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Área de Rituais "BOREAS" da Coalizão Oculta Global
Manto de Gelo da Groenlândia
3 Horas Antes da Ignição
Levou apenas nove meses. Nove meses de noites sem dormir, nove meses de esforço frenético, nove meses organizando milhares de pessoas na Terra e mais de cem no espaço. Jess mal podia acreditar que estava quase terminado. Uma última onde de tripulantes, ela e alguns outros atrasados. Daí sua missão finalmente começaria.
Ela tem tentado dormir um pouco em uma das cabanas de observação da Coalizão, um trailer pré-fabricado fortemente protegido a cerca de um quarto de milha do círculo de rituais. Lá fora, no gelo, os taumatologistas estavam verificando pela terceira vez o círculo de aportação, uma estrela de nove pontas incrustada com camadas de prata e bronze de berílio sobrepostas. A geometria foi especialmente formulada para esta missão pelos Arquimagos da Escolomancia, visto que as simetrias quíntuplas de pentagrama eram consideradas arriscadas na melhor das hipóteses. Vinte e sete dos magos mais poderosos da GOC deste lado, outros três já no Joyeuse para estabilizar o lado receptor.
Era um dos maiores rituais de aportação já realizados, e Jess seria a carga.
"Nervosa?"
Jess suspirou. "É tão óbvio assim?"
"Como uma lula no Senado."
A Vice-Capitã Tifanny era um tanto enigmática. Seu arquivo de funcionário era bastante normal. Cresceu na área rural do Arizona, formou-se cum laude de Annapolis, oito anos na Marinha e mais seis no setor privado. Um ex-marido, uma irmã distante, sem filhos ou animais de estimação. Não muito diferente da maior parte da tripulação na superfície; mas havia algo de errado sobre ela.
Não eram as orelhas pontudas. Ou mesmo as expressões idiomáticas estranhas. Jess sabia sobre elfos, ou Sidhe, ou seja o que for. Conheceu alguns na Irlanda, consultores em uma operação conjunta com o Garda National Consensus Bureau, algo sobre uma vaca mágica. Pessoas perfeitamente adoráveis. Mas Tiffany não era um, ou seu arquivo teria mencionado isso. E havia outras irregularidades. Como o sobrenome dela, que aparentemente também era Tiffany; ou sua etnia, que foi listada, desconcertantemente, como "índia" em vez de "nativa americana" ou "sul-asiática", como seria o padrão; ou as várias menções de SCP-5525, para qual Jess não tinha autorização, nos metadados de seu arquivo de funcionário. Trabalho de redação desleixado.
"Algo no meu rosto?"
Jess estava olhando. Merda.
"Ahn, não, desculpe, só… perdida em pensamentos."
"Hmm." Tifanny olhou para o eneagrama. "Atlântida."
"… Com licença, o quê?"
"Você estava se perguntando qual é da minha, certo? Atlântida. Pergunte à sua namorada, tenho certeza que ela foi informada sobre isso."
Jess congelou. Ela e Michelle tinham concordado em manter seu relacionamento em segredo devido às aparências, pelo menos até que estivessem fora do Sistema Solar. Ela decidiu se fazer de boba.
"Perguntar a quem? Eu não sei do que você está falando." Suave.
Tiffany revirou os olhos. "Seus chefes contaram pro Hiram, e o Hiram me contou. Eu contei para algumas pessoas. Não percebi que vocês estavam tentando esconder isso."
"Droga."
"É. De qualquer forma, eu vim aqui dizer a você que eles estão prontos para nós. Só esperando o seu sinal."
"Então vamos."
Em algum ponto no futuro, se a Máscara algum dia caísse, a Área de Rituais Boreas seria o estudo de caso arquetípico sobre o uso flagrante e excessivo de aportação.
A aportação era uma ferramenta incrivelmente útil e ainda mais perigosa. Quando bem feita, ela gera uma quantidade horrível de reação que nunca podia ser completamente controlado — sem mencionar a imprecisão quase inevitável que podia deixá-lo enterrado no meio de uma parede em seu destino.
