Central dos Cânones » Central Que Mundo Maravilhoso / Central Aqueles Pinheiros Distorcidos » Assuma Daqui, Minha Querida » Elliot e Edna Tiveram um Filho Chamado Tim
Capítulo I.I
Os suaves raios do sol poente de verão deslizavam pelas folhas e galhos acima, pontilhando o riacho claro e sinuoso com um arranjo de pontos, manchas e linhas brilhantes que se moviam em conjunto com o vento vindo do mar distante. Anos cortando gastos no transporte público de Nova York ironicamente prepararam meu coração para as longas caminhadas na floresta que eu tantas vezes fazia. Era estranho pensar que eu tinha menos dificuldade do que ele.
Em algum lugar próximo, o baixo pio de uma coruja passou pelo mato. Eu reconheci e identifiquei o chamado apenas um instante após ouvi-lo; eu estava a adquirir uma variedade anormal de conhecimentos sobre a vida selvagem por meio de osmose. Eu ainda me sentia mais confortável em meu escritório mas, apenas em virtude do meu trabalho, comecei a coletar uma galeria de ecologia em algum lugar nos recessos mais profundos de meu cérebro. Antes mesmo de ter passado pela minha mente consciente, eu me virei para verificar se estava sendo seguida por uma coruja pintada do norte, já que elas eram conhecidas por estar acostumadas com humanos — conservacionistas irritados usavam até o modismo "domesticadas". Jovens corujas curiosas eram conhecidos por ocasionalmente seguir viajantes.
A ponte sobre o riacho já estava à vista há algum tempo, mas só agora que eu estava prestes a pisar nela é que hesitei. Enfiei a mão em minha mochila e peguei meu tablet, abrindo o e-mail que meu irmão me enviara. Toquei no anexo e ergui a tela para que pudesse ver ela e a ponte ao mesmo tempo.
É.
Era este o lugar.
Sai da trilha para encontrar um pedaço regular de terra, ou uma rocha em que pudesse sentar pelas próximas horas. Uma picada em meus olhos me lembrou que eu não dormira bem. Nunca fui muito boa em cuidar de mim mesma, mas sabia que isso forçava uma linha que eu nunca forçara antes. Já era fim de tarde e eu não esperava voltar para casa naquela noite. Eu me preparei com repelente de insetos, um sanduíche e uma camada extra de roupa amarrada na cintura, para o caso de a noite ficar mais fria do que eu esperava.
Depois de encontrar um local adequado para sentar, fechei os olhos e só escutei. Eu queria entrar em sua cabeça. Afinal, era isso que ele estava fazendo.
Eu ouvia a umidade escorrendo à minha direita e à minha esquerda, as folhas roçando uma na outra, o canto distante dos pássaros. Meu nariz se encheu com o cheiro da terra, e o frequentemente esquecido aroma do riacho. Levei alguns segundos para centrar-me. E então eu estava pronta.
Abri o teclado do meu tablet e abri um arquivo de texto do google. Eu o nomeei simplesmente:
Histórias Que Meu Pai Me Contou
Eu tinha pensado no nome alguma hora na noite passada. Ele ocorreu-me pouco antes de meus olhos cansados finalmente se fecharem pela última vez, apenas uma hora ou duas antes do meu despertador da manhã. Assim que terminei o dia de trabalho, dirigi até aqui, para Sandy, Oregon, para fazer essa trilha. Eu disse à minha família para onde eu estava indo, mas dei uma mentira inofensiva quanto ao porquê. Isso… era para mim, na verdade. Embora eu espere compartilhar no futuro.
"Tim," digitei.
Não. Isso não era adequado. Não para sua primeira menção. Eu apaguei o nome e tentei recomeçar. Mesmo o mais leve dos erros tendo consequências para o meu ritmo.
"Papai," digitei, e isso parecia um pouco melhor.
Papai nasceu filho único de Elliot e Edna Wilson no dia 29 de fevereiro de 1956. Meu avô Elliot era um taxidermista, Edna era veterinária. Seus caminhos se cruzaram quando Edna, infelizmente, perdeu um cachorro cujo dono solicitou imediatamente que fosse tratado. Salvadora de vidas se encontra com preservador de mortes, uma combinação feita nas estrelas acima. Eles se conheceram na costa leste, na verdade, em Boston, mas se mudaram para San Diego porque Elliot não estava muito feliz com sua família e queria ficar o mais longe possível dela. Além disso, eles sempre quiseram ir ao mítico sul da Califórnia.
