O Coração da Fera

avaliação: 0+x

Ódio era uma palavra forte. Em vez disso, Tim Wilson diria que fortemente desgostava dos Terninhos. Eles carregavam uma aura austera e vingativa consigo e tinham o mínimo de escrúpulo em forçar o que queriam. Quando seus agentes queriam algo, eles o conseguiam, e em qualquer outro momento você não existia para eles.

Ele franziu a testa para os papéis colocados em sua mesa, carimbados com o logotipo da ONU. Fiji Vermelho? "Olha, uh, bem, não vimos nada assim. Certamente ficaremos de olho—,"

"Ela precisa ser destruída." Fria e monótona. "A para-ameaça foi determinada como uma grave ameaça à vida e ao bem-estar humanos."

"Não vejo muito aqui a não ser árvores quebradas e gosma estranha, mas o que você achar melhor." Tim concedeu. "Não ouvi falar de nada nas florestas de Boring que batesse com isso, já teríamos contado a vocês, é claro."

"O governo dos Estados Unidos também acredita que ela seja perigosa, e é por isso que estamos nos encontrando hoje." A agente ajustou seus óculos. "Me permita lembrá-lo de que ela é de nível de resposta quatro, você é legalmente obrigado a relatar qualquer coisa suspeita ou semelhante à para-ameaça."

Ele balançava a cabeça em silêncio.

A agente fechou a maleta de metal. "Por favor, esteja alerta." Ela partiu sem dizer mais nada.

Tecnicamente, os federais estavam no comando. Desde o Incidente do Ursus Maritimus em 2008, a Soluções Silvestres passou a ser financiada principalmente pela pouco conhecida subunidade criptozoológica do Serviço de Vida Selvagem dos Estados Unidos — mas isso também a colocava sob o olhar minucioso federal. Além da papelada, não era tão ruim, exceto quando eles apareciam querendo impor sua influência.


Cada criatura era única, mas o processo de familiarização do Wilson era o mesmo. Você faria com quem o tivesse encontrado contasse o que sabia (geralmente não muito), olharia alguns livros sobre animais com características semelhantes, talvez até mesmo perguntaria ao seu contato na CIETU. Quando a criatura chega, você a mantém calma enquanto a introduz ao seu habitat. A equipe deixaria um ou dois dos pacotes de comida padrão para um lanche quando a criatura se sentisse mais em casa.

A próxima etapa era a favorita de todos, observação. Vários funcionários do Wilson se agrupavam e estudavam seu comportamento, tomando notas e especulando sobre suas propriedades anômalas e personalidade. Eles olhariam com admiração, mistério ou gritos de felicidade, dependendo da criatura.

Mas em todos os anos em que Tim administrou as coisas, ele sabia que o atributo mais importante era a compaixão. Nenhuma criatura se sentiria em casa se todos os membros da equipe não demonstrassem um amor sincero, mas gentil. A eficácia do cuidado de seu abrigo havia até construído uma aceitação relutante dos Terninhos.

Não havia uma organização no mundo exatamente como a Soluções Silvestres do Wilson, e ele tinha orgulho disso. Sempre foi muito fácil ver feras estranhas como ameaças, trancando-as em jaulas apertadas e nunca deixando-as —

Tim parou de repente, seus pensamentos sinuosos terminando com um som anormal. Ele gentilmente se agachou no chão, tentando ouvi-lo de novo.

Outro chiado rápido. Onde estava o bicho?

Examinando a grama, ele viu o esquilo ferido. Com cuidado, ele calçou as luvas de trabalho e avançou com a mão direita na direção dele. Ele franziu a testa com simpatia quando viu um corte sangrento ao longo de sua lateral: a criatura tinha medo em seus olhos, mas se recusava a se mover. Parecia que qualquer outro movimento seria insuportável para a pobre coisa.

"Está tudo bem, está tudo bem pequenino," ele ofereceu, estalando a língua suavemente.

Tim, ainda se aproximando lentamente, eventualmente chegou com a mão na criatura. Com a outra, ele rapidamente tirou um pano grosso do bolso da camisa e envolveu o esquilo com cuidado.

