Embarque

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Os tiros estão em menores números, estranhamente distantes. Dentro da torre ele está debaixo d'água.

O americano, com a câmera, sai na frente. As luzes do elevador param no quarto andar. James corre para as escadas.

Ao terceiro lance de escadas, sua cabeça está girando. Algo na fumaça da fogueira, disse o homem. Que homem? James não consegue se concentrar.

O quarto andar é aberto, as divisórias ainda não instaladas. Fios e tubos estão pendurados no teto. Uma silhueta empurra a janela. Segurando uma arma.

James grita. O americano aponta a arma para James, rosnando. Ele se agacha e começa a correr, quando acontece.

A sensação desaparece, absorvida por uma visão avassaladora. Uma monumental obra de arte, telas sequenciais, cada vez maiores, dispostas como um túnel. Rosas lúgubres, recortados com fitas pretas. Ele pode ouvir o barulho de violinos, parte da instalação.

Então ele está de volta á torre. James pisca, tentando recuperar o equilíbrio. O americano está caído contra uma parede, respirando pesadamente.

Por um momento, eles se olham. Entre eles, um rádio abandonado cospe uma salva de tambores de jazz. O americano recua e então ergue a pistola novamente. James volta para a escadaria.

Para cima não faz sentido, mas mesmo assim ele sobe. Seu pulso bate em seus ouvidos. James ouve o agente passar pela porta abaixo.

"Por que você está correndo?" grita o americano. "Você veio buscar a câmera, então venha pegá-la. Você vai tomar uma bala de qualquer maneira."

James está suando frio e seus pulmões estão escaldantes. Os andares pelos quais ele passa mal são registrados.

Ele tenta se concentrar, pensar logicamente. Os passos que ecoam de baixo são deliberados, mas um caçador composto não grita ameaças. De qualquer maneira, James não é um alvo proeminente. O americano está fora de ordem, pego desprevenido pela chegada de Belén, pela própria torre. James precisa tirar vantagem.

Da próxima vez, quando o conhecimento o atinge, ele é menos avassalador. Com compreensão repentina, ele recebe uma fé religiosa inteira de uma vez. James entende o caminho do povo escolhido, traçado da banalidade a um paraíso de dor perfeita. Uma eternidade de sofrimento como fuga da vida sem sentido. A esperança de que a agonia provoque uma maior consciência, ou uma comunhão com essa consciência. Conforme a sensação passa, James se pergunta. Este não é um credo do qual ele já ouviu falar.

No décimo quinto andar, ele desacelera, respirando pesadamente. Bem abaixo, ele vê uma forma que reconhece - a câmera! No último segundo, ele recua. A escada pisca em branco.

"Seu idiota!" grita James. "Você vai derrubar o prédio." A ideia de concreto não pode ser resistente.

Abaixo, o agente grita algo de volta. Ele está muito longe para ser ouvido claramente. James faz uma pausa, e então a arma dispara. Uma bala sobe escada acima.

James tem uma revelação da eternidade, o ciclo de reencarnação e a dívida do predador para com a presa. Ele ignora isso, se esforçando para correr novamente. Sua boca está seca e suas pernas queimam. Ainda para cima, sem mais razão do que manter o americano aqui. O pensamento vem por conta própria: mantê-lo em território da Fundação. Ele não pode parar esse homem pensando como um soldado ou um espião.

No décimo oitavo andar, James para em estado de choque. Há outro homem aqui. Ou quase aqui: nas bordas, na visão periférica, ele parece insubstancial. Ele é familiar, mas James não consegue identificá-lo. Olhando para seu rosto bronzeado, James vê sabedoria e bondade. O homem sorri calorosamente e o reconhecimento o atinge.

"Varela?" James fica boquiaberto, piscando.

O sorriso cresce. "Senhor Bradshaw, é bom vê-lo."

"Mas como pode - ?" E então James entende: sobre esse lugar, sobre a câmera, e Varela conectando-os.

"Sim," responde Varela à reação de James. "Eu não esperava por isso. Este lugar é importante - é por isso que construímos a torre aqui. Mas ele é mais importante do que eu imaginava; ele contém ideias puras de vários tipos. Imaginamos que estávamos capturando as ideias perdidas antes de serem pensadas. Vejo agora que este lugar também contém algumas ideias que já foram reais."

James está prestes a fazer uma de suas centenas de perguntas, mas Varela ergue os olhos bruscamente. "Não temos tempo para discutir. O americano está chegando."

