"Venha Para Meu Gabinete"

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"… e vejo todos vocês semana que vêm. Por favor, leiam os capítulos três e quatro antes de voltar na terça. Turma dispensada. Srta. Fang, posso vê-la por um momento antes de ir?"

Ana Fang parou no meio de pegar seus livros e olhou para o Professor na frente da sala de aula. O homem alto e taciturno se ocupava pegando seus livros e materiais, enquanto o gato preto que estava constantemente ao seu lado observava confuso do alto de uma estante próxima. Por qual razão possível o Professor poderia ter que querer me ver? ela se perguntava enquanto pegava sua mochila e caminhava até a mesa de mogno na frente da sala de aula.

"Por favor, venha comigo," disse o Professor. "Eu gostaria de falar com você na privacidade do meu escritório, se você não se importa."

"… tudo bem," disse Ara. Ela olhou para o velho grisalho com curiosidade. Alarmes tocavam em sua cabeça: um cavalheiro mais velho querendo vê-la sozinha? Longe dos outros. Ela estava tendo aquela sensação de coceira na nuca por causa disso.

O gato preto saltou da estante e caminhou delicadamente ao lado dos dois quando eles saíram para o corredor, dando um passo para o lado para deixar a próxima turma de alunos entrar. Ela seguiu o homem mais velho escada acima, passando pelas pinturas de Crowley e Aristóteles, e entrou em um escritório que parecia um pouco maior por dentro do que por fora. Mas, novamente, toda sala do campus de Massachusetts da CIETU era assim.

O escritório do Professor estava bem organizado: muito longe da desordem estereotipada do acadêmico. As estantes estavam cheias de livros novos e antigos, com títulos que variavam de "Uma Breve História do Universo," "O Ramo de Ouro" a "O Al-Azif do Tradutor Anotado." Havia uma cesta com um travesseiro em um canto, para a qual o gato se retirou, banhando o rosto com as patas, enquanto o Professor gesticulava para Ara se sentar e fechava a porta atrás de si.

"Tenho uma pergunta delicada a fazer," disse ele, sentando-se em uma cadeira em frente a ela e inclinando-se para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. "Por favor, sinta-se à vontade para sair a qualquer momento se eu estiver fazendo você se sentir desconfortável, Srta. Fang."

"… do que se trata?" perguntou Ara.

"É uma pergunta delicada, eu entenderei se você não quiser responder. Eu estava examinando seus registros de estudante e descobri que você está registrada como transexual homem-pra-mulher…"

… oh merda, Ara estremeceu por dentro.

"… e estava curioso se você está no pré ou pós-operatório," continuou o Professor.

Ara respirou fundo, tentando acalmar o coração disparado e abrir os punhos cerrados. "Acho que isso é uma invasão da minha privacidade," disse ela, "E a menos que você possa me dar uma resposta imediata sobre por que devo responder a essa pergunta, vou denuncia-lo à administração por assédio."

O professor inclinou a cabeça lentamente e recostou-se na cadeira acolchoada, levantando as mãos em súplica. "Minhas desculpas, Srta. Fang," disse ele. "Não era minha intenção fazer você se sentir desconfortável. Meu interesse é… mais acadêmico." Ele juntou os dedos na frente do rosto, parando por um momento para organizar suas palavras. "Permita-me ver isso de um ângulo diferente, Srta. Fang. O que você sabe sobre meu trabalho?

"Você é o principal pesquisador do Instituto em Observatologia," disse Ara. "Você tem pesquisado a natureza da consciência e da sapiência. Em outras palavras, a alma."

"Correto," disse o Professor, "mas a academia é minha segunda profissão. Meu outro trabalho é como consultor para a Coalizão Oculta Global: sendo mais específico, de sua Divisão CAULATICA, mantendo o sigilo do mundo oculto do mundano. Parte do que eu tenho feito recentemente é refinar sua tecnologia de Reatribuição de Identidade. Agentes de campo na Divisão de FÍSICA frequentemente solicitam que suas identidades sejam reatribuídas para proteger amigos e entes queridos deixados para trás. Este é um processo complicado e difícil intrinsecamente ligado ao estudo da consciência e sapiência em si."

"O que isso tem a ver comigo ser trans?" Ara se perguntou.

O Professor sorriu. Era um sorriso amigável e paternal, e sua empolgação era óbvia. "Você gostaria de ser minha cobaia para Reatribuição de Identidade entre gêneros?" perguntou ele.


"Os algoritmos de Reatribuição de Identidade mais simples são a cirurgia estética," explicava o Professor, "mas às vezes as coisas ficam mais complicadas. Uma pessoa pode ser uma figura pública ou ter estado envolvida em um evento memorável. E porque muitos de nós operamos no reino do paranormal, damos de cara com questões de simpatia e contágio: não importa o quanto você mude sua aparência, uma mecha de cabelo retirada antes de ser recrutado ainda tem simpatia por você. Testes de DNA tornam isso ainda mais difícil hoje em dia. A pesquisa atual apresenta uma tendência para a alteração da realidade: mudar a própria natureza da pessoa até o nível de seus gene e assinatura EVE.

