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Em um local escondido no subterrâneo do estado de São Paulo, existe uma sala de formato circular. Esta sala tem uma única parede que forma um círculo perfeito e sem janelas, com uma única porta metálica de acesso. A parede é forrada com uma espuma de consistência firme e avermelhada, especialmente desenhada para ser utilizada de acordo com as funções exercidas neste local. O piso, mantido sempre encerado, é feito de um mogno com um tom rico, distinto de locais comuns. Entretanto, o que mais chama a atenção nesta construção é a peça de centro desta sala: uma mesa feita de uma madeira negra indistinta que forma um círculo perfeito, circunscrito aquele formado pela parede.
No centro do círculo formado pela mesa há um painel esférico, cheio de medidores, slots e engrenagens, direcionado a ser utilizado por aqueles que se sentam ao redor dela. Há o símbolo de uma peça de xadrez pintado no topo deste painel: um Rei Branco. Ao redor da mesa, há 5 cadeiras de couro negro e, em cada cadeira, há um símbolo diferente desenhado em fios de ouro no tecido. Em sequência: uma coroa cravejada de pedras preciosas, um baú fechado, um ás de espadas, um livro com um brasão de uma pequena bolsa e um escudo com um brasão de um colar.
O barulho de uma porta metálica sendo aberta é ouvido, enquanto uma conversa indistinta acontece do lado de fora. Protocolos de segurança são falados e ouvidos. Três indivíduos adentram a sala circular, dois homens e uma mulher. Um dos homens é um senhor de cerca de quarenta anos que utiliza um terno preto e tem cabelos grisalhos. O outro homem também utiliza um terno preto, porém parece ser mais jovem e tem óculos de lentes redondas, dando-lhe uma aparência pueril. A mulher, mais alta que ambos os homens, utiliza uma camisa formal e uma calça longa. Uma cicatriz marca sua face austera. Todos utilizam um colar adornado com um grande pingente dourado.
Após todos entrarem, a porta metálica se fecha, anulando completamente todo o som que vinha do lado de fora. Sem trocar uma palavra, cada um deles toma seu lugar à mesa circular. O homem grisalho senta-se na cadeira com o símbolo da coroa, a mulher senta-se na cadeira com o símbolo do escudo e o homem com óculos senta-se na cadeira com o símbolo do livro. Em um uníssono, os três tiram seus colares e os depositam no tampo da mesa.
O homem grisalho é o primeiro a se manifestar. Ele pega seu colar dourado e aciona um mecanismo na lateral do pingente, que revela ser um relicário. De dentro de seu relicário, ele remove uma pequena chave dourada, a qual insere no painel circular no centro da mesa. O painel, ao ser acionado pela chave, começa a fazer um barulho estranho de mecanismo, como se várias engrenagens estivessem se acionado dentro dele.
A seguir, a mulher pega o seu colar e faz um movimento parecido com o do primeiro homem. Abrindo seu relicário, ela revela um anel prateado, o qual coloca no dedo indicador da mão direita. Em um compartimento do mecanismo central na sua frente, ela encosta o anel, dando procedimento ao que era exigido pelo mecanismo. Luzes agora se manifestam na sala, iluminando seu antes escuro interior e o mecanismo começa a lentamente rotacionar a mesa.
O último homem é aquele que finaliza o processo. Ele abre seu colar, revelando um minúsculo datapad. Ele examina o datapad com atenção, abaixando seus óculos. Aproximando sua mão deliberadamente do mecanismo, ele parece digitar algo em um teclado invisível. O mecanismo subitamente para de se mover. As luzes na sala se estabilizam. Uma voz robótica é ouvida, saindo de alto falantes presentes em algum lugar da mesa: "Sejam bem vindos, representantes do Rei Branco. Como posso auxiliá-los a planejar seu próximo movimento no Grande Jogo hoje?"
A mesa havia se transformado em uma central tecnológica. Na frente de cada uma das pessoas sentada nela havia diversos equipamentos que poderiam ser utilizados de acordo com sua necessidade, desde um teclado com um pequeno monitor a blocos de anotações e toda sorte de minúcia e acessórios que precisassem.
O homem grisalho disse: "Olá, Acervo. No momento, queremos apenas que você nos conecte com os outros, sim? Eles já devem estar nos aguardando." O qual foi respondido com uma resposta afirmativa pela voz que vinha da mesa. Em questão de alguns instantes, os outros assentos, antes vagos, foram preenchidos por hologramas perfeitos dos dois outros membros faltantes, uma mulher e um homem.