Praias, palmeiras, surf, óculos de sol, dias passados no sol — os panfletos não precisavam de muito para ter seu interesse no lugar; ele era um criadouro natural de fantasia juvenil. Exceto que, em vez de sonhar, meus avós realmente se mudaram para lá e tornaram disso uma realidade. Edna arrumou emprego em um pequeno hospital de animais de estimação chamado de Clínica Veterinária Cotton Soft. Ela era uma "enfermeira" de plantão lá e trabalhava em turnos de 12 horas todos os dias da semana. Sua reputação a precedia; as Clínicas Veterinárias Cotton Soft eram uma rede, o que significava que o gerente de qualquer estabelecimento não era de fato uma função definitiva. Vovó Edna recebeu a oferta diversas vezes, mas ela nunca aceitou a oferta. Ela vira que seu trabalho já era estressante o suficiente e não queria o fardo extra de uma ocupação ainda mais importante e envolvente.
Vovô Elliot, por outro lado, dirigia um negócio que ele mesmo criou, sozinho. Ele era simples e apropriadamente chamado de Taxidermia Wilson, e ficava estranhamente proeminente no meio de um shopping center que, fora isso, era normal. Vovô Elliot ganhava a vida empalhando os falecidos queridos das pessoas que elas poderiam guardar para sempre (ou colocar em pequenos pedestais como troféus macabros). Ele também fazia troféus de caça de verdade, se as pessoas quisessem, mas não se recebe muitos caçadores carregando alces mortos no meio de San Diego. Vovô Elliot geralmente ficava sentado em seu escritório lá, sem fazer muita coisa, mas parecendo bastante ocupado o tempo todo. Se ele não estava em seu escritório, ele estava fazendo o próprio trabalho sinistro, que Tim estava proibido de ver; Elliot mantinha seu trabalho muito particular e se recusava a fazê-lo para membros da família.
Os Wilsons tinham uma casa nos subúrbios de San Diego, mas Tim sempre gostava de dizer que a casa era uma cama e uma geladeira. Ele estava certo, de certo modo. Depois de um quase incidente com um garfo e uma tomada, sua mãe e seu pai acharam melhor simplesmente deixá-lo acompanhá-los. Eles certamente não confiavam mais em babás. Como o trabalho do Vovô era menos agitado e sua área de trabalho mais personalizável (o negócio era dele, afinal), Tim cresceu em sua maior parte na Taxidermia Wilson. Seu quarto era o escritório de Elliot, sua área de estar era a entrada. Ele tinha um berço lá, e então brinquedos aqui, e quase sempre ele tinha livros ali. Sua verdadeira "babá" era o recepcionista, esse velho que trabalhou para Elliot há tanto tempo quanto Tim estava em San Diego. O nome desse homem era Hank, e você conseguia ver por sua voz que ele vinha de algum lugar do norte. Ele chamava refrigerante de "pop", acompanhava hóquei religiosamente e ensinou Tim a amar a neve.
Enquanto Elliot estava nos fundos, retalhando algum pobre terrier ou seja lá qual animal estivesse lá naquele dia, Hank se certificava de que Tim estivesse ocupado. Meu pai gostava de brincar que Hank era meu segundo avô, porque ele era o segundo pai de Tim. No entanto, suspeito que Tim provavelmente pensava em Hank mais como seu primeiro pai. Hank sempre levava Tim pra almoçar em seus intervalos de almoço e frequentemente passeava pela cidade com ele quando não havia outro pai para cuidar dele. Foi por meio de Hank que Tim conheceu suas primeiras grandes lojas, que explorou colocar os pés no frio Oceano Pacífico, que comia barras de sorvete ou bebia os menores goles de cerveja. Foi por meio de Hank que Tim se tornou aventureiro, respeitoso e amoroso onde seus pais talvez discordassem. Bem, o mais aventureiro, respeitoso e amoroso que se pode ser como um garotinho da pré-escola.
Tim me disse que sua primeira lembrança nem era de seus pais.