"Uma forma de fazer isso seria consultar um alterador da realidade… mas a Coalizão está, compreensívelmente, relutante em consultar um. Tenho pesquisado métodos alternativos usando Tecnologia Tangencial nas últimas décadas. Fizemos alguns avanços, mas o procedimento é… digamos… rudimentar. Podemos mudar o rosto de uma pessoa, a cor do cabelo, às vezes estatura e altura, mas coisas como raça e principalmente sexo são muito mais difíceis."

"Tenho procurado uma boa cobaia nos últimos anos," explicou o Professor, "e gostaria de sugeri-la como candidata. Você seria recompensada pelo seu tempo e pelos riscos envolvidos, é claro, e sua identidade permanecerá secreta, a menos que você deseje que seja divulgada. O motivo pelo qual desejo saber se você está no pré ou pós-operatório é devido a… complicações… que podem surgir com base em seu estado atual de ser."

"Complicações?" perguntou Ara.

"Se você sente ou não que concluiu sua transição para o novo gênero," disse o Professor. "O estado de espírito em que você se encontra ao iniciar o procedimento é influente. Minha pesquisa indica que a melhor chance de sucesso pode ocorrer com um indivíduo que está no pré-operatório. O desejo de mudar a si mesmo pode ajudar a realizar o procedimento sem complicações."

"Calma," disse Ara, levantando a mão. Sua cabeça estava girando, sua visão ficando turva… ela não tinha certeza se queria vomitar ou rir. "… deixa eu ver se entendi. Você quer me transformar magicamente do… que eu sou agora… em uma mulher?"

"Exatamente," disse o Professor.

"… e me explique por que devo escolher seguir o seu método? Já reuni os fundos para completar minha transição. Eu ia tirar um tempo no final do semestre para passar a faca. E você está me pedindo para desistir de tudo e escolher um procedimento mágico não testado no último segundo?"

"Ah," disse o Professor. "Vamos falar sobre o método cirúrgico. Você teria sua genitália externa removida e uma vagina artificial formada usando as terminações nervosas e a estrutura de seus órgãos masculinos atuais. E… dependendo se você está ou não em terapia hormonal…"

"Eu tenho tomado um coquetel de antiandrogênio e estrogênio nos últimos três anos," disse Ara.

"… ah, bom." O Professor balançou a cabeça com animação. "De qualquer forma, pode ter começado o crescimento de tecido mamário e o desligamento da função testicular. Mas há coisas que esses procedimentos não podem mudar. Sua estrutura óssea permanece masculina. Sua estrutura facial também. Voz e pelos faciais… genética. Todas essas coisas permanecem masculinas. No final de seus procedimentos, você pode ficar perto o suficiente de uma mulher fisicamente para evitar uma sensação de disforia de gênero, mas nada disso pode torná-la tão feminina quanto alguém que nasceu nesse sexo. E a cirurgia não pode dar a você a característica que é unicamente feminina entre os humanos: a capacidade de gerar filhos."

"E você está dizendo?" A voz de Ara falhava enquanto ela sentia seu mundo desmoronar.

"Estou dizendo," disse o Professor, "que se minha teoria estiver correta, se o procedimento que desenvolvi funcionar, você se tornará uma mulher em carne e osso, até mesmo em seus genes. Isso te interessa?"


Ara Fang estava deitada em sua cama em seu dormitório e olhava para o céu noturno através da claraboia.

"Há riscos," dissera o Professor para ela. "Riscos muito grandes."

"Mais do que possivelmente morrer em uma mesa de operação?"

"Sim," disse o professor, muito francamente. "Simplificando, do ponto de vista da segurança, a rota tradicional de terapia hormonal pra vida toda e cirurgia de redesignação de gênero seria preferível. Por exemplo, a operação necessária teria um alto consumo de energia. Estaríamos, afinal, realizando uma operação pesada. Ébano, com uma Textura extremamente Apertada, beirando o Fechado. Essa quantidade de EVE, que pode se soltar, pode ser catastrófica. Sem falar que a reação seria severa. E há a possibilidade de que a operação ficasse incompleta. Seu corpo pode acabar… severamente alterado."

"Quão ruim?"

"… braços extras. Dobro de pernas. Partes do corpo nos lugares errados. Alteração sexual parcial em algumas partes do corpo… outras nem tanto. Outros efeitos teratogênicos mais graves… muitos deles seriam insustentáveis. Em outros casos, você pode desejar não ter sobrevivido. E há os riscos mais esotéricos. Estamos tentando convencer o universo de que você é e sempre foi mulher. O universo pode rejeitar o paradoxo expulsando você de sua realidade. Ou, em vez de transformá-la em uma mulher, podemos acabar criando uma nova 'você' que sempre foi mulher, e com isso, destruir a pessoa que você é agora. Francamente, minha querida, considerando o que poderia acontecer se você se submetesse à operação, os perigos de um escorregão na faca ou uma reação ruim sob anestesia são preferíveis."

"Portanto, maior risco é igual a uma recompensa maior?"

"Isso depende de quanto você valoriza a 'recompensa,' como você diz. Se você acha que vale a pena correr o risco significativamente maior."

Ara rolou para fora da cama e acendeu as luzes. Ela lentamente tirou a roupa, vestiu seu roupão rosa e branco favorito e saiu pela porta para o corredor.