Após este processo, o homem grisalho se manifestou novamente: "Muito bem. Com a presença de todos, como Presidente do Círculo, declaro esta reunião emergencial do Relicário oficialmente aberta. O Rei Branco se move novamente."
O Presidente olhou em volta para os rostos ao redor da mesa, hesitantes. Após uma desconfortável pausa de cinco segundos, bateu ambas as mãos na mesa, causando um barulho sólido. Seu semblante mudou de sério para zangado. "Agora que já passamos pelos preâmbulos, os senhores podem me informar como a Rainha Negra conseguiu roubar uma das nossas Oito Relíquias?" Sua indagação foi seguida por um silêncio desconfortável, como se ninguém na mesa quisesse se manifestar primeiro.
Entretanto, uma resposta eventualmente veio. "Nós não sabemos." A voz que respondera pertencia à mulher sentada na cadeira simbolizada pelo Escudo, era uma voz profunda e que demandava autoridade. "Suspeito de uma quebra de segurança interna." Ela disse, com os cotovelos apoiados na mesa e o olhar direcionado para o homem que estaria sentado na cadeira com o símbolo do Ás.
"Uou, uou, uou, calma aí Égide." Soou a voz do terceiro homem que estava presente na sala. Sua imagem se manifestava como um homem com a cabeça raspada e um bigode fino. No lóbulo de sua orelha direita estava um brinco com uma pedra roxa. Também vestia um terno preto, como os presentes na sala. "Não é porquê 10S foi invadida que a culpa é automaticamente da inteligência. Por que os seus esquemas de segurança infalíveis não funcionaram?" Ele disse, fazendo um gesto que representava as aspas com os dedos na palavra "infalíveis" e escárnio na voz.
Por sua vez, isso fez a mulher que havia sido confrontada cerrar seu semblante. Quando ia abrir a boca para falar, outra voz soou na sala. "Senhores, acredito que estamos aqui para resolver uma emergência." A voz, surpreendentemente firme, vinha do homem sentado na cadeira do livro. "A falha em proteger uma de nossas mais importantes Relíquias é claramente compartilhada tanto pelo Setor de Inteligência quanto pelo Setor de Segurança." O homem disse isso olhando respectivamente para o Ás e para a Égide.
O Presidente interviu, removendo as mãos da mesa e voltando a atenção para uma tela que se manifestou em sua parte da mesa. "De fato. O que sabemos, Arquivista?" disse, enquanto observava a sua frente um mapa de 10S, a área invadida pela Rainha Negra.
O homem de óculos arredondados pegou um dispositivo em forma de caneta que estava em sua porção da mesa e levantou-se, sendo fuzilado pelo olhar tanto do Ás quanto da Égide, que observavam calados. Os outros membros do Círculo voltaram sua atenção para ele, enquanto o mesmo caminhou em direção ao norte da sala. Enquanto o Arquivista caminhava, o maquinário no centro da mesa fazia o barulho de engrenagens e mecanismos e o formato da sala se distorcia de uma forma não-natural. A parede, antes curva, agora se manifestava como completamente plana, enquanto o espaço da sala parecia maior do que era apenas um segundo atrás.
O Arquivista então apontou o dispositivo tubular em sua mão direita para a parede e, com alguns cliques, uma projeção de um desenho técnico apareceu na tela. No canto superior direito havia desenhado o número do 10 seguido do símbolo do baralho que representava as espadas. O desenho mostrava uma base subterrânea localizada em um local remoto do Espírito Santo. "De acordo com câmeras de vigilância na área e dados coletados de sobreviventes, a área 10S foi invadida hoje às 0427 horas por uma força de elite não-identificada da Rainha Negra."
O homem fez um meneio de cabeça para o Ás. "Análises de inteligência demonstram que os soldados conheciam o layout da instalação e sabiam exatamente para onde se dirigir de modo a coletar o Fator XX, o que pode indicar um vazamento de dados ou infiltrações em nossa organização."
O Ás pigarreou. "Meus agentes já estão trabalhando nisso. Os Valetes irão descobrir com certeza se temos infiltrados que possam ter vazado qualquer informação para eles." Um grunhido foi ouvido da Égide. O Ás a ignorou. "Linhas de comunicação para fora de bases na zona sudeste do país já estão sendo interceptadas neste momento. Resta apenas saber como a Rainha conseguiu penetrar a nossa organização…" Ele disse, colocando as palmas das mãos juntas sobre a mesa e virando seu olhar para a Égide.