O estômago de James se contorce em pânico familiar. Há outra sensação também, como se algo na torre o observasse.

"Como você sabe?" ele pergunta.

"Quando aquilo aconteceu, e eu vim parar aqui em cima, puder sentir tudo na torre, tudo de uma vez. Você, ele, são mais fáceis de sentir. Mais pesados." O homem mais velho olha ansiosamente por cima do ombro de James. "Você não deve deixá-lo revelar este lugar."

"Eu não posso lutar com ele," diz James. "Mas com você - talvez possamos pensar como a Fundação."

A sensação de estar sendo observado é palpável. Isso arrepia. James estremece.

"Ele está no andar de baixo," insiste Varela. "Devemos ser rápidos."

A ideia de James não vem da torre. Ela é dele mesmo.

"Você disse que pode sentir tudo aqui, sim? Todas as ideias? Você pode encontrar algo para mim?"

Varela parece derrotado. "Existem ideias perigosas, com certeza, mas encontrar um pensamento no meio de tudo isso? Seria muito demorado. Só estou aqui há alguns minutos, e tem muito aqui."

Destemido, James fala mais alto, para um público invisível. "Quem poderia fazer isso, senão você? As histórias não podem estar erradas. Você é Agustin Varela. Um líder do povo. Um homem que a SIDE quer morto. Você pode encontrar a ideia que vai impedir esse homem de matar mais gente."

O ar ao redor deles vibra. James sente hesitação. Suspeita.

Ele continua. "Você sabe como cheguei aqui? De motocicleta - uma Harley-Davidson UL 1947. Ela foi a mim dada por um homem chamado Miguel Lopez. Ele me deu a posse mais valiosa de seu filho por sua causa. Porque ele acreditava em você, e ele sabia que eu queria te ajudar."

A tensão se aperta e então diminui abruptamente. Varela está prestes a falar, mas para. James se vira.

O americano sobe a escada na direção deles, arma apontada. Ao ver Varela, ele para, confuso.

"Eu pensei que já tinha matado você."

Com um estalo, uma bala passa por Varela, ricocheteando na parede. James se abaixa.

O americano ri. "Bem, de todos os … é isso que esse lugar é! É por isso que eu continuo recebendo ondas cerebrais que não são minhas."

James se levanta lentamente. O americano fica olhando.

"Você não sabia antes, não é, filho? Você estava apenas correndo, e mais uma vez me levou a um lugar maravilhoso. Todos esses pensamentos não formados. Pense nas possibilidades." Seus olhos estão perdidos em devaneios, mas a arma está apontada em James.

Varela diz: "Este lugar é onde possibilidades morrem. Ele é um cemitério de ideias."

O agente olha para o pesquisador como se ele tivesse esquecido que estava ali. "É aí que você está errado. Este é um lugar cheio de coisas perfeitas. Ele é um jardim de ideias. E nós podemos colhê-las e colocá-las em uso."

James precisa de duas coisas. Mais tempo e distração. O americano não deve chegar à conclusão lógica.

"Você ouviu - você ouviu o professor. Isso é propriedade da Fundação. Ela não é para você." James soa mais ousado do que se sente.

Talvez você não tenha notado, mas nós tomamos toda a sua maldita propriedade." O americano balança a câmera para James. "A agência verá o potencial desse prédio, das ideias aqui, assim como a Fundação. Elas são a mesma maldita coisa ao fim do dia."

"Elas não são nada iguais," diz Varela.

"Por que você não pergunta ao seu colega sobre isso? Você eu eu, filho, nós dois sabemos o que essa câmera faz. Nós dois a usamos."

O ar fica mais espesso. James pode ouvir seu sangue em seus ouvidos. "Eu só a usei para que pudéssemos conter a anomalia. Para que ela nunca precisasse ser usada novamente. Você a usou para matar homens inocentes."

"E mulheres e crianças - e eu o farei de novo, se necessário." O americano está quase gritando.

Varela não diz nada. James precisa fazer isso sozinho. Ele dá um passo à frente. A luz da escadaria pisca.

"Como você pode olhar para este prédio, para este poder impossível, e ver apenas uma arma?"

"Qual é o sentido de ter poder se você apenas o tranca?" grita o americano, com o rosto vermelho.

"Melhor trancado do que usado irracionalmente," diz James.

"Você acha que isso é irracional?" O braço armado do americano cai com sua exasperação. "Quero dizer, merda, talvez não sejamos iguais. Todas as minhas ações servem a um propósito maior. Eu acredito na justiça da minha causa, em sua pureza. Você não acredita em nada. Você nem mesmo acredita em você mesmo!"

