a cabeça.

"Então você vai fazer o discurso mais importante que você já fez, para a maior multidão da qual você já esteve diante, e você vai participar. Entendido?"

"Entendido," eu solto.

"Tudo bem. A propósito," ela pega a pouca luz que há na lâmina de uma faca, "última chance de ser decente antes de entrar no palco. Não tenho certeza se você se importa se o mundo ver ou não o seu pau."

"Não, não, obrigado."

"Certo, então tente não ficar envergonhado. Ou excitado, se você é todo exibicionista ou algo assim. Não que eu tenha certeza de que seu corpo aguente ter uma ereção de qualquer maneira."

Meu peito, vazio e substituído por outros órgãos mais carnudos, ainda aparece apertado com a mesma leve ansiedade que sentia antes de ir na frente de uma multidão. Engraçado que eu nem deveria ter sentido isso. Então, eu escuto. As primeiras palavras que consigo entender desde o início do show.

"Apresento a vocês… o primeiro… o único!"

Gina me puxa para fora do banco e me leva para a fonte da luz tênue e filtrada, que logo descubro ser a ala de um palco. De lá, eu vejo a chefe. Eu vejo a Senhora Red. Ela não é nada como eu imaginava. Primeiramente, ela é jovem. Bem jovem. Se ela não estivesse comandando a atenção do público com tanta graça, e ganhando a obediência de três mais velhos que ela, eu a colocaria como uma adolescente.

Sua pele é de um marrom intermediário que poderia pertencer a qualquer raça em todo o globo, e seu rosto é igualmente sem lugar.

Sua roupa é vermelha, como os duendes, mas não é áspera. É sedosa, é lisa. É o mesmo vermelho carmesim que os duendes usam, mas na forma de um vestido com fenda na coxa direita, por baixo do qual ela usa calças vermelhas um pouco mais escuras. Seus sapatos também são do mesmo verde floresta que os duendes usam, mas são sapatos engraxados, sapatos chiques. Do único lugar em seu corpo que se pode ver seu quadril por baixo do vestido, pode-se perceber que ela também tem um cinto verde floresta. Mas há características mais dominantes em seu traje.

Originando-se de seu quadril esquerdo, há um grande desenho verde em espiral que cobre um terço de seu vestido e parece ter uma terceira dimensão, ficando um pouco acima da seda do vestido. E quando ela se vira para mim, noto as peças finais e mais preocupantes.

A primeira é a espada que ela carrega na mão esquerda. Ela é longa, e é plana no final, fazendo um retângulo de uma lâmina. Em sua extremidade, há três pequenos triângulos que, se vistos como pontos, formam um triângulo maior. Um design de muito tempo atrás. A lâmina de um carrasco. Esta é a arma com a qual serei morto.

A segunda é que seu ombro esquerdo está exposto, e nele está tatuado um desenho de árvore, em que os galhos formam a forma de uma mão e o tronco se estende em forma de cobra. De todos os meus inimigos, esses eram os que eu menos esperava que tomassem tanto cuidado para ver minha destruição.

"Apresento a vocês…"

Senhora Red estende um braço em minha direção e sorri com um vigor e estrelato que raramente, ou nunca, vi tão claramente no rosto de outra pessoa. Quando sou empurrado para o palco pela Gina, caio sem a ajuda de me apoiar nela, meus joelhos quebrados desabam sob mim e me fazem cambalear. Eu me seguro com um braço, mas isso me desequilibra, e simplesmente caio sobre um lado, de repente em uma posição muito semelhante à que peguei na van.

"Herman Fuller!!"

A multidão suspira e fica em silêncio. Meu rosto deve ser horrível. Minhas orelhas se foram, meu braço esquerdo está faltando, meus joelhos estão quebrados e minha barriga estourou. Além disso, cada centímetro do meu corpo está coberto de cortes superficiais. Eu respiro pesadamente e tento chegar pelo menos a uma posição joelhada. Senhora Red continua.

