Mergulhando no Mar de San Diego

Central dos Cânones » Central Que Mundo Maravilhoso / Central Aqueles Pinheiros Distorcidos » Assuma Daqui, Minha Querida » Mergulhando no Mar de San Diego

avaliação: 0+x

Capítulo I.IV

Garotas.

Se você foi um garoto que não estava pensando em garotas no primeiro ano do ensino médio, você o faria no segundo ano, e se você não estivesse pensando em garotas até o segundo ano do ensino médio, então provavelmente tinha um armário envolvido. No mínimo, você estava ciente de que isso era esperado de você e, ou assumiu o papel, ou tentou ficar o mais longe possível disso. Eu estava basicamente nesse último grupo. Tim, entretanto, não estava.

Tim investia tanto no jogo do namoro quanto seus colegas. Ou assim ele pensava, e ele deixou transparecer. Era inevitável que a conversa do almoço, pelo menos quatro dos cinco dias da semana, levasse direto a uma discussão sobre seja lá quem fosse o "assunto quente" na hora, muito para o desagrado das meninas que se sentavam com eles.

Nessa semana em particular, no primeiro ano, era Bobbie. Ela era uma garota loira linda de peitos grandes que fazia todos os garotos perderem a cabeça. Bem no fundo de suas almas de babuíno, bem no fundo de seus cérebros de macaco antigos, fogos de artifícios e buzinas aéreas disparavam, dizendo a eles que ela era de longe a melhor, mais grandiosa e mais importante coisa que eles já haviam visto. Até, claro, na semana seguinte, quando seria alguém novo. Mas o cérebro de macaco não pensava tão adiante. O cérebro de macaco estava muito no agora, e agora era Bobbie.

No grande esquema das coisas, Bobbie não era particularmente especial. Ela poderia ser agora, até onde sei ela é uma arquiteta que jurou celibato. Mas naquela época, ela era a "garota da semana." A conversa à mesa era turbulenta, mais do que um pouco superficial e altamente hormonal. Como de costume, cada um dos garotos — exceto talvez Ricardo, que tinha o hábito de ser maduro para a idade — falava sobre como a convidariam para sair. Claro, nenhum deles nunca a convidou. Eles eram todos sonhos e fantasias, a desculpa comum eram as analogias. "Ela está fora do meu alcance," eles diriam. "De jeito nenhum eu poderia falar com ela."

Tim, no entanto, nunca teve essa desculpa. Fora de seu grupo de amigos, não era exagero dizer que Tim era o cara popular. Era ele quem fazia eles serem convidados para coisas exclusivamente de adolescentes, era ele aquele com todas as conexões, ele era o "legal" de seu grupo de amigos. Claro, ele não estava no topo da pirâmide — havia uma casta de intocáveis na escola, e Tim não estava tão alto assim. Isso provavelmente poderia ser atribuído ao fato de que ele realmente se importava com algo.

De qualquer forma, Bobbie era uma garota nova, e as novas ainda não estavam exatamente no topo da pirâmide. Apontando isso, todos os meninos instigaram Tim. "Cê tem que fazer isso, cara," eles alfinetavam. "Agora é sua chance!"

A incitação ficou ainda mais entusiasmada, embora um pouco mais silenciosa, quando viram Bobbie passando, pavoneando-se, mostrando seus bens desde o pátio até o refeitório, onde ela passaria perto da mesa deles. Eva e o resto das garotas estavam nesse ponto, se é que já não estavam, revirando os olhos. Uma delas provavelmente sussurrou: "meninos serão meninos."

Mas Tim fez algo que não fizera antes: ele cedeu à incitação e se leventou. Ele nem esperou Bobbie se aproximar da mesa. Talvez ele não quisesse a possibilidade de seus amigos ouvirem, interromperem ou sabotarem suas chances. De qualquer modo, eles o viram se aproximar, começar a falar… então eles a viram sorrir e entregar um pequeno pedaço de papel.

Tim voltou, radiante, e os meninos começaram o interrogatório.

"Consegui o número dela," disse ele, e a multidão foi à loucura.


* * * * *


Então, naquele fim de semana, Bobbie e Tim se encontraram na praia, um local privilegiado para encontros em San Diego. O sol estava quente, as ondas frescas, a praia fervilhava de vida. Vida humana, mas vida. Bobbie ficara pedindo por outra praia — uma um pouco mais próxima de onde ela morava, mas Tim insistiu nessa. Ela ficou perguntando o porquê, mas ele não falou. Disse que era uma "surpresa." Ela finalmente cedeu, e aqui estavam eles.