Quando feita errada…
Como regra, a Fundação não usava aportação, exceto nas emergências mais urgentes. Mesmo a GOC, que vinha usando aportação estratégica desde seus primeiros dias como sendo a Iniciativa Oculta Aliada, limitava seu uso fora das respostas a ameaças graves e imediatas. O reabastecimento anual da Estação de Farpoint em Plutão, que tendia a gerar mais reação do que um mês de todas as outras operações da divisão de FÍSICA, era uma fonte regular de controvérsia dentro do Conselho dos 108, frequentemente denunciada como um excesso intolerável.
Mais aportações foram realizadas na Área de Rituais Boreas nos últimos nove meses do que durante toda a Sétima Guerra Oculta — todas direcionadas para o espaço profundo.
"Quem quer que acabe escrevendo o arquivo de Nexus deste lugar vai ter um belo—"
Jess foi interrompida por outra onda de reação repercutindo nas proteções do local e produzindo um clarão negro — anti-iluminação, que absorveu brevemente toda a luz e silenciou todo o som nas proximidades. Como uma manifestação de reação, isso só era visto após duelos prolongados entre magos de batalha, e mesmo assim apenas nas primeiras horas. Em Boreas, eles começaram a acontecer no primeiro mês de operação e agora ocorriam a cada poucos minutos.
"Eles vão descartar o local por completo," disse Tiffany, retomando a conversa assim que o clarão negro se dissipou. "A história de cobertura que ouvi é a de um perigo radiológico que sobrou do Iceworm."
"Nunca pensei que ficaria feliz que os Estados Unidos estacionaram armas nucleares secretas na Groenlândia."
"A Guerra Fria facilitou todos os nossos trabalhos." Será que aquilo foi uma pitada de arrependimento na voz de Tifanny?
A conversa terminou quando elas entraram na sala de aportação. O rosto da tripulação já estava lá; saindo do caminho dos magos. Era um grupo heterogêneo, uma mistura de funcionários científicos e de apoio que não havia sido necessário para a reforma — embora a maioria deles estivesse tão ocupada quanto seus colegas de tripulação já no espaço. No caso dela, como o único membro do conselho de controle da nave ainda na Terra, Jess ficou com a tarefa de representar a Iniciativa Dâmocles para o resto da Fundação e para a GOC.
Esse era um lado bom de deixar a Terra para sempre, pelo menos — ela nunca mais teria que lidar com D.C. al Fine ou os Supervisores novamente.
O magistrado presidente acenou com a cabeça para elas quando elas entraram. "Diretora, Vice-Capitã, obrigado por se juntarem a nós."
Ele levantou a voz para se dirigir a toda a sala. "Em um momento, vou pedir-lhes para entrar no círculo. Por favor, tentem manter pelo menos um metro de espaço entre vocês, isso reduzirá a chance de quaisquer problemas. Vocês serão aportados 330 milhões de quilômetros para o Joyeuse. Um sinalizador de probabilidade foi configurado para garantir que vocês cheguem dentro do compartimento de carga. Quando feito corretamente, esse método de aportação é bastante seguro. No entanto, ainda há uma chance de ferimentos ou morte. Ao entrar no círculo, vocês reconhecem e aceitam este risco e renunciam a quaisquer reivindicações de responsabilidade."
Jess revirou os olhos. Deixando de lado o fato de que eles estavam prestes a embarcar em uma viagem interestelar sem retorno, o grande número de acordos de não divulgação que todos tiveram que assinar apenas para estar lá — alguns deles impostos por geas — tornava altamente improvável que qualquer um deles jamais poderia fazer uma reivindicação de responsabilidade, mesmo em um tribunal da Máscara. Ainda assim, você sempre pode confiar em um mago para observar minúcias.
Ela se aproximou do mago. "Se lembrem, nós não vamos voltar para a Terra, jamais. Esta é a última chance de voltar atrás. Alguém com o pé atrás?" Silêncio. "Não? Bom. Então vamos."
Com uma palavra do mago, e apenas um pouco de empurrões, a tripulação se organizou dentro do círculo.
"Diretora Fordyce, estamos de prontidão para aportar em sua marca."
Ela deu uma última olhada pela janela, para a paisagem glacial austera que seria sua visão final da Terra. Mesmo com cicatrizes e rugas dos danos causados pelas reações, a paisagem era linda.