Antes que James possa fazer qualquer coisa, o buraco negro da boca da arma aponta para seu peito novamente. A mão do americano fica tensa. O ar chia.

James olha nos olhos do americano. Ele fala devagar. "Eu não acredito que o mundo seja o domínio de nenhuma ideologia. Não acredito que poder seja a única coisa que vale a pena buscar."

Calor se infiltra lentamente na voz de James, vibrando no coração da torre. "Eu não acredito em pureza ou perfeição. A busca pelo entendimento é falha, fadada ao fracasso, mas eu acredito nela. E eu acredito em meus colegas pesquisadores; eu acredito em nós trabalhando juntos para manter o mundo seguro. Eu acredito em proteção!"

"Quem vai te proteger, então?" o americano rosna.

"De você? Eu acho que eles podem."

O americano segue o olhar de James. Uma sombra rodopiante surgiu atrás dele: multidões estão contidas nela. Os rosto se unem, os braços se estendem e se dissipam. Centenas de homens, mulheres, jovens e velhos, emergem e desaparecem em sua superfície turva. Mil ideias em uma única forma. Coisas desfeitas, lembrando de sua antiga realidade. Lembrando de quem as desfez. Todos os olhos fixos, todas as mãos estendidas, em direção ao americano.

Ele grita. Pulando, a sombra envolve o americano em braços de fumaça. A arma late. Nem as mãos nem a bala tocam seus alvos. Uma ideia não pode ferir ou ser ferida.

O americano está ileso. Seu grito se transforma em gargalhadas. Em seguida, uma figura aparece, tomando forma na borda da forma fluida. Um jovem homem. Talvez um estudante? Ele olha James nos olhos. O americano está prestes a falar. O jovem se inclina para a frente e sussurra no ouvido do americano.

A cabeça do americano cai para trás. Seus joelhos dobram. James pode ver sangue vazando de seu nariz. Seu corpo cai no chão, a câmera embaixo dele.

A sombra incorpora a ideia de um jovem. Os últimos resquícios dos desaparecidos observam e então evaporam.

Tudo está parado.

Finalmente, James tira os olhos do corpo. Há um homem aqui com ele. Um homem que ele conhece - sim, um pesquisador da Fundação. Ele observa James com gentileza.

"Não há muito tempo," diz o pesquisador. "Mas há um pouquinho mais para discutir. O que você fará com a câmera?"

James considera. "Eu fui enviado para recuperá-la."

"Você foi?" O sorriso do pesquisador é irônico.

"Sim, me mandaram - " De repente, está claro. "Me mandaram recuperá-la, mas não foi por isso que a Fundação me enviou. Eles me enviaram para ajudar um dos seus. Um colega pesquisador."

Algo parece fora de lugar. Ele pode ver o contorno da escadaria através do torso do homem. James se lembra de uma fogueira, e de um flash. Ele sente uma onda de vergonha.

"Sinto muito. Eu falhei."

O sorriso nunca vacila. "Não. Você só falhou se sua jornada terminar agora. Não se você começar outra."

"Mas o que vai acontecer com você?" pergunta James.

"Quem eu sou - quem eu era - pode estar perdido. Mas as histórias sobreviverão. No final, nossas histórias são tudo o que deixamos para trás." O homem ainda sorri. James não consegue mais dizer a cor de seus olhos. "Fique aqui. Escreva sua própria história."

Pego de surpresa, James gagueja: "Como? Eu não posso liderar essas pessoas."

"Elas já tem um líder. O que elas precisam é de um navegador. Alguém para ajudá-las a mapear as águas desconhecidas desta torre. Junte-se à viagem, James. Coloque-as no caminho certo." Este homem o conhece; James não tem certeza de como.

"Mas - "

"O que há para você lá na América? A Fundação é necessária aqui, agora. A que lugar você pertence?" O homem é familiar, mas apenas vagamente.

Em silêncio por um longo tempo, finalmente, lentamente, James balança a cabeça. A figura com ele balança a cabeça de volta. James não consegue ver seu rosto.

Há a forma de uma pessoa. Há uma silhueta. Uma sombra. Um borrão.

James está sozinho.

Mais tarde, James desce. Ele segura uma câmera quebrada. Já está amanhecendo, o céu clareando para um amarelo palha acima das árvores. A encruzilhada está quieta. Belén está com Aurelio, Jacinta, alguns dos outros. James observa da base da torre, na entrada.

E então, ele sai.


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