Mission Beach. Ela ficava próxima a um monte de casas de veraneio, em sua própria ilhota.

O encontro estava indo muito bem. Bobbie e Tim não tinham muito em comum, claro, mas a conversa fiada e o flerte substituíram muito bem uma conversa real quando o principal motivo de estar ali era a atração física. Ela não pôde deixar de notar, porém, que Tim estava checando as horas com bastante ansiedade em seu relógio. Provavelmente era confuso do ponto de vista de Bobbie. Os sinais mistos de impaciência, mas com engajamento social ativo, a deixavam sem pista alguma. Mas, quando ela tocou no assunto, Tim só sorriu ainda mais e lançou a ela um olhar astuto.

Ele tentou explicar, da melhor maneira que pôde, que em vinte minutos um barco estaria saindo para dar um passeio de mergulho. Bobbie não estava entendendo.

"Você quer ir dar mergulho?" Bobbie perguntou.

"Não exatamente," respondeu Tim. O tempo todo, tinha astutamente direcionado sua caminhada para o aluguer de barcos. e quando eles chegaram, ele deixou seu plano bem claro. Para praticar mergulho, você precisava de uma licença. Mas não havia tal restrição com mergulho livre! Ele havia comprado dois snorkels e eles estavam guardados no barco que alugou, que eles poderiam usar para acompanhar o barco dos mergulhadores. Os mergulhadores sem dúvida parariam em algum lugar perfeito para mergulhar, então eles pulariam por perto e nadariam.

Enquanto explicava isso, os olhos de Tim não poderiam estar mais arregalados, mas Bobbie parecia menos do que impressionada. Ela disse secamente que não iria nadar; ela tinha medo das águas. Como era de se esperar, Tim achou que isso era um completo absurdo. Eles foram à praia, afinal. O que ela esperava que ia fazer?

"Banho de sol," respondeu ela.

Ela até brincou que poderia deixá-lo passar protetor solar nela. Bem, esse era um pensamento tentador para o Tim adolescente. Ele não era um estranho para encontros românticos neste ponto — sendo o festeiro que ele era, ele teve seu quinhão de casos e relacionamentos de um mês. Então, talvez ele tenha pensado: "Já passei por essa ladainha antes." Talvez não fosse tão atraente porque ele já tinha feito isso.

Mas acho que, independentemente das circunstâncias, suas prioridades teriam sido mais ou menos as mesmas.


* * * * *


Tim subiu no minúsculo barco branco, incontrolavelmente animado para mergulhar na baía. Sair com uma garota era uma desculpa perfeita para gastar dinheiro. "Não é tudo para mim," ele teria dito a si mesmo. Mas, no fundo, ele sabia que estaria mais disposto a isso do que Bobbie. Ele talvez não esperasse ir sozinho, mas tudo bem. Ele não se importou nem um pouco.

Assim que ele viu o azul e verde do barco de mergulho, ele saiu voando das docas e os seguiu à distância. Assim que eles pararam e estavam a pular na água, Tim prendeu seu snoprkel e mergulhou pela primeira vez na vida.

Quando Tim contava a história, era bem aqui que ele ficava ainda mais bobo sobre estar sob as ondas e observando todos os peixes. Não acho que haja tantos peixes dando sopa bem ali perto da costa, mas, pelo jeito que Tim contava, o mar estava lotado de vida.

Talvez estivesse, para alguém que sempre esteve na cidade.

Mas isso não quer dizer que não haja alguma beleza natural e cativante na imensidão de azul que de repente cercava TIm.

Através do oceano nebuloso, ele conseguia distinguir rochas escarpadas abaixo, com peixes nadando para dentro e para fora das fendas e buracos perfurados por erosão ou microrganismos. Tim não tinha certeza, ele só sabia que os túneis circulares nas rochas não pareciam naturais, e ele mentalmente marcou isso como um ponto de interesse para a próxima vez que ele fosse à biblioteca.

Acima dele estava um espelho cintilante. Era impossível ver através da superfície da água, mas aqueles padrões, as ondas, vistos de baixo, eram hipnotizantes, atraentes, impressionantes. Como uma barreira de vidro líquido entre o mar e a superfície.