Os banheiros ficavam no final do corredor de seu quarto, e ela passou por aquele com o símbolo circular de uma figura de boneco palito que tinha ombros largos e não usava uma saia estilizada. A esta hora, como ela esperava, não havia mais ninguém no banheiro. Ela caminhou para frente das pias, tirou o roupão e se olhou no espelho.

Ela não gostava de espelhos… não havia nenhum em seu quarto. E olhando para si mesma, ela se lembrou do porquê. A pessoa que ela viu no espelho parecia… errada. Apesar do seios pequenos e crescentes, em processo de formação após três longos anos com remédios que a deixavam constantemente enjoada e cansada. Apesar do cabelo comprido e do rosto liso e sem pelos com a penugem cortada a laser. Porque ainda havia os quadris estreitos e os ombros mais largos e o pomo de adão que ela escondeu sob a gola olímpica e lenços justos e, acima de tudo, aquela coisa entre as pernas.

Ela estendeu a mão e tocou seu próprio rosto e o estranho no espelho tocou o dele.

Ela estendeu a mão e tocou o espelho, e o estranho estendeu a mão para tocar as pontos dos dedos nos dela.

Ela pegou o roupão, o colocou de volta e voltou para o dormitório.

Ela deitou-se na cama e ficou olhando para o céu noturno até entrar no crepúsculo e então, por fim, se transformar no azul da manhã.


"Seu primeiro passo será interromper a terapia hormonal," explicava o Professor. "Precisamos ter seu corpo o mais próximo possível de sua forma masculina original."

"Isso parece contraditório," disse Ara. "Ele não deveria ser o mais feminino possível?"

"Água fervida congela mais rápido," respondeu o Professor.

"Isso não é uma resposta."

"Não, mas é uma analogia decente. O que precisamos fazer é manter suas possibilidades masculina e feminina juntas ao mesmo tempo, depois transferir a possibilidade de uma para a outra. E quanto mais distinta for a sua possibilidade original masculina, mais fácil será para diferenciá-la da nova possibilidade que está sendo formada. Para evitar a perda da autodiferença."

"Quanto tempo?"

"Até que o procedimento esteja pronto para ser realizado," disse o Professor. "Um ano e um dia a partir de agora."

E assim Ara parou de tomar os medicamentos, seus seios pararam de crescer e os pelos do corpo ficaram mais grossos, e ela se sentiu escorregar para trás na colina que ela gastara tanto tempo subindo.

Enquanto isso, ela e o professor começaram a repassar os vários componentes de que precisariam para a operação. "A coisa mais importante," disse ele, "é uma imagem sólida da forma desejada. Fotos funcionariam. Figuras tridimensionais seriam melhores."

Eles foram ao laboratório de imagens e tiraram fotos de seu corpo masculino de todos os ângulos possíveis, e então encontraram alguém que podia Photoshopar as fotos no corpo que ela sempre quis.

Ara rejeitou imediatamente o primeiro conjunto de imagens que o artista enviou de volta. "Perfeita demais," ela reclamou.

"Parece bom para mim," disse o Professor.

"Claro que parece. Essa garota é magnífica. Ela poderia ser uma modelo… uma supermodelo… uma atriz," disse Ara. Ela ergueu a imagem da bela esguia de cintura fina com pele lisa e impecável e sacudiu a cabeça. "Isso não se parece comigo de jeito nenhum. Isso não parece… certo."

Eles passaram as sugestões ao artista e passaram uma tarde inteira juntos passando por permutação após permutação, adicionando uma imperfeição aqui, corrigindo outra ali, passando por rosto após rosto após corpo após corpo após possibilidade após possibilidade até que, um dia, um mês depois de enviarem o pedido inicial, Ara olhou para a pessoa nas imagens e se viu.

Enquanto isso, ela passou por procedimentos médicos de todos os tipos. Cada milímetro de seu corpo atual foi estudado e registrado. Depois das fotos, veio a endoscopia, depois veio a tomografia computadorizada, depois as ressonâncias magnéticas, depois o imageamento COLLICULUS e depois as tomografias genéticas. Centenas de milhares de imagens dela mesma em todos os ângulos possíveis, mapeando todas as facetas possíveis de um corpo humano.

E então chegou o dia em que o escultor entregou a estátua de como seu novo eu seria, e ela se sentou em frente a ela por uma noite inteira, apenas estudando seu novo eu. Ela estendeu a mão e tocou o rosto da coisa de olhos fechados feita de silicone e aço. Um dia, é isso que serei, pensou ela consigo mesma.

E então chegou o dia em que o Professor disse a ela que era hora de ir ver um anão a respeito de uma espada.


"Uma espada, hein?" disse o homem baixo e atarracado com barba gigante. "Não há muita demanda para uma dessas nos dias de hoje."

"Não há muita demanda para um ferreiro, também," apontou o Professor. "Acho que nós dois nascemos alguns milhares de anos atrasados."

"Fale por si mesmo. Tenho pena daqueles pobres ferreiros medievais que não sabiam a diferença entre aço cromado e alto carbono." O ferreiro riu em voz alta e gesticulou para Ara, que estava parada na entrada da ferraria, olhando em volta nervosamente. "Quem é o magrelo? Seu novo sodomita?"

"Minha cobaia," disse o Professor. "Para a reatribuição de identidade."