Ela fechou os olhos e balançou a cabeça. "Energizar."
Joyeuse
(532) Herculina
2 Horas Antes da Ignição
A primeira coisa que Jess notou foi o cheiro de ar reciclado e metal polido. A segunda coisa era que seus pés não estavam tocando o chão.
Ela abriu os olhos. O compartimento de carga era simples, retangular e quase vazio, exceto por alguns caixotes de metal amarrados ao chão e alguns indivíduos de macacão observando o teletransporte. Ela olhou por cima do ombro, onde vários de seus companheiros recém-aportados estavam voando e se debatendo. Enquanto Tifanny estava ao lado dela, calma e parada, ela gesticulou para duas figuras à distância, montadas em um poço aberto.
Michelle Dahl estava sorrindo para ela, agarrada a um cabo que corria ao longo de uma das paredes do compartimento. Seu cabelo flutuava ao redor de sua cabeça como uma juba crespa. Ao lado dela, vestindo um blazer passado, estava Hiram Douglas, um homem que se apoiava com uma rigidez praticada que deveria ser totalmente incompatível com a microgravidade. Seu rosto alto e estreito era adornado apenas por uma barba curta grisalha e algumas linhas grossas ao redor dos olhos.
Com apenas um movimento de sua perna, ele chutou a parede e voou em direção a Jess tão facilmente quanto andando. Momentos depois, Michelle saltou de seu poleiro, braços estendidos, e rapidamente ultrapassou Douglas.
Jess flutuava impotente quando Michelle esbarrou nela e passou os braços ao redor de sua cintura. "Jess. Estou tão feliz por você estar aqui!" O impulso combinado significava que ambas estavam se movendo para trás e girando lentamente.
Jess passou a mão pelo pescoço de Michelle e sorriu. O segredo certamente já era, mas não há segredos no espaço. "Eu também."
"Eu queria ficar mais perto, mas o Hiram me disse que dá azar os comandantes de uma nave morrerem antes de sua viagem inaugural."
Ela olhou em volta em busca do capitão, mas o par estava girando a uma velocidade desorientante. De repente, uma mão firme apertou seu ombro e parou seu movimento.
"Diretora Fordyce," disse Douglas. "É um prazer finalmente conhece-la em pessoa."
"Eu poderia dizer o mesmo, Capitão Douglas." As mulheres se soltaram e se endireitaram o melhor que podiam. "Como a nave está indo? Eu sei que não é bem o que a Prometheus imaginou."
"Ela é certamente diferente, mas a natureza da nossa missão também é. Falo por toda a tripulação quando digo que estamos ansiosos para começar."
Tiffany se aproximou enquanto eles conversavam, e agora ela trocava saudações com Douglas. "Capitão, nesse ponto, e com sua permissão, eu gostaria de me posicionar na ponte para ajudar os oficiais de serviço."
Ele acenou com a cabeça. "Sim, claro. Você deve se familiarizar com os oficiais e ter uma ideia das operações antes de partirmos."
Ela saudou novamente e flutuou em direção aos poços do elevador.
Douglas voltou sua atenção para Jess e Michelle. "E você, Diretora? Você gostaria de um passeio pela nave enquanto ainda temos microgravidade?"
Jess desviou sua atenção do gracioso voo de Tiffany para Douglas. "Sim, por favor. Eu vi os esquemas, mas o mapa não é o território."
"Muito verdade, especialmente ao lidar com uma nave como esta." Douglas estendeu a mão para Jess agarrar, e então a puxou enquanto se movia para frente no compartimento de carga, com Michelle atrás.
Se mover em microgravidade é desorientador — você nunca percebe o quanto depende do solo para se mover até que não esteja mais em contato com ele. Todo o movimento em gravidade zero é apenas empurrar, puxar e voar a partir de qualquer objeto (ou pessoa) resistente ao alcance do braço. Jess estava grata por não precisar se acostumar com isso.
"Este," disse Douglas enquanto gesticulava para o espaço ao seu redor, "é o compartimento de carga, como você pode ver. Todo este nível é principalmente espaço vazio, alocado para carga, hangares de transporte ou para as câmaras de contenção que seus superiores insistiram que incluíssemos."
Michelle se intrometeu. "Chutou que elas também dariam uma prisão decente."