Depois de pegá-lo, ele rapidamente caminhou em direção ao edifício de entrada de animais e colocou o embrulho na mesa de cuidados. Ele acendeu a lâmpada de aquecimento e tirou uma pequena toalha da gaveta, umedecendo-a com água morna antes de começar a limpar o ferimento.

Logo o esquilo estava descansando e o lento caminho até a recuperação havia começado.


A Soluções Silvestres do Wilson tem recebido algumas cartas estranhas recentemente. Elas eram enviadas em envelopes razoavelmente padrão com conteúdo variado, mas nunca tinham endereços de retorno. Tim havia começado a coletar esta correspondência, já que a maioria de seus outros companheiros pareciam deixá-las escapar.

Abri-las era um tanto divertido, já que você nunca sabia o que iria receber. Algumas vezes eles receberiam mapas ou fotografias que os ajudavam a encontrar criaturas selvagens, mas muitas delas eram conselhos, especulações ou mesmo desabafos. Tim não tinha certeza de quem estava enviando elas, mas sentia um pouco de conexão com seu amigo por correspondência unilateral.

Fazendo uma leitura em uma caminhada perto da cantina, ele olhava a carta mais recente. Ela descrevia um dragão, devastando o campo, destruindo tudo e todos em seu caminho, mas nos dias de hoje. Estranhamente, como toda a correspondência dele, seu amigo misterioso descrevia esses eventos como se fossem reais, só que dessa vez com um tom de urgência e pânico.

Tim sorriu com a ideia. Havia muitas criaturas estranhas em seu abrigo, mas nada mítico. Ursos dançantes, vespas conceituais, que for, — mas não havia nenhuma criatura que você não pudesse entender. Ou pelo menos o suficiente para deixá-las felizes.

Agora, ele pode não ser capaz de enviar correspondência de volta, mas Tim ainda responderia. Enquanto escovava Gloria (uma tartaruga que diminuía de tamanho quando se escondia em seu casco), ele enumerava em voz alta os acontecimentos do dia.

"Bem, heh, Mark disse que não funcionaria, mas aqueles pássaros gostam bastante, sabe. Bastante espaço pra eles, mas ainda podemos checar perfeitamente." Ele fez uma pausa para estender a mão e molhar sua esponja.

"Ah! Eu nunca te falei da Chirpy — esse é o nome do esquilo que resgatamos — ela tem ido bem, se sentindo muito melhor, correndo por aí. Jeremy acha que ela estará pronta para ser liberada em um ou dois dias, tô muito feliz por ela. Vou sentir fala dela, mas estou feliz que ela esteja melhor agora."

Tim franziu a testa por um momento.

"Você tem se reocupado comigo, muito mais do que o normal. Agora, eu imagino que um dragão seja possível, mas sério. Acho que veríamos algo tão grande se estivesse vagando por aí, sabe? Podemos nos cuidar bem aqui, nenhum ferimento do qual você não possa se recuperar. E um bom pacote de saúde se você precisar, ha."

Tim se levantou, largou a esponja no balde e começou a limpar Gloria com uma mangueira.

"Bem, Sr. Seja-quem-for, as coisas estão indo bem aqui. Não acho que haja nenhum desafio que não possamos enfrentar."


Era um domingo anormalmente nevoento, e Tim e sua filha Fae estavam em seu caminhão surrado, sacudindo pelas colinas. Eles estavam descendo do depósito de suprimentos, com uma carga parcial de peixes e equipamento excedente na parte de trás. Uma milha e pouco depois da saída para o Lago Bull Run, uma cena de floresta estilhaçada e terreno pisoteado começou a se materializar.

Fae fez o caminhão andar lentamente enquanto eles casualmente examinavam a cena. Então ela fez parar completamente.

"Maldita árvore bloqueando o caminho." Ela cerrou os dentes.

Ambos sabiam o que precisa ser feito, saltando para fora para preparar as correntes quase que automaticamente. Um silêncio calmo e cooperativo caindo sobre eles enquanto trabalhavam.

Um som um pouco fora de estrada quebrou o silêncio. Uma árvore caída? Não, outra coisa estava se movendo na floresta. Cautelosamente, Tim começou a se aprixomar do som enquanto Fae terminava de amarrar o tronco.