A primeira lembrança de Tim era a de compartilhar um crepe com Hank, em algum lugar que dava para ouvir o oceano, e de tentar estender a mão para brincar com a barba grisalha e desgrenhada do Hank.
Bem ao lado daquela memória estava a viagem entre casa e Taxidermia Wilson, que ele fazia com seu pai todas as manhãs e todas as noites, sua mãe lhe dando panquecas com um rosto sorridente, e visitar um viveiro de plantas onde ele fez insetos rastejarem em suas mãos.
* * * * *
Num fim de semana, Edna e Elliot saíram por motivos que podemos supor retrospectivamente serem românticos; Tim não se lembra, e eles não estão mais entre nós para nos contar, mas eles tinham saído e Tim ficou com Hank por um sábado e domingo. Ele provavelmente era o amigo de maior confiança dos Wilsons.
Como tal, depois que a Taxidermia Wilson fechou, tarde numa noite de sexta-feira, Tim abriu as pálpebras pesadas pela metade. Ele estava na cadeira do escritório de seu pai e tinha adormecido brincando com uma caneta de pena (Elliot gostava de caligrafia e usava elas e um tinteiro para assinar papéis). Vovô Elliot estava saindo dos fundos, seu "estúdio", tentando fazer o mínimo de barulho possível. Claro, ele não era muito bom nisso. Ele sempre usava aquelas botas grandes de couro que podiam marchar pelo ártico, e ele tinha um tique nervoso na perna direita que tornava impossível ficar parado. Isso também significava que se ele andasse por um tempo, você poderia ouvir um "passo duplo" suspeito, onde seu pé rapidamente tocaria o chão antes dele firmar o passo.
Depois de organizar as partes de sua mesa com as quais ele havia deixado Tim brincar, ele pegou Tim e o jogou por cima do ombro. Como de costume para Tim, ele geralmente adormecia antes de voltar para casa. Mas desta vez, Vovô e Hank pararam para conversar. Tim sentia preguiça e seus olhos se fecharam.
Quando ele acordou depois, ele estava no banco do carona em um carro que cheirava a cigarro mascarado por um aromatizador de baunilha dolorosamente artificial. Confuso, Tim se endireitou e observou os arredores. Eles estavam em alguma estrada, flanqueados em ambos os lados por palmeiras, com a lua alta e imponente. Olhando para o lado, as fracas luzes elétricas de San Diego iluminavam somente o suficiente do rosto de Hank para torná-lo reconhecível.
Ele estava usando o seu habitual (ou, como Tim gostava de dizer, seu "desabitual"); uma flanela felpuda, um anel de barba, jeans padrão e sapatos pretos polidos. O interior de seu carro estava decorado com mercadorias, adesivos e itens de colecionados dos Wolverines; ele tinha até um boné de beisebol dos Michigan Wolverines no painel que Tim nunca o vira usar. Suas mangas estavam arregaçadas — uma aparência que ele nunca usava no trabalho — para exibir três pulseiras douradas em seu braço direito, cada uma com um pequeno símbolo estampado. Um coração, uma cobra e um floco de neve.
Tim podia lidar com o cheiro.
Era um cheiro de Hank, então era um cheiro bom.
Tim voltou a dormir.
* * * * *
Tim se viu em um apartamento. Ele acordou com a luz da manhã, entrando pelas cortinas, deitado em um sofá-cama desconhecido. Ele estava coberto por um cobertor de lã áspero e sustentado por duros travesseiros vermelhos. Imediatamente dentro de seu campo de visão estava um cabideiro (no qual havia um casaco e uma tira de suor), uma pequena mesa, uma minúscula estante de livros e uma caixa de vidro dentro da qual Tim não conseguia ver de seu ângulo.
Depois de alguns momentos de semiconsciência, Tim identificou uma razão secundária para seu despertar; havia o barulho, e o cheiro associado, de ovos cozinhando. Ele bocejou e tentou se sentar. Tim viu um apartamento bastante pitoresco, pequeno em estatura e verde em cor. Havia uma cozinha, separada do resto da sala por nenhuma porta, onde Hank estava diante de um fogão escaldante.
Mas seus olhos voltaram para a caixa de vidro.