"Então esse é o travesti, hein? Venha aqui, me deixe dar uma olhada em você."

Ara sentiu a raiva aumentar em seu sangue, mas mesmo assim se aproximou e olhou diretamente nos olhos do anão, fria e dura. O homem baixo riu com isso. "É, posso ver que te irritei um pouco, hein? Ótimo. Gosto de um pouco de espírito nas minhas mulheres.

"O termo apropriado," disse Ara secamente, "é trans, ou mulher trans, se preferir. Se desejar continuar esta transação comercial, tu irá se referir a mim como tal e se desculpar pelo insulto."

"Minhas desculpas," disse o homem baixo, curvando a cabeça educadamente. "Vou me lembrar disso no futuro. Eu tenho estado… separado da civilização."

"Heinrich vive nesta floresta há… cinquenta anos, agora?"

"Cinquenta e cinco," disse o homem baixo. "Pessoas me assustam. Não entendo como diabos vocês aguentam viver em uma porra de cidade cercados por milhões das coisas." O homem baixo e barbudo cuspiu nas brasas.

"De qualquer forma, você pode? Fazer a espada pra gente?"

"Eu posso. Mas eu não vou. Ela vai fazê-la."

"Eu?" Ara guinchou, surpresa.

"Sim, você. E você vai fazer o cálice também." Ele gesticulou para as espadas penduradas em pinos nas paredes de sua ferraria. "A espada. Simbolicamente masculina. Orientada para o fogo. O cálice. Simbolicamente feminino. Orientado para a água. Você entende o que se passa aqui?"

"Acho que sim. A espada e o cálice são símbolos dos meus aspectos feminino e masculino," disse Ara, franzindo as sobrancelhas. "E eu tenho que fazê-los a fim de criar um forte senso de Simpatia entre eles para fins simbólicos."

"Acertou de primeira," disse o homem baixo.

"Ela consegue? Aprender a fazer uma espada a tempo para o ritual?"

"Não precisa ser uma espada boa," apontou o homem baixo. "Ela só precisa ser próxima o bastante de uma espada para servir como um símbolo. E eu vou ajudá-la com isso. Mas ela tem que estar aqui e ajudar no processo de criação."

"Se você puder se dar ao lixo de passar um tempo fora de aula…" disse o Professor duvidosamente.

"Uma semana. Não mais. Ela volta durante as férias de primavera e bate aço comigo, em vez de ir festejar em Cancún ou o que quer que seja."

"Certo," disse Ara. "Vejo você em abril, então."

"Parece bom. Há, entretanto, a questão do pagamento."

"Quanto você quer?" perguntou o Professor.

"Dinheiro não é um problema. Não gasto muito aqui, exceto em matérias-primas, e tenho um acordo com a Coalizão para equipamentos para rituais e essas coisas. O que eu quero…" Ele se virou para Ara e sorriu maliciosamente. "Bem, quando Freya negociou com os anões por Brisingamen, ela ofereceu…"

"HEINRICH!" gritou o Professor.

"Tudo bem! Foi só uma piada!" disse o homem baixo defensivamente.

"Não foi muito engraçada!"

"Certo, desculpe… mas se vocês realmente querem fazer um acordo…" O homem coçou a barba e suspirou. "Olha, eu geralmente fico feliz morando longe das pessoas. Elas meio que me irritam na maior parte. Mas há algumas coisas que eu sinto falta da época em que vivia na civilização…"


E assim, quando Ara voltou para a cabana na floresta na primavera seguinte, ela trouxe duas garrafas de Laphroaig Islay Single-Malt e uma de Balvenie 40.

"Isso, esse é o bagulho," disse Heinrich Guggenheim, enquanto segurava as garrafas contra a luz, sorrindo. "Seres humanos são uns cuzões da porra, mas às vezes eles fazem algo que vale a pena manter."

Ele coloca as garrafas em seu armário com reverência, como um padre manipulando as Hóstias consagradas, e então desenrola uma folha de papel pardo em sua mesa feita de toras grosseiramente cortadas e começa a esboçar um desenho usando um lápis de carvão.

"Não era para ser minha espada?" perguntou Ara.

"Claro," disse Guggenheim.

"Então me deixe desenhá-la."

Ela pensou tê-lo visto sorrir ao passar o lápis para ela e se afastar da mesa.

Ela desenhou uma espada curta, de dois gumes, esguia e elegante, as linhas evocando as linhas de um jian chinês, e então desenhou uma empunhadura ornamentada e longas borlas também "Essa parte você terá que encontrar outra pessoa para fazer," disse Guggenheim. "Eu so faço lâminas e às vezes empunhaduras."

"Tudo bem," disse Ara. "Vou encontrar um joalheiro para fazer o resto."

"Então vamos começar."

Ele começou mostrando a ela como trabalhar com o fole para aquecer as brasas na forja, então a fez trabalhar com o grande martelo para tirar o lingote em um pedaço de espada longo e estreito. Seu primeiro golpe errou totalmente a bigorna e quase acertou seu pé. "Cuidado aí," advertiu Heinrich. "Se você quebrar o pé vai desperdiçar o fim de semana inteiro."

"Esta coisa é muito pesada. Eu não consigo balançá-la."