De volta à praia, ele conseguia às vezes distinguir as ondulações e a barriga que marcavam os barcos e, com mais frequência conseguia ver os chutes da perna de alguém ou o plástico brilhante de um flutuador. Voltando-se para o oceano, ele viu…

Azul. E apenas azul. Depois que as poucas folhas flutuantes de algas marinhas sumiram de vista, tudo o que havia para ver era o azul impenetrável do desconhecido. Para alguns, isso é assustador. Diabos, para o Tim, foi assustador. Mas ainda mais do que a vida esparsa abaixo, isso exigia sua atenção. Se desligando do resto do mundo, Tim apenas olhava para a escuridão hipnótica. Ela falava de todo um mundo inexplorado. Em algum lugar além de San Diego. A apenas uma viagem de barco de distância, Tim podia estar longe da civilização, a grande selva molhada de horizonte a horizonte.

Mas Tim não pôde experimentar a vista por muito tempo.

De uma forma estranhamente cativante, temos uma boa ideia do quão emocionante a cena deve ter sido para ele. Sua primeira vez em tempo real fora da cidade, rodeado pela natureza. Ele começou a sentir palpitações, sua frequência cardíaca aumentando de intensidade.

A última coisa de que ele se lembrava eram tartarugas marinhas, aparecendo de repente e nadando em sua direção.

Mas foi então que ele desmaiou.


* * * * *


Ninguém sabe exatamente quanto tempo se passou até que a Edna recebesse a ligação de que seu filho estava no hospital, mas, quando ela recebeu, ela quase saiu correndo da cirurgia de um gato em sua clínica. Por razões que devem ter sido mantidas apenas em memórias há muito esquecidas, Elliot nunca chegou ao quarto do hospital, mas boatos levaram a informação a vários amigos de Tim. Primeiramente, por ser a pragmática que era, Edna ligou imediatamente par aa escola para informar que Tim estaria em licença por tempo indeterminado, explicando que ele provavelmente ficaria no hospital. A mãe de Blake trabalhava no escritório e ouviu isso, o que levou Blake a descobrir logo depois, e depois disso, todos que fossem querer saber, sabiam.

Edna mal registrou que Ricardo e Pablo já estavam no saguão do hospital enquanto corria para ver seu filho. Uma enfermeira a conduziu até onde ele estava deitado, inconsciente, respirando irregularmente. As enfermeiras explicaram que ele havia sido levado de ambulância de Mission Beach, onde estivera próximo a alguns mergulhadores. Ninguém sabia quanto tempo ele ficou inconsciente antes de notarem-no flutuando mole por aí, snorkel pouco acima da água, em direção ao mar azul profundo. Assim que puderam, eles o puxaram para o barco, voltaram para a costa e chamaram a emergência. Tinha até um dos instrutores de mergulho no saguão, esperando que o menino se recuperasse rapidamente.

A boa notícia era que ele não inalara água. A má notícia era que eles não sabiam o que estava acontecendo. Edna perguntou o que eles fizeram. Disseram que o trouxeram para o pronto-socorro, fizeram uma tomografia computadorizada, um EEG e não encontraram nada. Edna não considerava isso uma coisa boa. Havia algumas razões para isso.

Em primeiro lugar, ele ainda estava apagado. Pessoas geralmente não desmaiam por tanto tempo. Mas antes que Edna pudesse reclamar, Tim começou a resmungar e a se sentar. Depois de alguma confusão, Tim foi informado e ficou cético, mas seus protestos foram ignorados com Edna e a enfermeira voltando a conversar.

Tim não prestou muita atenção, mas algumas vezes Edna se voltava para ele para lhe fazer uma pergunta. Algo sobre seu desempenho na educação física na escola, algo sobre sua respiração, e isso foi tudo o que ele ouviu. Por fim, Edna colocou a mão no peito de Tim de repente.

"O que foi, mãe?" Perguntou Tim. "Eu só desmaiei no meio do oceano em uma viagem de mergulho para a qual você nem sabia que eu estava indo, qual é o problema?"

Talvez ele não tenha dito isso exatamente assim.

Mas Edna explicou a ele que sua família tinha um histórico de problemas cardíacos — especificamente tumores. Ela tinha esperança de que ele não tivesse pegado nada disso, mas com esse evento, ela não podia ignorar isso. Eles estavam no hospital e ele faria um ultrassom.

Tim, é claro, achou isso ridículo. Ele estava bem, sua respiração havia voltado ao normal, ele tinha certeza de que era um acontecimento único. Mesmo enquanto a máquina de ultrassom era trazida, Tim tinha um sorriso perplexo, como se ele não pudesse acreditar que eles estavam realmente perdendo tempo com isso.

Mas o clima era diferente no saguão.