"Esta é uma mensagem tanto para nossos amigos quanto para nossos inimigos. Vejam! Aqui está o que abrange a própria natureza do que pretendemos destruir, correndo livre. Deixado sem ser caçado, invicto, impune por seus pecados contra a humanidade. Quando nós o encontramos, ele estava entre novos amigos, novos conhecidos, pronto para reconstruir o que havia sido tirado dele, a ganância mais uma vez incentivando sua necessidade de recriar, manipular e aniquilar. Não houve justiça para nosso querido. Sr. Fuller, não por quarenta anos. Ele foi preso pela última vez em um destino pior que a morte — uma armadilha de sua própria criação, on dele foi forçado a ser uma figura de cera e perambular por um palco, forçado a cantar e dançar a mando de qualquer um que quisesse. Uma atração, vejam bem, ao que ele submeteu dezenas de rivais e inimigos. Um inferno do qual apenas um homem retornou e, na mais cruel e profunda ironia do mundo, ele escolheu libertar a própria fera."

Ela aponta a espada para mim como um professor faria com um ponteiro, mas vira a cabeça para o lado como se não suportasse olhar para mim. Eu sou muito nojento, um monte de sujeira que foi jogado no palco.

"Vocês suspiram agora, mas vejo dentro de vocês que há pouca culpa na plateia. As armadilhas da sociedade nos disseram para sentir por nossos semelhantes, mas sei que há aqueles entre vocês que podem ver que ele não é um semelhante! Ele é um monstro, uma criatura, e sua essência mais pura é feita de riqueza, poder e status. Mas admito, sua vilania é antiga, seu nome não é tão conhecido como antes. Há rostos jovens na plateia, aqueles que podem não saber das tragédias que tal homem pode forçar a existir! Vocês duvidam que ele mereça tal destino, se mutilado de tal maneira, abatido como um animal no palco! Talvez aqueles na plateia que saibam de suas transgressões gostariam que eu iluminassem os inocentes e ingênuos sobre suas obras em seus muitos anos de traição?"

Um murmúrio percorre a multidão enquanto encontro a força e o equilíbrio necessários para pelo menos estar de joelhos, mas assim que Senhora Red começa a próxima parte de seu discurso, ela "acidentalmente" bate no meu rosto com o lado largo da lâmina, reiniciando meu progresso.

"Então que comecemos!"

As luzes do palco se apagam e velhas juntas de metal rangem enquanto uma tela de projetor abaixa. Estranho, que hoje em dia, projetores ainda encontrem uso. O projetor liga, embora eu não possa ver a imagem. Ainda estou lutando para recuperar meu progresso quando Senhora Red começa a falar novamente.

"O que vocês veem diante de vocês é a imagem mais antiga conhecida de nosso querido Herman, cerca de 1864, quatro anos antes de fundar seu império, o Circo das Perturbações de Herman Fuller, em 1868, três anos antes de Barnum e Bailey o ofuscarem, em 1871. A partir de então, Herman tornou-se implacável. Um miasma de ilusões, delírios e conluios. Eu sugeriria que alguns desviem os olhos das fotos que mostrarei a seguir, mas se algum de vocês for melindroso, suponho que já tenha saído na hora em que nosso amigo aqui chegou. Agora listarei as atrocidades cometidas, pelas quais achamos justa nossa punição a Herman. Ahem."

Os projetores agora estão conectados a computadores, não há necessidade de um clique quando os slides mudam. Mas há um de qualquer maneira. A multidão suspira com uma cena que não veja. E então de novo, e de novo, à medida que os slides continuam a mudar. Fotos em preto e branco, do que só posso imaginar serem as piores partes de minhas obras, capturadas na câmera e exibidas para todos verem. Senhora Red começa sua lista enquanto os slides continuam

"Abuso de animais, chantagem, conspiração…"

Finalmente estou de joelhos, uma mão no chão. O próximo passo é me inclinar para trás para que meu traseiro fique sobre os pés. A dor dessas ações não registra mais. Estou imune, estou dormente.

"…roubo, extorsão, incêndio criminoso, agressão, agressão sexual, abuso infantil…"

Eu alcanço a posição, e a dor em meu corpo se torna grande o suficiente para me fazer parar. Eu aperto meus olhos e tento me forçar a um estado de espírito mais estável.

"…sequestro, estupro, assassinato, tortura, tráfico humano. Mas chega de legalidades. Por que vocês deveriam se importar? Essas coisas aconteceram há cinquenta anos ou mais. Alguns de vocês — a maioria de vocês — nem sequer tinha nascido. E daí? Vocês se perguntam. E daí isso, eu digo." Ela aponta a espada para mim, mas não tira os olhos da multidão. A única luz sobre nós é do projetor, enquanto os slides continuam a passar. "Vivemos em um mundo onde homens como este correm livres, sem justiça, sem punição, para continuar estuprando e matando inocentes. Vendendo pessoas como escravas, acumulando riqueza sem controle e equilíbrio. Será que o mundo é seguro, um que permite que Herman Fuller escape impune? Que permite que ele viva seus dias, sem se importar coma devastação que ele deixa em seu rastro? As famílias que ele despedaça? Ele deixa cicatrizes onde quer que vá. Nas mentes daqueles que encontra, nos corações daqueles que o conhecem. Indiscutivelmente, os sortudos morrem. Aqueles que escapam são atormentados para sempre."