"Então não balance," disse Guggenheim. "Basta levantá-la e deixar o peso fazer o resto."

Ela ergueu a ferramenta de aço pesada e a deixou cair na bigorna, com força. Guggenheim sorria enquanto golpeava o aço com seu próprio martelo. Entre os dois e um longo e exaustivo dia de trabalho duro, eles eventualmente conseguiram transformar o aço em uma longa forma semelhante a uma lâmina.

A semana passou da mesma maneira, com Guggenheim mostrando a ela como aquecer o metal até a temperatura adequada. Como deixar o martelo fazer todo o trabalho de golpear o aço. Quando devolver o aço ao calor. Ele fez a maior parte do trabalho, mas certificou-se de que ela estivesse envolvida em todas as etapas do processo.

O último dia foi gasto polindo e afiando a espada, e quando o sol se pôs no final da semana, Ara tinha a lâmina de sua espada embrulhada em um cobertor de seda para levar de volta ao mundo.

Ela se deitou em sua cama, olhando para o telhado de palha naquela última noite, enquanto Guggenheim se virava em sua cama, e perguntou, com um pouco de apreensão, "Heinrich?"

"Sim?"

"Aquela primeira vez que nos encontramos. Você mencionou Brisingamen,"

"É," disse Guggenheim.

"Freyja ofereceu ouro e prata aos anões que fizeram aquele colar. Mas, no final, ela os pagou passando uma noite com cada um deles."

Houve silêncio.

Guggenheim se virou em sua cama e bufou com desdém. "Vá dormir, garota," rosnou ele.

"Sim, senhor," disse Ara.

Ela puxou o cobertor sobre os ombros e olhou para a parede por um bom, bom tempo.

"O ponto dessa história," disse Guggenheim, após alguns minutos, "não é que Freyja dormiu com os anões. O ponto é que há algumas coisas na vida que você daria qualquer coisa pra ter… e às vezes, você paga demais para obtê-las."

"Ainda foi injusto pedir isso em pagamento," disse Ara.

"Desculpe por isso. Caso você ainda não tenha descoberto, eu não sou um homem muito bacana," bocejou Guggenheim. "De qualquer forma, por uma espada de merda como essa… você estaria me pagando demais."

Ara riu um pouco e, depois de mais alguns minutos, finalmente adormeceu.


"Vidro," disse a mulher de avental de couro.

"Tem certeza? Talvez peltre funcione melhor," disse o Professor duvidosamente.

"Vidro," repetiu a mulher com firmeza. "Ele tem que ser de vidro e tem que ter um suporte de prata. Você quer que ele tenha o máximo de atributos femininos possíveis. A prata evoca a lua, o vidro evoca a água. Vidro e prata são a melhor escolha."

"Não tenho certeza se temos tempo para ela aprender tanto sopro de vidro quanto ourivesaria," observou o Professor. "Estamos chegando no final daquele ano e um dia."

"Ela não precisa," disse a mulher. "Ela teve que fazer a espada, porque representava uma parte dela que está sendo tirada. Mas o cálice precisa ser feito por outra pessoa, porque representa um novo aspecto dela sendo acrescentado."

"Acho que faz algum sentido," disse o Professor duvidosamente. "Mas, por outro lado, também há uma forte ressonância em fazer com que ela mesma faça o cálice."

"Por que não perguntamos a ela o que ela acha?" disse a mulher de avental de couro, e os dois se voltaram para encarar Ara, que estava sentada em uma cadeira velha e surrada ouvindo toda a conversa.

"Eu?"

"O cálice será uma parte fundamental da sua própria transformação. Ele precisa ter ressonância com você," ressaltou o Professor.

Ara coçou a cabeça e olhou pela oficina para os aprendizes e trabalhadores martelando prata e estanho sobre pequenas bigornas e tábuas. "… na verdade," disse ela, "acho que posso ter uma ideia diferente."


"Então, o que exatamente é isso," perguntou Lydia, quando Ara voltou de seu dormitório. Ela ergueu o copo de vidro de cara barata contra a luz. "Romanceando o Futuro? O que diabos isso significa?"

"… é um copo de baile," disse Ara suavemente.

Lydia e o Professor ficaram em silêncio.

"… meu pai não aprovava minha natureza," disse Ara. "Ele… estava com raiva o tempo todo. Emocionalmente abusivo, até. Foi só o fato de que ele não queria que o mundo soubesse que seu filho era uma 'aberração' que o impediu de me mandar para algum tipo de acampamento ou algo assim. Talvez minha mãe fosse entender melhor, mas ela morreu quando eu era jovem… e ele sempre teve medo de ter errado me criando. Seu único filho. Porque eu não estava feliz em ser um filho. Porque eu queria ser uma filha, como minhas irmãs mais velhas. Ele costumava gritar muito com elas. Ele as culpava por eu ser o que eu era. Não era culpa delas. Não era culpa de ninguém,"

Ela teve que se sentar para se firmar… as memórias estavam fluindo mais rápido e mais duramente do que ela achava que iriam. "Eu tinha alguns amigos do ensino médio que… simpatizavam comigo. Eles me ajudaram a planejar isso. Um deles, uma garota… ela era minha namorada. Ela veio e eu vesti meu smoking e saímos de casa juntos. Depois fomos para a casa dela, onde ela tinha o vestido que escolhemos pronto. Ela me ajudou a colocá-lo. Fez meu cabelo. Fez minha maquiagem. Colocou os modeladores e o sutiã e preparou minhas joias. E então nós fomos ao baile juntas."