"Sim," disse Douglas. "Elas dariam. Todo o nível de carga é flexível — nós o projetamos para que porções possam ser adaptadas quando nossas necessidades mudarem. Aqui, vamos continuar."
Douglas agarrou uma viga de suporte na parede e se puxou ao longo da extremidade da câmara. Jess o seguiu vaciladamente enquanto ele entrava em uma grande porta que dava direto para um grande poço vertical que subia e descia.
Ele agarrou a escada que corria ao longo do lado do poço e se virou para Jess. "Elevadores não servem para nada na microgravidade. Usamos os poços para passar pela nave. Claro, assim que começarmos a acelerar, a força G vai prender tudo no chão, e os elevadores passarão por aqui."
Jess se agarrou ao elevador e olhou para baixo, onde o poço desaparecia na luz fraca de várias tiras de segurança de LED.
"A ala de engenharia está lá embaixo," disse Douglas, seguindo seu olhar. "Eu mostraria a você, mas Dr. Song está trabalhando duro para se preparar para a integração do buraco negro e pediu especificamente para não ser perturbado."
Jess concordou. "Para cima, então."
O trio subiu ao longo da escada. De início, Jess a subiu normalmente com as mãos e os pés, mas na verdade era muito mais fácil simplesmente flutuar perto da escada, estendendo a mão para um degrau de vez em quando para adicionar mais velocidade ou realinhar sua trajetória.
"Aqui," disse Douglas," é o nível médico e de pesquisa, que abriga todos os nossos bancos de dados e armazenamento digital."
Eles chegaram a uma abertura no poço, outra parada para o futuro elevador. Ela levava direto para uma área de recepção que era bem arrumada e bem abastecida. Uma loura baixinha em um macacão branco estava mexendo com uma prancheta ao lado de um arquivo ancorado ao chão.
Douglas sorriu. "Dra. Wikström! Como vão os preparativos?"
"Ah, acho que terminei de colar todas as coisas afiadas. Organizar será muito mais fácil quando tivermos gravidade." A voz da médica-chefe era agradável e arejada, com um leve sotaque sueco. Ela se virou para encarar o poço. "É a Diretora Fordyce que eu vejo?"
"Sim! Olá, Dra. Wikström." Jess ergueu a mão em saudação.
Leila Wikström deu um pequeno aceno. Na mão esquerda, uma costura entre a pele e o metal descia diagonalmente pela palma da mão. Seus últimos três dedos eram todos artificiais.
"É emocionante ver o Conselho de Controle finalmente reunido," disse ela. "Farei o meu melhor para garantir que vocês estejam em forma para a nave durante nossa viagem."
"Estamos em boas mãos, então." Jess sorriu.
Douglas limpou a garganta. "Vamos continuar. Receio que estamos trabalhando com tempo limitado."
Eles voltaram para o poço e continuaram subindo, indo em direção ao próximo ponto brilhante.
"A seguir está a cantina e o espaço de lazer," explicou Douglas. "Muitos tripulantes ficaram surpresos com o volume que dedicamos à recreação. A verdade é que, uma vez que a viagem começar, o tédio será de longe o maior assassino. Não que a pesquisa e a manutenção não nos ocupem, mas precisaremos de variedade para manter a mente de todos ágil. Encorajei todos a adotarem um hobby, vários se puderem, com preferência por atividades com o mínimo de desperdício e o máximo de enriquecimento para os colegas."
"Faz sentido," disse Jess. "Nosso banco de dados de livros e filmes não aumentará por conta própria. Teremos que expandi-lo nós mesmos para manter as coisas frescas."
"Até chegarmos à Alula Borealis," entoou Michelle, "seremos uma comunidade artística flutuante. Só torcer para que os alienígenas gostem da nossa poesia."
A próxima porta se aproximou, e o trio olhou para dentro. Esta era uma cantina, conectada a uma rede de outros espaços de encontro, estúdios, centros de entretenimento e salas de música. A maioria das mesas do refeitório estava vazia, mas uma próxima ao poço continha dois homens conhecidos. Perre Duval, um homem sem graça de cabelos castanhos encaracolados, óculos de aros grossos e a mais vaga sugestão de barba, e Anton Orlov, um companheiro alto e prematuramente calvo, com uma expressão permanentemente incrédula. Comandantes da Equipe de Assalto 2112 ("Patrulheiros Estelares") e da Força-Tarefa Móvel Psi-1 ("Redshirts"), respectivamente. Eles estavam concentrados em um jogo de cartas; as cartas que não estavam em suas mãos estavam presas à mesa de metal por imãs de quadro branco para evitar que flutuassem.