Analisando, parecia uma árvore derrubada? Mas com um som mais grave? Não, algo está definitivamente gemendo.

Era um lagarto gigante.

"Merda, ele está ferido?" Fae se aproximava da cena para ver melhor.

Enterrada sob a lama endurecida, folhas e sangue estava uma massa de carne que lentamente ofegava, claramente ferida. Um tecido sintético anormal pendurado em fios de sua boca.
Uma gosma branca pútrida estava espalhada por toda a área. Uma pequena árvore estava deitada sobre a criatura, enquanto a fera olhava atentamente para seus novos visitantes.

Um gemido profundo emanou.

"Uh, pai?" Perguntou Fae. Não, não pode ter sido ele.

Ela olhou para a fera. "Está tudo bem, está tudo bem, vamos te ajudar."

Um som áspero inescrutável emergiu, depois uma pausa. "Saiam." Inconfundivelmente inglês, mas em um tom estranho e gutural.

Tim ficou um pouco surpreso com o desenvolvimento. "Ah, uh, você pode falar—uh, bem, aqui, vamos tirar essa árvore de cima de você e levá-lo de volta para tratamento."

A criatura respondeu mostrando os dentes. Apesar da ameaça, ela parecia muito ferida para se mover facilmente.

"Ei, não queremos caçar você. Cuidamos de animais, sabe? Queremos nos certificar de que todas as criaturas tão bem, não importa o que elas sejam?" Tim tentava consolar o lagarto.

A resposta foi igualmente fria.

Fae voltou com alguns dos peixes do caminhão e jogou um na boca da criatura. "Pronto, você gosta disso? Que tal tirarmos essa árvore?"

A criatura farejou o peixe e, após uma longa pausa, começou a consumi-lo lentamente. Fae acrescentou mais alguns e então começou a trabalhar com seu pai para remover a árvore.

Depois que a madeira foi levantada, o verdadeiro estado da criatura ficou aparente. Grandes cortes, feridas e o que apreciam ser queimaduras químicas pontilhavam seu corpo, exalando um fluido anormal em muitos lugares. Tim teve dificuldade para não fazer uma cara.

"Ei, uh, amigo, você está em um estado muito ruim. Podemos levá-lo de volta para nosso lugar, deixar cê descansar, cuidar de você," ele ofereceu. Fae jogou outro peixe.

Houve um rosnado e então uma resposta. "Eu não confio em vocês."

"Olha, eu entendo que deve ser muito estranho, mas é o que fazemos. Encontramos criaturas, levamos elas para dentro, cuidamos delas, fornecemos um lar," explicava Tim.

"Nós nunca vamos te ferir, nós só queremos ajudar." Acrescentou Fae.

A criatura pareceu considerar isso. "Certo."

Quando os dois se aproximaram da criatura, ela se posicionou, abrindo levemente a mandíbula. Fracos e inúteis, seriam presas fáceis. Exceto — ela se parou.

Eles tinham suprimentos de comida, posso esperar até estar no acampamento deles, roubar de lá e depois escapar, ela pensou, fechando a boca. Tim começava a enrolar uma corrente ao redor do torso da criatura enquanto Fae ajudava a retirá-la da lama.

A fera decidiu oferecer um aviso. "Mantenham suas promessas."

Tim sorriu. "Heh, você é um cara legal, que tal chamarmos você de Lenny?"

O lagarto não gostou muito, mas não ofereceu resistência.


"Ei, pai?" Fae entrou no freezer, bastante nervosa. Tim se abaixou para colocar a caixa de alface embalada no chão.

"Sim? Do que cê precisa?"

"Eh, então, sobre o Lenny."

"Há algo de errado com ele?" Tim se levantou e enxugou a testa.

"Bem, lembra de quando os Terninhos chegaram um pouco antes? Tem esse dever de denunciar, processo por ocultação ou o que quer que seja?" Fae explicava.

Tim congelou. "…você não acha?"

"É possível. Não quero arriscar, eu acho. Você se lembra do que eles falaram sobre a criatura? Como era, onde ela se diferenciava?"