Ara sorria amargamente enquanto as memórias voltavam "Alguns dos meus velhos amigos aplaudiram quando me viram com meu vestido. Outros se viraram. Houve alguns murmúrios raivosos, alguns olhares estranhos. Mas havia muitos sorrisos felizes também. Eu dancei a noite toda e Shelly e eu fomos para a praia com um grupo de nossos amigos, sentamos na areia e assistimos o nascer do sol, e um dos meus amigos, um garoto por quem eu tinha uma queda, me disse que gostava de mim não importa o que eu seja, e ele segurou minha mão e me beijou."

"Foi a melhor noite da minha vida, mas quando cheguei em casa, depois de vestir meu smoking e deixar meu vestido na casa da Shelly, meu pai estava acordado. Alguém no baile, eu nunca descobri quem, ligou para ele e disse a ele o que eu tinha feito. Ele gritou comigo por horas e me bateu muito com um jornal enrolado. Como se eu fosse um cachorro. E ele jogou meu copo de baile na parede e o quebrou em pedaços."

"Este é o da Shelly," disse Ara, passando o dedo pela borda do corpo barato que Lydia segurava. "Ela me deu depois de ouvir o que meu pai tinha feito. Para que eu tivesse algo para me lembrar daquela noite." Ela deu ao Professor e Lydia um sorriso doentio. "Ela é uma das poucas pessoas de quem me arrependo de ter deixado para trás quando vim para a CIETU."

Houve um longo momento de silêncio, e Ara percebeu que toda a oficina havia interrompido o trabalho. Todo mundo estava olhando para ela, seus martelos e cortadores interrompidos por sua história.

"… é," disse Lydia pensativamente, segurando o corpo em forma de tigela contra a luz. "Acho que se colocarmos uma base de prata nisso, deve servir."


"Como você está se sentindo?" perguntou o Professor.

"Cansada. Faminta. Animada. Exausta." Ara riu nervosamente enquanto balançava os pés para a frente e para trás. "Assustada."

"Compreensível," disse o Professor. "Vamos repassar os detalhes da Operação."

Ele explicou as várias particularidades dos sistemas, feitiços e elementos que seriam usados na Operação. Ara mal o ouviu. Eles tinham repassado isso muitas vezes antes. Mas esta seria a última vez que eles conversariam sobre o procedimento.

"… você tem certeza de que deseja continuar com o procedimento?" perguntou o Professor.

"Sim," disse Ara com firmeza.

"Então assine aqui."

Ele passou para ela o que pareciam ser dezenas de pranchetas, cada uma com um "X" escrito perto do final em tinta azul, e Ara assinou, em dezenas de lugares, diversos documentos relacionados ao fato de que ela sabia no que estava se metendo e não processaria ninguém se algo desse errado.

Ela assinou seu nome com um floreio na folha final, e o professor se levantou para ir para a próxima sala. Uma jovem muito gentIl de cabelo curto apareceu em seguida e conduziu Ara para a sala ao lado. Ela parecia o quarto de uma noiva em uma igreja, com dois sofás, uma mesa, um espelho e um armário.

"Você pode colocar a bata aqui," disse ela. "Avisaremos quando for a hora de começar."

A mulher então foi até a outra porta, abriu-a e ficou parada na porta aberta por um momento. Ara viu que ela levava para fora, para um dia frio de primavera em Massachusetts.

A porta se fechou atrás dela e Ara se viu sozinha na sala.

Isso era loucura. Ela estava prestes a passar por uma operação mágica extremamente perigosa que poderia causar uma reação e matar um monte de gente. Ela estava prestes a alterar a própria estrutura do universo.

E por quê? Porque ela não aguentava viver outro dia sem uma vagina? Que tipo de lógica era essa?

Ela deveria ir embora. Ela deveria ir. Ela deveria pegar sua mochila e sair pela outra porta e simplesmente correr pelo campus o mais rápido que pudesse e deixar tudo para trás.

Sua cabeça girava, sua visão ficava turva, seu coração batia forte. Ela estava cerrando os punhos com tanta força que podia sentir as unhas se cravando na palma da mão.

Ela respirou fundo novamente.

Ela tirou as roupas, colocou elas na mochila que trouxera consigo e ficou em frente ao espelho, olhando nos olhos do estranho que lá viu.

Seus olhos tristes olharam de volta.

Ela estendeu a mão para ele e tocou as pontas dos dedos dele com os dela.

Ela voltou para o armário e abriu as portas. Parecia certo vestir a fina vestimenta branca girando-a no ar, como uma saia de alguma princesa mágica de conto de fadas.

Ela apertou o cinto do manto em volta da cintura. Precisamente dez segundos depois, as portas se abriram e o Professor entrou.

"Você estava me observando?" perguntou ela.

"Através do COLLICULUS," admitiu o Professor.

"O que você teria feito se eu tivesse saído por aquela porta?"

"Assistido você sair. E procurado por outra cobaia."