"Estou tão curiosa quanto a isso quanto você, Ás." A mulher respondeu, em um tom incisivo. "Eles terem invadido essa base tão facilmente não foi uma falha da segurança, foi, como eu disse anteriormente, uma falha da inteligência. A segurança externa teria funcionado, mas nenhum esquema é perfeito, especialmente quando se lida com a Rainha Negra. Você não havia descoberto que agora eles têm uma área de treino exclusivamente militar?"
O Ás fez um meneio de cabeça, concordando. "Pois então. A nossa organização depende de subterfúgio e informações para se manter operante. Sem informações, é como tentar parar uma bala com um pedaço de papel." A Égide disse, fitando o Ás. Então virou sua cabeça novamente para a projeção. "O que mais nós sabemos, Arquivista?"
O Arquivista gerou outra série de cliques em seu dispositivo tubular. "Indo diretamente ao ponto: Eles massacraram a maior parte do pessoal de segurança sem muito esforço. Não conseguiram capturar nenhum dos nossos vivos, como de costume. O protocolo de segurança interna postulado pela Égide continua extremamente eficaz. Os responsáveis pelo Fator XX conseguiram subtrair grande parte da documentação envolvendo a Relíquia antes que a Rainha a capturasse. Entretanto, não conseguiram impedir que eles levassem a Relíquia em si e a parte da documentação histórica, a que relata como a usávamos antigamente, em missões secretas e em alvos de alta periculosidade, para ações de assassinato. De acordo com o Curador responsável pela Relíquia, eles não sabem nada a respeito do papel do Fator XX na produção dos nossos compostos. Essa informação é corroborada por gravações efetuadas em 10S durante a invasão."
Uma voz nova soou na sala. A voz vinha da cadeira com o símbolo do baú, ocupada por uma mulher de cabelos louros, com um rosto extremamente bonito. Ela estava lixando as suas unhas, aparentemente sem prestar atenção no que estava ocorrendo a sua volta. "Finalmente chegamos onde eu queria." Sua voz soava entediada. "O que faremos agora que cerca de 30% do nosso lucro mensal acabou de desaparecer? Se eu não me engano, isso chega próximo da casa de, o que, uns 260 bilhões?" Ela disse, dando de ombros ao falar o valor.
A voz provocou um silêncio desconfortável na sala. O Presidente se manifestou. "É para isso que esta reunião foi convocada, Tesoureira. O Círculo precisa decidir o que fará daqui em diante. Claramente a nossa maior prioridade nesse momento é recuperar o Fator XX. O que a Rainha Negra fez é um ato de guerra e um crime imperdoável, que nos coloca em uma posição extremamente precária." O Presidente cruzou os braços. "O que faremos a respeito?" Ele disse, olhando ao redor da mesa.
O Arquivista foi o primeiro a se manifestar, começando a mover-se de volta a mesa central. "Eu diria que devemos utilizar nossos próprios agentes infiltrados na Rainha Negra. Descobrir para onde eles levaram o objeto, o que podemos fazer para recuperá-lo, e etc."
O Ás virou-se para ele. "Muito arriscado. Nossos agentes já tem dificuldade o suficiente para entrar em contato conosco com as coisas como estão. Se não tomarmos cuidado, corremos o risco de perder anos de trabalho em questão de dias. Sugiro que entremos em contato com nossos amigos do Cavalo Marfim. Eles com certeza conseguirão descobrir onde o Fator XX está. Dinheiro para pagá-los não é problema no momento."
Uma risada foi ouvida. "No momento, meu caro amigo." Disse a voz da Tesoureira, cheia de sarcasmo. "Espero que vocês consigam recuperar esse objeto rapidamente." Seu aparente tédio desaparecera, sua face agora tomada por um misto de emoções difíceis de decifrar. "Nós temos clientes sedentos nos aguardando nas ruas e nossos suprimento de Periaptos deve durar apenas dois meses. Basicamente todo o mercado que criamos nos últimos anos no leste europeu e na Ásia irá cair em cima de nós. Isso sem falar na produção de Axiomas, Corolas… As nossas operações utilizando Cartas da Corte e no Setor de Pesquisa com certeza ficarão altamente comprometidas. Se não recuperarmos o Fator XX logo, a Rainha Negra terá efetivamente nos aleijado por muito tempo. O mais irônico é que eles sequer sabem disso."