Blake, Ricardo, Pablo e Eva percorreram todo o trajeto para sentar e se preocupar juntos. Pablo estava fazendo sua lição de casa, mas Ricardo, Blake e Eva estavam muito consumidos para fazer qualquer coisa além de sentar. A testa de Ricardo estava franzida, a camisa de Blake estava abotoada erradamente e Eva batia com as chuteiras no chão em uma velocidade trauteante. Ricardo esperava que, fosse o que fosse, não fosse culpa do Tim.

A conversa fora breve e eles tentavam manter o tom leve. Não era uma sensação divertida ter um bom amigo no hospital. Era menos divertido não saber qual era o problema. Era pior ainda sendo ele o Tim. Com exceção de Blake, Tim era a cola para o grupo da mesa. Quando ele não estava na escola, alguns deles até saíam para outros lugares do campus. Ele era o socialite que fazia com que todos ficassem juntos. Blake estava terrivelmente ciente de quanto seu círculo fecharia se Tim estivesse fora de cena.

Eva tinha acabado de começar a ir de um lado para o outro quando Tim foi levado para fora. A resposta foi tão imediata que eles não tiveram tempo de processar o grande sorriso idiota que Tim tinh no rosto antes de ser repreendido com perguntas sobre sua saúde. Ele disse a eles, depois de alguns protestos e outros "não é nada", que tinha problemas cardíacos.

A moral morreu na hora.

Mas Tim continuou. Ele tinha mixoma cardíaco — um tumor benigno em seu coração. Isso colocava certas coisas em perspectiva. Tim sabia, por si mesmo, que não era muito atlético. Ele engordara um pouco porque exercícios o deixavam muito cansado e com a cabeça leve, muito mais rápido do que seus colegas. Ele sabia que quando caminhava com seus amigos, ele tendia a atrasá-los. Mas, para Tim, isso só foi um momento de "ata". Não exatamente a reação que os médicos esperavam dele; eles recomendaram que ele fizesse uma cirurgia, mas eles não conseguiram fazer que Tim cedesse.

"Benigno?" perguntara ele a eles.

"Benigno," eles confirmaram.

"Então ele não vai me matar?" tentou ele.

"Aumenta bastante o risco de insuficiência cardíaca, mais tarde na vida," disseram a ele.

"Mas não vai crescer?"

"Não."

E isso era tudo que ele precisava ouvir. Ela sabia que a cirurgia seria cara, que seus pais não iriam fazer parte dos gastos. Ele decidiu que ele faria a cirurgia mais tarde na vida, se precisasse. Quando fosse seu próprio dinheiro, e não de seus pais. Claro que havia preocupações, mas as de Tim não estavam entre elas.

Tentando elevar a voz acima das perguntas, tentando interpor entre o alívio e a preocupação, Tim estava sinceramente aborrecido por ninguém parecer querer ouvir sobre sua viagem de mergulho. Cada vez que ele tocava no assunto, eles ficavam mais preocupados com o fato de ele ter desmaiado do que com o que ele vira. O instrutor de mergulho ficou aliviado por ele estar bem, Eva parecia mais envolvida do que Tim realmente esperava, Blake não conseguia parar de tagarelar nervosamente e Pablo deu-lhe um pequeno abraço. O único que parecia estar calado era Ricardo. Na verdade, Tim achou que ele parecia um pouco zangado.

Ele finalmente cedeu e começou a responder às perguntas deles. Perguntas sobre o quão ameaçador foi, perguntas sobre o que ele estava planejando fazer a respeito. Perguntas, perguntas, perguntas. Nesse ponto, Tim só queria estar em casa. Seus amigos não estavam dando tanto suporte quanto ele esperava.

Pouco depois, o estado de seu coração havia praticamente deixado sua mente, e tudo o que restava era a alegria de ter estado debaixo d'água. Durante os meses seguintes, tartarugas substituíram as lagartas e seus diários estavam cheios de fantasias de ser um marinheiro. Nos dias seguintes, ele tirou uma folga da escola. Ele recebeu muitas visitas e ligações de amigos e familiares, fazendo todo tipo de perguntas, mas tudo o que obtinham em resposta eram sorrisos e dispensas. Tim ficou mais desapontado com o fato de ninguém estar perguntando sobre o mergulho. Eles estavam todos presos nessas "coisas pequenas", como seu bem-estar e seu coração. Eles achavam que ele estava passando por uma fase difícil.

Eles não poderiam estar mais errados.




« Blake Tillerson | Histórias Que Meu Pai Me Contou | Os Começos do Amor »

Salvo indicação em contrário, o conteúdo desta página é licenciado sob Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License