Michelle colocou as mãos em concha ao redor da boca. "Ei! Pierre!" Ele olhou para ela. "Aposto vinte pratas que você vai perder."
Ele deu um leve sorriso. "Ah, madame Gormogon, seu dinheiro serve de nada aqui. Estamos a centenas de trilhões de quilômetros de qualquer nação da Terra."
"Isso só significa que ele vai virar uma comodidade rara. Ainda mais rara, pra você." Ela deu uma piscadela, e então deu um chute no batente da porta, flutuando poço acima, com Douglas e Jess seguindo logo atrás.
"Não há muito a ser dito sobre o próximo nível. A maioria do nosso suporte de vida está lá, junto com as nossas fazendas hidropônicas e instalações de higiene e reprocessamento de resíduos." Douglas olhou para os corredores monótonos do próximo nível enquanto o trio flutuava além deles. "Mas, devo dizer: microgravidade tem um número surpreendente de benefícios, mas alguns problemas bem grandes. Muitos tripulantes me falaram que aguardam ansiosamente nossa gravidade artificial só para que possam tomar banho adequadamente. Para muitos, esponjas sem peso deixam a desejar."
Michelle concordou solenemente. "Só se secar pode ser… um desafio."
"Agora estamos cercados pelos dormitórios da tripulação," disse Douglas, flutuando rigidamente para cima. "Imagino que a maior parte da tripulação esteja isolada em suas cabines nesse momento, terminando seus últimos comunicados à Terra."
Jess balançou a cabeça. "E o seu, capitã?"
"Minha última mensagem foi escrita há muito tempo."
"Você tem alguma família na Terra? Netos?"
"Tenho sobrinhas."
"Nenhum problema em deixá-las para trás?"
Douglas olhou para ela. "Estava pronto para ir em 1997. Quando a Prometheus cancelou o projeto, recebi mais duas décadas para passar com os amigos e a família, para curtir tudo que a Terra tem a oferecer. Eu tive anos para fazer as pazes com a vida no chão. Quando recebi a ligação da Coalizão, que eles estavam construindo esta nave e me queriam como capitão, sabe o que eu fiz?"
"Você fez o quê?"
"Eu concordei, sem hesitar. Porque eu sabia que precisavam de mim. Porque eu sabia que eu era capaz de deixar tudo para trás, e eu não sabia se isso seria verdade para a segunda opção deles."
"Isso é um nível impressionante de desapego."
"Chame como quiser. Nossa missão é muito importante para deixar qualquer coisa ficar no caminho." Ele alisou seu blazer. "A ponte fica à frente. Nosso tour acabou."
Jess balançou a cabeça, e estendeu a mão. "Obrigada por me mostrar a nave. Estou ansiosa para servir com você, Capitão Douglas."
Ele sacudiu sua mão com firmeza — foi necessário todo o seu equilíbrio para não ser balançada para cima e para baixo pelo movimento. "Eu poderia dizer o mesmo, Diretora Fordyce."
Naquele momento, os LEDs de segurança no poço piscaram laranja, e um interfone gritou: "Ignição em T-menos uma hora."
Michelle esfregou as mãos. "Tudo bem então. Vamos lá, Jess. Bora abrir um buraco no espaço."
Joyeuse
(532) Herculina
5 Minutos Antes da Ignição
Eles o chamavam de Dente-de-leão.
Ele era uma esfera, meio quilômetro de diâmetro, feita de uma treliça aracnídea de cabos de cobre e aço. Entremeados na estrutura estavam milhares de cilindros atarracados cinza-metálicos, do tamanho aproximado de caminhões, que se destacavam da esfera como os espinhos de um ouriço-do-mar. Havia exatamente 19.683 deles, todos completa e perfeitamente idênticos, indo até mesmo às pinceladas da mensagem pintada à mão na lateral: "Apontar para longe da face."