"Nossos clientes não precisam saber que a produção de Periaptos está paralisada no momento." Disse o Presidente. "Os outros não são tão urgentes. Manteremos a parte econômica como está no momento. Faça um planejamento de crise em último caso, porém, acredito que, com dedicação, em dois meses já teremos lidado com este problema. Ás, entre em contato com o Cavalo, faça eles descobrirem pra nós onde esse objeto está. Quero saber até o nome da mãe de quem descobriu onde ele estava sendo guardado e de quem estava envolvido na operação. A partir dessa informação, poderemos discutir qual será nosso próximo movimento."
Com um aceno de cabeça, o holograma que representava o homem que até então havia sido chamado de Ás desapareceu da mesa. A Tesoureira, reconhecendo sua dispensa, fez o mesmo. "Égide, revise e reforce nossos protocolos de segurança que protegem nossas principais instalações, sem poupar recursos, dando especial atenção para aquelas que guardam as Relíquias remanescentes. Não sabemos o que mais a Rainha pode saber a respeito de nós, mas acredito que não seja muito, se não eles já teriam atacado."
A Égide fez algumas anotações em um bloco de notas a sua frente e começou a guardar algumas coisas em uma maleta manifestada pelo Acervo. "Arquivista, cheque as nossas Enciclopédias. Quero todas as informações possíveis a respeito da Rainha Negra que tivermos, contatos de agentes infiltrados, instalações que eles possuem, onde se localizam, etc., etc. Quando o Ás trouxer a informação a respeito de onde o Fator XX está escondido, quero que dedique especial atenção a descobrir informações do local."
O Arquivista fez uma reverência e também começou a guardar suas coisas. A voz do presidente soou pela última vez naquele dia. "Acervo, salve esta gravação, sim? Poderemos precisar acessá-la novamente mais tarde. Declare esta reunião como encerrada. O Rei Branco toma a Rainha Negra."
Um homem acordou e sentou-se em sua cama, cansado. Respirou fundo. Pegou seu smartphone, deixado na noite anterior em sua cabeceira ao seu lado, junto com outras trivialidades, incluindo sua peça de joalheria preferida, um brinco com uma grande ametista. Passou a mão na cabeça raspada enquanto bocejava. Viu uma notificação. Poderia esperar.
Lentamente levantou-se, colocando um roupão cafona que havia ganhado de presente de sua ex-esposa. Foi para a cozinha de seu apartamento de luxo. Gostava de fazer seu próprio café durante as manhãs. Deliberadamente completou seu ritual matinal.
Após ter feito isso, voltou sua atenção para a notificação em seu smartphone. Não era uma notificação comum, ela vinha do seu link pessoal com a rede interna do seu trabalho. Era uma mensagem de um velho amigo, que conhecera nos tempos da Ditadura Militar. Parecia que havia sido uma vida atrás agora. Leu a mensagem. Finalmente o que ele queria foi feito.
Com vigor renovado, rumou para o terminal localizado em seu escritório. Ao sentar-se em sua escrivaninha, o monitor se iluminou com um único símbolo, que ele conhecia muito bem. Sua carta de baralho favorita, o Ás.
Inseriu sua identificação biométrica e de retina, acessando sua versão pessoal do Acervo, para olhar o relatório que seu amigo havia enviado:
O homem fechou o documento, após concluir sua leitura e suspirou profundamente. Teria muito trabalho a sua frente. Pegou seu smartphone e discou um número.
Uma jovem passou a mão em seus cabelos curtos. O cheiro de cigarro era forte no local. "Será que dá pra você me ouvir uma vez na vida e parar de fumar, Sete?" Ela rapidamente deu um tapa no mão do homem ao seu lado, que segurava um cigarro aceso.
"Nossa, Dez…" Ele respondeu. "Era só você ter falado, não precisava ter desperdiçado um cigarro quase inteiro." Ouviu-se o barulho de mais duas vozes resfolegando. "Chega." Disse a voz da jovem de cabelos curtos. "Estamos em território desconhecido aqui e não sabemos o que nos espera. Quero silêncio absoluto. A não ser que alguém esteja pegando fogo, se eu ouvir um pio, eu mato quem deu ele." O silêncio caiu sobre a clareira.
Nas profundezas da floresta amazônica estava o esquadrão de elite de reconhecimento do naipe de Paus, conhecido como Straight Flush, enviado para descobrir uma instalação secreta. O Ás não havia dado muitas informações a respeito do que eles estavam procurando exatamente, apenas um mapa com um local marcado. O GPS não funcionava direito no meio da mata amazônica. Instruiu para que o Oito usasse o rádio de longo alcance para entrar em contato com o posto avançado D07 localizado no mesmo Estado e aguardar instruções.