Ele fechou a porta atrás de si e olhou seriamente nos olhos de Ara. "Eu tenho um último pedido para você," disse ele. "Eu preciso do seu nome de verdade."

Ela sabia que isso aconteceria faz um tempo. Ela balançou a cabeça para ele e limpou a garganta nervosamente. Ela parecia um pouco fechada e seca, então ela engoliu saliva antes de continuar. "Arachne."

"Arachne. A Aranha… se não me falha a memória, ela era uma tecelã. Uma das maiores. Tão grande, na verdade, que a deusa Ártemis a desafiou para uma competição. Ártemis teceu imagens dos Deuses governando a humanidade e derrotando-os de novo e de novo… Arachne respondeu tecendo imagens dos muitos abusos que os Deuses haviam cometido contra a humanidade. E quando Ártemis rasgou suas obras em pedaços, ela se enforcou."

"Foi Atena, não Ártemis," disse Ara. "E ela estava com raiva porque Arachne não admitia que parte de seu talento podia ter vindo da Deusa da Tecelagem."

"Erro meu," disse o Professor. "E como você se sente, Spider? Você é um brinquedo dos Deuses, abusada e maltratada? Ou você é a criança rebelde e orgulhosa que se recusa a reconhecer seus dons?"

"… Eu acho," disse Ara, sorrindo nervosamente, "que sou uma jovem prestes a passar por uma grande mudança na minha vida, que está se sentindo terrivelmente apavorada agora e só quer que isso acabe."

"Boa resposta," disse o Professor. "Venha."

Ele abriu a porta e a conduziu para a próxima sala: uma grande caverna, fria e úmida, com um chão amplo e plano de pedra polida. Um pequeno exército de pedreiros havia passado vários dias esculpindo uma forma precisa no piso de granito: doía a ela olhar, pois consistia em círculos dentro de círculos dentro de loops e ângulos. Devia ter quase vinte metros de diâmetro.

Guggenheim estava na borda do círculo, segurando uma pequena bigorna sob o braço como se fosse uma bola de basquete. Ele usava seu cinto de ferramentas em volta da cintura, incluindo o martelo pesado do qual ela se lembrava tão bem. Lydia estava ao lado dele, segurando o cálice de prata e vidro em suas mãos: parecia lindo o cálice, a hera e as videiras habilmente trabalhadas em prata pura envolvendo e abraçando o vidro barato. Houve um pequeno desfile de outros assistentes também, carregando um jarro de água, uma pequena bacia e uma bandeja com pequenas facas e outras ferramentas.

Todos eles estavam vestidos com túnicas pretas com cordões vermelhos em volta da cintura. E enquanto ela observava, dois assistentes avançaram com um conjunto de vestes para o Professor também. Ele estendeu os braços enquanto o ajudavam a vestir as pesadas roupas pretas e amarrar o cinto vermelho em volta da cintura. Um deles passou a ele um cajado: parecia estranho, esculpido em uma forma estranha, e ela percebeu que ele tinha sido feito com a coronha de um rifle antigo, remodelado para formar a metade superior de um bastão decorado com ornamentos.

O Professor se virou para o outro lado da sala, onde várias pessoas estavam em torno de um conjunto de equipamentos complicados. Outro pequeno grupo estava sentado em cadeiras dobráveis nas sombras. "A Operação," disse ele, "acontecerá em três fases. A primeira é médica. O paciente será examinado clinicamente e alguns preparativos finais serão feitos. A segunda é simbólica. Uma série de rituais será realizada simbólica da mudança, a fim de definir as linhas da operação nas mentes dos participantes. A etapa final da Operação é a aplicação precisa de várias rajadas de Radiação de Aspecto cuidadosamente direcionadas. Para a segurança de todos os observadores e participantes, solicitamos que vocês permaneçam atrás da linha amarela marcada no chão. Qualquer tentativa de cruzar a linha amarela resultará em contenção física imediata."

Ele se virou para alguns médicos de jaleco branco e acenou com a cabeça para eles. Ara foi conduzida para trás de uma cortina, onde dois médicos fizeram uma última verificação física, colheram uma última amostra de sangue, bateram no ombro dela e a desejaram boa sorte.

Então alguém lhe entregou a espada, embrulhada em tecido de seda, e a colocou alinhada bem na frente do Professor, e toda a procissão entrou muito devagar, em um ritmo medido.


Ela nunca mais seria capaz de se lembrar exatamente como aconteceu. Foi gravado, é claro, e mais tarde ela seria capaz de assistir da perspectiva de um terceira exatamente como tudo aconteceu. Mas pessoalmente… ela não se lembrava muito de nada.

Houve uma lenta procissão em torno de todo o círculo, sete vezes no sentido horário. Água foi derramada em uma bacia e derramada sobre a cabeça dela. A espada foi balançada sobre seu corpo em uma série de movimentos precisos. Ela recebeu a espada de volta e lhe foi dito para pressioná-la na testa e no peito enquanto o Professor dizia um monte de coisas em latim. O cajado foi pressionado contra suas costas e alguém disse algo bem alto em grego antes de bater nela uma vez, com força, nos ombros.