Ela estava sobre quatro pernas e era inclinada. Um mostruário. Mas para quê ?
"Tio Hank," Tim disse grogue na direção do cheiro de ovo, "o que a caixa ?"
Hank se virou levemente para ver Tim se apoiando em um braço.
"O que tem na caixa ?" Tim perguntou novamente.
Hank disse a Tim que teria que esperar, porque os ovos estavam quase prontos.
Tim esfregou os olhos e acreditou em sua palavra. Depois de mais alguns minutos deitado e quase caindo no sono, Hank chamou Tim para a mesinha perto da janela. Os ovos estavam bons, mexidos e impregnados de queijo. Hank até deu a ele suco de laranja. Foi um bom café da manhã. Mas Tim ainda queria saber o que estava no mostruário.
"Certo, vem cá, Timmy," Hank pegou Tim de sua cadeira e o carregou até a caixa de vidro. Era a coleção de insetos do Hank.
Dali, Tim avistou uma grande variedade de insetos coloridos, algo que ele nunca vira corretamente. Ele já vira aranhas, ele teve vislumbres de formigas antes, e ele já viu representações estilizadas deles em livros infantis, mas Tim nunca tinha visto insetos de perto e pessoalmente. A cidade não permite muitos deles, exceto moscas e baratas. Mas o que estava aqui… Tim estava olhando para aranhas tecelãs, aranhas pipas, centopéias, lacraias, bicho pau, percevejos, besouros rinoceronte, joaninhas… era como um minúsculo zoológico congelado.
Hank sorriu, orgulhoso de ter deixado uma criança maravilhada. Ele conseguira o mesmo efeito com truques de mágica simples antes, mas ele não era tão hábil nisso. Colecionar insetos era um passatempo apaixonado, e suspeita-se que ele não tinha minhas pessoas para quem mostrar.
Tim apontava para os insetos, Hank identificava esses insetos. Hank tinha uma seção inteira de besouros, uma seção inteira de aranhas, e cada uma delas era organizada por regiões do mundo. Era menos cara do que Hank gostaria, é claro, mas era uma coleção de bom tamanho. Bem ao lado das libélulas, Tim avistou as pequenas lagartas.
Haviam lagartas felpudas, espinhosas, lisas, curtas, longas, amarelas, verdes, marrons, laranjas e ele se apaixonou por elas instantaneamente. Elas eram como fios de lã com olhos e pernas. Ou às vezes pílulas. Às vezes elas chegavam perigosamente perto de serem bolas. Mas Tim achava que todas elas eram adoráveis. Bem ao lado delas estavam as borboletas.
"Você sabia, Timmy, que essas borboletas são a mesma coisa que aquelas lagartas?"
Tim deu a Hank um olhar vazio.
"Como ?"
Hank explicou que quando uma lagarta atingisse uma certa idade, ela criaria uma casinha para si, chamada de casulo. "Eu tenho alguns bem aqui," disse Hank, apontando para um pequeno conglomerado de casulos. Ele contou a Tim como elas ficam em seu casulo por alguns dias e como, quando saem, elas saem como borboletas ou, às vezes, mariposas.
Mas Tim olhava entre as lagartas e borboletas. Ele não estava acreditando.
"Por que ?" perguntou ele.
"Bem, o objetivo de qualquer animal selvagem é sobreviver," explicou Hank. "A lagarta é vulnerável e lenta. Ela precisa voar para se proteger. Assim como é uma das ideias mais comuns da natureza, é preciso se adaptar para sobreviver. Nenhum animal mostra isso com tanta clareza quanto as lagartas."
Tim estava franzindo a testa.
Hank perguntou o que havia de errado e Tim insistiu que as lagartas eram "perfeitas."
Hank deu uma risadinha. Ele tentou explicar que se a lagarta não se adaptasse, se ela não se transformasse em uma borboleta, ela certamente morreria e nunca se reproduziria.
"Elas não vão morrer !" insistiu Tim, ainda confiante nas habilidades da lagarta.
Hank explicou detalhadamente por que as lagartas faziam o que faziam. Ele explicou sobre a beleza e graça das mariposas e mostrou a Tim todos os seus intrincados padrões alados.
Mas por mais que Hank tentasse, Tim simplesmente gostava mais das lagartas.
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