Ela está exagerando meu impacto neste mundo. As "ondulações" que criei, que eram tão pequenas quando Chris mencionou, são tão grandes quando ela as diz em voz alta.

"Vocês conseguem mesmo contemplar toda a magnitude dessa escória e concorda consigo mesmo que ele não merece o que acontece com ele? Eu convoco um desejo mais profundo. Não o desejo de viver confortavelmente. O desejo, em vez disso, de fazer o que deve ser feito. Para que o mundo seja melhor, para que nossas vidas sejam mais livres, nossos espíritos mais elevados. Este é um homem que deseja tirar tudo isso de nós, que vê o sistema como uma série de façanhas, uma escada que pode ser escalada com os degraus certos, e ele não se importa com quem ele chuta dela se isso significa levá-lo mais alto. Então eu pergunto novamente. Se há alguém nesta plateia que deseja falar contra a morte de Herman Fuller, levante-se agora e mostre a ele quantos amigos ele ainda tem."

Ninguém se levanta.

"Quem aqui está cansado dos sistemas que permitem que homens como Herman persistam, existam, sem repercussão? Quem aqui já viu os poços mais escuros e disse a si mesmo, tenho que fazer alguma coisa? Quem aqui trabalhou duro a vida inteira e só manteve sua posição enquanto homens como Herman ganham riqueza e poder por meio de assassinato e exploração?"

Viro-me para a tela e vejo os horrores que trouxe para este mundo. Mãos sem dedos, corpos inchados, cabeças decapitadas, crianças nuas algemadas. A multidão ondula com afirmação.

"Este é um voto. Um voto de que os vis não permanecerão no poder. Que eles não manterão seu controle. Este é o começo de uma longa cadeia, uma revolução. Os Hermans do mundo não sairão impunes. Eles não escaparão. Quem deseja ver um mundo livre de tirania?"

A multidão irrompe em concordância.

"Então permitam-me fazer uma pesquisa agora." Senhora Red levanta sua espada para cima com uma mão e mantém seus quadris em posição ampla. "Eu levanto minha lâmina em nome daqueles que nunca tiveram a chance. Eu faço o que a lei não faz, eu faço o que deve ser feito. Eu executo. Não apenas pessoas, mas planos. Que queles que morreram nas mãos deste misantropo, me deem a força necessária para matá-lo. Agora, todo mundo," ela aponta a espada para mim. "Quem aqui é a favor de deixar um psicopata correr livre?"

A multidão vaia alto.

"Quem aqui é a favor de um mundo melhor?"

A multidão urra e uiva, se levanta e grita.

"Sinto uma aura de justiça nesta sela esta noite! Com essa energia, o fogo da humanidade é reacendido, o poder de agir despertado de seu sono! Com esse poder," ela aponta a lâmina para mim, "eu te condeno à morte. Você teve sua chance nesta vida, você pode ver seus erros pelo que eles são na próxima. Alguma última palavra, Fuller?"

Só agora levanto a cabeça e encontro seus olhos. Eles são de um verde lustroso, cheios de todas as espásticas da juventude. A multidão espera ansiosa enquanto os slides continuam. Um holofote brilha sobre ela e eu, um enquadramento dramático dos meus momentos finais. Não consigo distinguir os números da plateia, mas de alguma forma duvido da estimativa de Gina. Quase mil? Tal número não caberia em um palco subterrâneo. Eu me encontro sem palavras.

Além da Senhora Red e do outro lado da ala, Gina acende uma lanterna nos bastidores e a ilumina no rosto. Ela faz com a boca: "Agora! A hora é agora!"

Estou morto em breve de qualquer maneira. Nenhuma ameaça de tortura adicional espera. Não tenho incentivo para fazer nada além de morrer. Gina me deu um breve momento de confiança, mas ela me deixou. Assim como comecei esta jornada, termino ela com apatia.

"Não," eu digo.