Havia um gato preto, o familiar do Professor, que andou entre seus pés sete vezes, parando no pé esquerdo. A espada foi tirada dela, e Guggenheim a quebrou sobre sua bigorna com um poderoso golpe de seu martelo. O modelo de silicone de seu futuro eu foi revelado e ela foi obrigada a abraçá-lo sete vezes. Um pequeno corte foi feito na parte superior da coxa. Uma gota do sangue foi misturada com a água no cálice e ela foi obrigada a bebê-la. Mais duas gotas foram espalhadas em seu rosto e no da boneca.

Em seguida, o professor pegou um pequeno pote de tinta prateada e um estilete e desenhou uma série de símbolos por toda a pele dela e da boneca. Todos os outros foram conduzidos para fora do círculo enquanto uma pequena bomba enchia os canais com um líquido que fazia seus olhos lacrimejarem.

E então ela se deitou no centro do círculo, sua mão direita segurando a mão fria e úmida da boneca de silicone que eles haviam feito, enquanto um gato preto se sentava entre as duas, sem piscar olhando para os olhos do Professor.

Houve um barulho baixo e a gasolina que enchera os canais do círculo foi acesa. As chamas se ergueram ao redor dela em um padrão preciso, iluminando a câmara com uma luz vermelha lúgubre.

Eletricidade roxa saltou entre as pontas das estalactites acima e ela se sentiu mergulhar no coração do mundo.


Ela abriu os olhos novamente e olhou para o rosto do Professor. Ele estava sorrindo para ela.

"Como você está se sentindo?" perguntou ele.

"… estou dolorida," choramingou Ara. E ela estava. Seu corpo inteiro parecia estar doendo terrivelmente. Seus olhos estavam secos, sua garganta estava seca, ela estava desesperadamente faminta. Ela tirou a mão esquerda do aperto da boneca de silicone e esfregou os olhos.

Ela errou e tocou o nariz em vez disso. Ele parecia… estranho. Esquisito.

Ela se virou para a esquerda… e ela viu algo ali se desfazendo em cinzas e poeira. Algo que se parecia muito com o corpo do homem que ela costumava ver no espelho.

Então os médicos vieram e enxamearam sobre ela, e um deles colocou um respiradouro de borracha sobre seu rosto e ela fechou os olhos e desmaiou.


Ela acordou e se viu deitada em lençóis macios, usando uma bata de hospital fina, em um quarto escuro que apitava.

Ela precisava muito mijar.

Ela rastejou para fora da cama, mas foi interrompida por algo preso em seu braço. Ela arrastou o soro com ela até o banheiro, puxou a bata para cima e sentou-se.

Parecia estranho… como se estivesse vindo dos lugares errados, e que esse músculo parecia errado, e esse lugar estava estranho, essa coisa toda…

A compreensão do que estava acontecendo a atingiu, e ela sentiu lágrimas aparecerem em seus olhos. Ela cuidadosamente estendeu a mão com o papel higiênico para se limpar e sentiu as pontas dos dedos pressionarem seu corpo.

Passou-se uma boa hora antes que ela pudesse terminar de soluçar e, quando o fez, ela levantou-se com os pés trêmulos, deu a descarga e acendeu as luzes. Ela se virou para o espelho do banheiro e se viu olhando de volta.

Ele estendeu a mão e sentiu as pontas dos dedos pressionando contra o vidro prateado e sorriu.


"Bem, Spider," disse o Professor, fechando a prancheta. "De acordo com isso, você é uma jovem completamente saudável."

"Eu já sabia disso. Eu poderia ter te contado na primeira noite."

"Sim," disse o Professor. "Mas este foi um relatório médico de um médico externo. Portanto, acho que isso significa que nosso experimento foi um sucesso." Ele se recostou na cadeira e deu um sorriso irônico. "Como foi sua primeira menstruação?"

"Foi uma merda," riu Ara tristemente. "Admito que houve um momento, no meio das cólicas e inchaço e tendo o que parecia ser metade do meu útero fluindo para fora de mim, que me senti como uma idiota do caralho por concordar com tudo isso."

"E o outro momento?"

"… bem, parece funcionar, se é isso que você está perguntando," disse Ara, corando. "Mas ainda não experimentei com ninguém. Não me diverti muito na primeira vez que perdi minha virgindade. Acho que vou usar o peso da experiência para minha segunda vez."

"Bom para você, então." O Professor fechou a prancheta e se levantou. "Bem, então, Spider. Vejo você por aí."

Ele se levantou, ajudou-a a vestir o casaco e trancou a porta do escritório atrás de si. "Ah, antes que eu esqueça," disse ele, entregando a ela uma sacola de presente. "Esta é uma lembrancinha. De dois novos amigos."

Spider esperou até que ela estivesse de volta em seu dormitório para abrir a sacola de presente e tirar o conteúdo. Um dos itens era um cálice de vidro com um suporte de prata. O outro era uma espada quebrada montada em uma placa de madeira.

Ela encostou a placa na parede, atrás de sua mesa, e colocou o cálice em sua mesa de cabeceira. Ela teria que encontrar uma caixa para eles, ela decidiu, quando tivesse um momento.

Depois ela vestiu o pijama e deitou-se na cama, olhando para as estrelas através da claraboia. Ela ficou lá por um bom, bom tempo, até a escuridão se transformar no cinza do crepúsculo e, finalmente, no azul da manhã.

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