Eles eram lasers nucleares. Cada cilindro continha um conjunto de cem bastões finos de ouro, enrolados em torno de uma Mark 617 "Pyramidbuster" — uma bomba taumo-nuclear Teller-Parsons de 500 megatons. Essa bomba era o orgulho e a alegria dos Gormogons, embora eles nunca tenham recebido a permissão para detonar uma. Nove meses atrás, apenas três Pyramidbusters já tinham sido construídos na história, e isso ainda era tecnicamente verdade; DC al fine tinha negociado um acordo com o Pentagrama que dava aos Gormogons acesso à Fornalha de Vazio Atlânte, e eles a usaram para criar 19.682 clones conceitualmente conectados do laser da Pyramidbuster.
"É isso em que vocês têm trabalhado?" Perguntou Jess. Os três líderes da nave tinham se reunido na ponte para assistir à ignição do kugelblitz, uma concentração de energia tão intensa que ela iria colapsar em um buraco negro.
"Dia e noite." Disse Michelle. "Alinhar eles perfeitamente foi um caralho."
Eles não estavam realmente olhando para o Dente-de-leão — não havia janelas na ponte, e mesmo se houvesse, a nave estava orientada de tal modo que a vista seria obstruída pelo hemisfério do propulsor. A imagem exibida na tela estava sendo fornecida por uma gravação ao vivo de câmera sendo feita da plataforma de preparo a centenas de quilômetros de distância. Ela tinha sido colocado em órbita ao redor do Herculina, pouco acima das defesas abandonadas e automatizadas da Prometheus, para fornecer uma base estável a partir da qual se poderia montar o Dente-de-leão — e para abrigar os engenheiros que não estariam partindo com o Joyeuse.
John Nelson, o segundo em comando dos Gormogons, se intrometeu pelo rádio de sua posição na plataforma de preparo: "A parte difícil foi trazê-los para cá pra começar. Levou um mês de bruxaria constante, e essas bombas não gostam de reações."
"Conseguimos fazer isso sem explodir o hemisfério norte. Considero isso uma vitória."
"Sabe," meditou Jess, "Vamos parecer bem idiotas se isso não funcionar."
Michelle encolheu os ombros. "Ei, eu estou animada só de poder explodir uma dessas coisas."
Enquanto eles observavam, a imagem da tela começou a escurecer conforme a órbita do Dente-de-leão o colocava atrás do asteroide.
"O Herculina está agora entre a gente e. Terra," relatou Douglas. "Temos uma janela de uma hora para realizar a ignição. Dra. Dahl?"
A líder dos Gormogons estava praticamente vibrando de animação. Com cuidado, quase reverentemente, ela levantou o detonador remoto que tinha sido preso com velcro ao console do controle central. Ele só tinha um botão, coberto por um protetor, que transformaria o Dente-de-leão em um girassol nuclear. Havia uma trava na parte inferior, para a qual ela tinha a única chave.
Com a mão tremendo levemente, ela inseriu sua chave e a girou no sentido horário, preparando o circuito de detonação.
O botão, conforme a tradição, começou a brilhar em vermelho.
Michelle limpou a garganta, e então se inclinou para falar pelo interfone. "Todos os funcionários, aqui é a Oecumenicus Volgi Iphegenia Masonbane. Se preparem para a ignição do kugelblitz em cinco segundos."
Ela abriu o protetor e deixou o polegar descansar no botão de ignição enquanto fazia a contagem regressiva em silêncio.
"Oppenheimer," sussurrou ela, "Morra de inveja."
Ela apertou o botão.
O Dente-de-leão explodiu.
Quase toda a energia da explosão foi convertida em raios-X e concentrada para dentro, no kugelblitz. Mesmo assim, a pequena porcentagem que vazou do dispositivo criou um clarão de luz mais brilhante que o Sol, que poderia ser facilmente visto até de Plutão. Foi mais do que suficiente para vaporizar instantaneamente os componentes estruturais do Dente-de-leão, convertendo a delicada estrutura de arame em uma nuvem de plasma em rápida expansão que atingiu o Joyeuse um segundo depois. O refletor de eletrônio interceptou a explosão, protegendo a tripulação e o resto da nave, mas a onda de choque que a acompanhou produziu um impulso perceptível que fez com que tudo voasse em direção ao chão.