Senhora Red levanta as sobrancelhas. Ela espera mais do que precisa, e então encolhe os ombros. "Seu silêncio diz tudo o que precisa." Vejo Gina me encarando com um fogo que não vi uma única vez durante meus dias na cela. A lanterna se apaga e ela se perda na escuridão dos bastidores. "Este é o fim da história de Herman Fuller." Eu vejo um ponto vermelho onde Gina estava. Não, maior do que apenas um ponto, é um círculo, e está se movendo. "Que cuspam em suas memórias e seu túmulo não seja marcada." Um dedo toca o círculo, e ele se torna um quadrado. Então, percebo que o símbolo estava em uma tela. Então, percebo que o símbolo estava em uma tela. Uma tela que se torna invisível quando o dispositivo — o smartphone — é virado para mim. Senhora Red fica ao meu lado e levanta sua lâmina. "Até."

"Espere," eu ordeno.

Meu palco de repente fica muito maior, minhas instalações muito mais grandiosas, meu público muito mais numeroso.

"Eu disse que não, porque tenho mais do que palavras finais."

Começo a me levantar e agora percebo a poça de sangue que deixei. O holofote segue minha subida, segue até mesmo meus tropeços e luta para ficar de pé sobre joelhos quebrados. Outros homens não conseguiriam, mas meu corpo fodido, unido por cola e magia, me permite. A dor do meu peso em meus ossos quebrados seria demais para suportar, se não fosse por um simples fato.

Estou sendo gravado.

"Você deveria saber, Red. Eu nunca tive alguém me dissecando tão completamente." Eu agarro minha barriga cortada enquanto digo isso. "Se eu não estivesse em uma situação tão difícil, eu poderia insinuar um fascínio além de apenas pesquisa, hmm? Ha, ha, ha. Mas depois de todo esse estudo, você realmente espera que eu vá sem um estrondo? Sem graça, sem grandes gestos? Isso carece de drama. Carece de finalidade. Então não, eu não tenho palavras finais. Eu tenho um ato de encerramento."

Começo a sorrir, e agora estou totalmente de pé.

"Eu o chame de… Um Homem Exposto. Quer ouvir?"

Ela me olha com curiosidade, e então coloca sua lâmina em seu lado.

"Bom, Espectadores, ouvintes!" Minha voz rouca dificilmente consegue ser tão estrondosa quanto eu quero, mas eu aproveito ao máximo o que tenho. "O que vocês veem diante de vós são os restos de um rei, um faraó em carne e osso! Nasci na pobreza, a apenas três passos da vala, e vejam o que eu me tornei. Da pobreza à riqueza. Vocês esperam que um homem com nada a perder desperdice sua chance de ganhar tudo? Eu impunha respeito!"

Eu ando pelo palco mesmo quando meus joelhos e minha barriga me dão todos os motivos para me enrolar e cair. Faço gestos tão selvagens e bombásticos quanto posso com apenas um braço.

"Comecei como um show de um homem só e ganhei compatriotas, parceiros de negócios. Mais cedo do que pude perceber, fui jogado no mundo da magia. O inalcançável, obtido. Todas as necessidades básicas satisfeitas, eu pude começar a atender aos meus desejos. Eu tinha a vontade e os meios para chegar ao topo. Isso não é natural? Um homem sábio uma vez me disse que a vida ideal é uma série de aquisições. Ele tinha muitos ditados do tipo. Se ao menos suas mãos pudessem escrevê-los, mas infelizmente…" O sorriso estava me tomando, erguendo minhas bochechas e alcançando meus olhos. "Sua habilidade de fazer malabarismos com espadas era muito mais impressionante sem elas."

Eu rio, e a plateia murmura.

"Então, você tem que quebrar alguns ovos para fazer uma omelete! O que é um osso quebrado para um bom show! É uma isca para ganhar um público cativo. Humanos têm uma curiosidade mórbida com o desfigurado e mutilado. Veja! O homem sem braços e sem pernas é capaz de pegar, acender e fumar um cigarro. E quando não havia atos para contratar, nós os fizemos. Crianças podem crescer em formas tão estranhas se você as tratar corretamente, não é?"

Eu rio, e desta vez alguém na multidão vaia.

"Sim! Vaie! Mas não ganhei? Não consegui o que me propus a fazer? De quem é o nome, que ainda anda no circo mesmo depois que me depuseram, hein? Então chamem o mundo de cruel, chamem o mundo de louco, ou talvez vocês possam simplesmente me chamar de inteligente e deixar por isso mesmo." As vaias começam a dominar meu discurso.