Ele colocou a mão no rosto, vasculhando seu cérebro. "Quase não me lembro de nada do arquivo que eles me mostraram. Ela era, bem, era um tipo de réptil? O tamanho era, droga, talvez fosse de fato grande como ele? Sei que eles a chamaram de um regenerador, "tipo vermelho" ou algo assim."

Tim sentou, derrotado. "Isso — isso não pode ser, mas não temos escolha, temos?

"Acho que não," ela fez uma pausa e se sentou ao lado dele. "Mas podemos esperar uma semana ou por aí, dizemos que estávamos prestes a relatar. Eu — eu não gosto disso, mas eles eventualmente vão descobrir se tentarmos escondê-lo, tenho certeza."

Tim ficou com o coração partido. "Ele é um garoto tão bom, basta ligar o aquecedor e você pode lavá-lo sem problemas. T-talvez devêssemos tentar convencê-los a deixá-lo aqui, já que ele está feliz? Já que ele está saudável, não feriu ninguém?"

Fae sacudiu a cabeça. "Eu realmente não sei. Mas — pelo menos podemos fazer sua última semana aqui feliz."


Os Terninhos chegaram.

Era um dia tranquilo na Soluções Silvestres tirando isso, mas depois da denúncia, os Terninhos vieram totalmente equipados para checar Fiji Vermelho. Pisando por aí em seu equipamento sofisticado de última geração, eles estabeleceram um perímetro e estavam empunhando armamentos taumicos intimidantes.

Tim teve a posição nada invejável de liderar a comandante do esquadrão até a criatura.

O lagarto olhou para o comandante e depois para Tim. Ele estreitou os olhos. "Repugnante."

Tim sentiu o fundo da garganta cair, não de medo, mas de dor. Ele desviou os olhos ligeiramente.

"Uh, sim, então, esse…" A garganta de Tim começou a secar. "Este é o Lenny, ele—".

"Seu idiota do caralho," praguejou a comandante.

"Olha, quando—"

"Não desperdice nosso tempo com répteis pequenos aleatórios. Você leu o arquivo? Fiji Vermelho era uma criatura de dezenas de metros de comprimento, não essa… coisa."

Tim pigarreou. "Ah, uh, nos disseram para relatar qualquer coisa semelhante imediatamente. Além disso, uh, Lenny se recuperou bem rápido, e, uh, talvez pudesse bat—"

"Não gaste o tempo da Coalizão. Trouxemos dois esquadrões inteiros e você só tem um crocodilo grosseiro."

Houve uma pausa constrangedora.

"Uh, senhora, tem — tem mais algo que você precise?"

A comandante riu, depois pegou o rádio e ordenou que os Terninhos se retirassem.

Tim e a equipe atendente permaneceram parados em silêncio enquanto o som de jipes militares começava e disparava para longe.

Por outro lado, o lagarto parecia bastante contente.


Tim suspirou, jogando o chapéu na mesa. Era o seu trabalho, é claro, mas esse tipo de grosseria parecia verdadeiramente única para os humanos. De longe, ele preferia as criaturas.

Era engraçado, não era? Passar o dia todo com as criaturas mais estranhas e seus comportamentos anormais, mas eram os velhos humanos normais os mais cansativos. As criaturas exigiam um pouco de paciência, certo, muita paciência, mas você podia aprender sobre elas. Como elas gostavam da comida, como gostavam de brincar, como manter elas felizes.

Seus pés vagaram de volta para o habitat pantanal aquecido. As pegadas lamacentas de antes ainda estavam frescas, mas estava mais silencioso agora, e ele podia ver o sol se pondo atrás das copas das árvores.

Um gorgolejo satisfeito emergiu, seguindo por alguns rosnados. Tim olhou, franziu a testa por um segundo e sorriu. O lagarto o ignorava, mastigando preguiçosamente cascas de melancia vazias.

"Não se preocupe, eles não vão voltar," informou ele.

"Espero que assim seja," veio uma resposta rápida.

Tim suspirou e deu uma risada gentil. Claro, havia um monte de besteira vinda dos humanos, mas ver os criaturas seguras e felizes fazia tudo valer a pena.


Salvo indicação em contrário, o conteúdo desta página é licenciado sob Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License