Na tela, a gravação da plataforma de preparo foi cortada.
Douglas ligou o rádio. "Plataforma, acabamos de perder sua gravação. Vocês podem confirmar sua situação?"
Não houve resposta, a não ser estática.
"Plataforma, qual é a situação?"
Michelle mordeu o lábio. Detonar a maior explosão da história humana foi inegavelmente impressionante, mas seria consideravelmente menos impressionando se ela também tivesse matado seu segundo em comando.
Jess apertou a mão dela. "A plataforma estav a uma distância segura. Provavelmente é apenas um apagão de plasma."
Michelle concordou balançando a cabeça, mas manteve os olhos fixos na tela vazia.
"Plataforma, por favor responda."
"—í, Joyeuse?" A voz de Nelson rompeu a estática.
"Diga de novo, Plataforma?" Douglas olhou para Michelle e Jess e deu um sorriso de boca fechada.
"Ainda estamos aqui, Capitão. E estamos recebendo algumas leituras de gama quentes de onde o Dente-de-leão costumava estar." Nelson fez uma pausa para deixá-los entender. "Parabéns, Michelle, é um buraco negro."
Um coro de vivas e aplausos irrompeu da tripulação da ponte. Michelle deu um grito animado e ergueu os punhos no ar, fazendo ela sair voando do console de controle — pelo menos até Jess pegá-la e puxá-la para um beijo.
Douglas observou as comemorações com um sorriso indulgente, e então ergueu a mão pedindo silêncio.
"Tudo bem pessoal, Dr. Song me diz que devemos ter uma margem de algumas horas, talvez um dia, antes que o buraco negro fique pequeno demais para alimentar. Mesmo assim, não vamos perder tempo. Vamos pegar essa coisa."
O Joyeuse não possuía seus próprios propulsores de manobra — se ele quisesse girar, esperava-se que vetorizasse o impulso do propulsor de singularidade. Mas, para encaixar o buraco negro na unidade em primeiro lugar, eles precisariam se atirar nele, de costas, e "pegá-lo" entre as lâminas supercondutoras. Para esse fim, doze propulsores de foguete químicos, derivados do estágio superior de um Centauro convencional, foram amarrados ao casco externo. Eles seriam usados agora, para essa manobra inicial, e depois lançados no espaço profundo.
"Pronto, Capitão."
Douglas acenou com a cabeça e falou pelo interfone. "Todas as mãos, se preparem para iniciar a propulsão na minha marca. Três… dois… um… vai."
Doze foguetes foram acionados, acelerando a enorme nave a alguns décimos de g e prendendo todos os objetos não amarrados no teto. Quando o impulso foi interrompido, eles estavam em rota de colisão com o minúsculo buraco negro.
"Tempo estimado para interceptação é vinte e dois minutos e trinta segundos, Capitão."
"Excelente. Mantenham as correções de curso no mínimo até que estejamos a cinco minutos de distância."
Enquanto a tripulação da ponta estava ocupada pescando buracos negros, Michelle se afastou para fazer uma chamada de rádio privada.
"Nelson. Acho que você sabe o que estou prestes a dizer."
"Não."
"Eu não vou voltar à Terra, e a Ordem precisa de um líder."
"Não. Não não não."
"É por isso que estarei renunciando ao meu posto como Oecumenicus Volgi…"
"Vá se foder. Escolha outra pessoa. O Salvador realmente quer o emprego, escolha ele."
"…e nomeando você como meu sucesso. Parabéns, Oecumenicus Masonbane, você está no comando agora."
"Porra. Aceito. Porra. Vou sentir sua falta, Michelle."
"Dê o meu nome a uma criança. Ou talvez a um gato. Não sou exigente. Dahl fora."
Ela voltou para onde Douglas e Jess estavam flutuando.
"Capitão, você pode lidar com as coisas sozinho daqui? Sem mim e a Jess, quero dizer."
Ele balançou a cabeça. "Claro. Por quê? "
Michelle agarrou Jess pelo braço e começou a puxá-la. "Ainda temos 20 minutos de microgravidade restantes."
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