"Pare, antes que você se envergonhe."

Red dá um passo à frente. Seu olhar, seu sorriso, cheira a condescendência.

"Me envergonhar? Tal coisa não existe, no palco. Se você começar a se sentir envergonhado, você brinca com isso. A coisa mais importante é fazer um respingo."

"Você realmente acha que um mundo em que todos agem como você funcionaria?"

Ela gesticula para o público enquanto diz "todos". Sua postura, sua cadência… Não me surpreenderia saber que ela nasceu em um teatro.

"Todo mundo?" Minha voz não soa tão expressiva quanto eu gostaria, e meu rosto encerado não me deixa abrir meus olhos tanto quanto eu gostaria. "Meu deus, não. Você deseja ouvir como o mundo funciona?" Seu sorriso cai e ela começa a apenas encarar.

Eu continuo. "O mundo funciona perfeitamente bem quando você percebe que há duas castas de pessoas. Há montanhas, e há colinas. Aqueles que tomam, e aqueles de quem se toma." Eu levo minha mão ao peito. "Vencedores…" Eu balanço minha mão para o público. "…e vítimas." Desperto vaias mais uma vez, mas levanto minha voz sobre a multidão. "A vida é uma batalha entre os vencedores. Quando eles se encontram, eles se tornam inimigos ou aliados incertos. As vítimas são aqueles que não são fortes o suficiente para se tornarem vencedores. As vítimas são recursos a serem usados, peões. Você para para considerar o mérito de um dado antes de lançá-lo? O espírito de uma bola antes de jogá-la? Tais coisas não lhe ocorrem, pois estas estão abaixo de você. Isso, é isso que vocês são para mim. Então lamentem por seu homem caído. Lamentem por eles porque se vocês não se levantarem e começarem a chutar, vocês jamais chegarão ao próximo nível. Vocês estarão para sempre no fundo, reclamando sobre a própria existência do topo."

Objetos agora estão sendo jogados em mim. Não tomates podres, mas lápis, pastilhas para tosse, pedaços de papel amassados — qualquer coisa que possam ter neles. Lixo. Abro a boca para gritar para a multidão o melhor que posso, mas uma lâmina pressiona contra minha garganta.

"O povo falou. Receio ter que tirar o chão debaixo de você."

Faço contato visual com Red. Há raiva em sua expressão, mas há algo mais profundo em seus olhos. Passei minha vida inteira olhando através de fachadas. A dela é boa, mas vai precisar de mais trabalho, porque no fundo dos olhos dela, eu vejo… não é simpatia. Está próximo.

É respeito. Ela sabe, então. Ela é uma tomadora.

Eu levanto minha mão em submissão, e a multidão se aquieta. "Que infeliz, eu estava até começando uma música. Teria sido verdadeiramente incrível também." A multidão resmunga enquanto eu paro. Estendo minha mão para a Senhora Red, como se pedisse por uma dança. "Me permite?" Felizmente, ela vê meu gesto pelo que é.

Sim tirar a espada do meu pescoço, ela enfia a mão por baixo do vestido e pega uma pistola. Ela então se aproxima, para segurar o punhal para mim. Eu pego a espada em minha mão, e seu peso me deixa de joelhos. Isso vai servir.

Eu pressiono a ponta chata da lâmina, ainda diabolicamente afiada, contra meu pescoço e começo a tirar sangue. Não meu próprio sangue, mas o sangue que eles enfiaram dentro de mim. Eu vejo isso pelo que é, agora. É um efeito. Sou um espetáculo. Vísceras simuladas para um assassinato real. Minhas bochechas atingem seu pico e meu respeito expande para seu tamanho máximo. Somos vencedores, então. Assim como eu previ, nos encontramos e éramos inimigos, mas isso não significa que somos diferentes.

Meu legado continuará. Eu esperava que fosse ir para meu filho, mas não. O chapéu do apresentador foi passado para ela, agora. Em nosso último contato visual, a comunicação foi silenciosa, mas certa. Ela é minha herdeira. E minha memória viverá.

"Só saiba," eu digo enquanto a lâmina corta onde meu pomo de Adão deveria estar. "que muito depois que você se for, você será esquecida, mas as pessoas ainda se lembrarão do nome de Herman Fuller."

Dou uma última olhada para a ala onde Gina estava e dou uma piscadela. Eu levanto minha cabeça. Com o restante de minha força, a lâmina atravessa meu pescoço perfeitamente.

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