O Straight Flush era composto de quatro membros: Dez, Nove, Oito e Sete. Dez, a jovem líder. Apesar da pouca idade, tinha várias operações de sucesso em seu histórico, tendo trabalhado em nome do Relicário com grande paixão desde adolescente. Nove era seu segundo em comando, um homem magro que quase nunca falava. Apesar disso, era um soldado de eficiência cruel, conhecido por ser um dos melhores atiradores e estrategistas em campo da organização. Oito era o especialista tecnológico do esquadrão. Sabia de tudo um pouco, se você precisasse operar um computador ou consertar um carro, ele era o seu homem. Já o Sete, apesar de descuidado, era um dos maiores especialistas em infiltração e técnicas de interrogatório e psicologia em campo, tendo lidado com muitas situações desagradáveis para a equipe ao longo dos anos. Também era o navegador do grupo.
Após cerca de três dias viajando para dentro da floresta em busca de um prédio que talvez nem existisse, depois de pegar uma balsa atravessando o Rio Amazonas e ser picado por uma miríade de insetos, afastando animais selvagens e dormindo no relento, os ânimos não estavam exatamente dos melhores. Dez sabia disso. Ter brigado com o Sete e falado pros outros calarem a boca talvez não tivesse sido a melhor solução. Conversaria com eles quando acampassem mais tarde.
Mas, talvez ela não precisasse fazer isso. Após alguns minutos caminhando depois de brigar com seu esquadrão, Sete cutucou seu braço e apontou para um espaço entre as árvores à sua esquerda.
Haviam chegado.
"Confirmado, QG. Estamos na porta do que parece ser um bunker. A porta é metálica e tem uma tranca manual em forma de válvula. Está em um local extremamente remoto, exatamente nas coordenadas indicadas no briefing." A voz jovial do Oito soou. Uma resposta veio em forma de uma voz masculina familiar.
"Muito bem, Straight Flush. Temos informações que essa porta é a chave para invadir o local onde a Relíquia que foi roubada em 10S está guardada. A missão de vocês é assegurar a área e fazer o reconhecimento interno do local. Utilizem o telefone via satélite que foi entregue a vocês para enviar as coordenadas exatas da entrada deste local para D07, para que planejemos uma rota de suprimentos de longo prazo." Disse o Ás. A missão estava sendo brifada diretamente por ele, um acontecimento inédito. Dez enxergou isso como sua oportunidade para finalmente ser promovida a uma das Cartas da Corte. Também podia enxergar sua empolgação no rosto de seus colegas.
"Espero um relatório de vocês em cerca de duas horas. Tomem cuidado, não sabemos o que os aguarda aí dentro. Vocês tem autorização para utilizar força letal caso necessário, mas tentem extrair qualquer possível alvo que encontrarem vivo. Queremos o máximo de dados possíveis que encontrarem também." O Ás completou. Em uníssono, todos os membros do esquadrão responderam uma afirmativa.
Oito desligou o rádio. "Muito bem rapazes. Sei que fui rude com vocês mais cedo e peço desculpas por isso, mas agora que estamos aqui, é hora de trabalhar. Essa pode ser a oportunidade que estamos procurando há muito tempo de chegarmos a posições importantes na Corte." Disse Dez. Os rapazes balançaram a cabeça positivamente. "Chequem seu equipamento, limpem suas armas."
Algum tempo depois, estavam prontos para penetrar o bunker. Seguindo o protocolo padrão, Nove e Sete ficaram a direita da porta, enquanto Oito e Dez ficaram a esquerda. Nove abriu a maçaneta da porta, enquanto Oito rapidamente adentrou o recinto, seguido por Sete, Dez e por último o próprio Nove.
O local era um corredor de paredes cinzas lisas, cheias de rachaduras. A entrada da porta tinha musgo e alguma vegetação crescendo no solo, provavelmente devido a anos de abandono. Nos tetos, haviam canos e fios que percorriam as instalações. Quando Oito entrou no corredor, o som dos balastros de luzes incandescentes foi ouvido, conforme as mesmas acendiam no teto. O chão estava coberto de partículas acinzentadas grandes, que se moviam no ar conforme eles caminhavam, rapidamente se espalhando pelo local, como se fosse pólen de flores em um campo vasto.
"O ar está ficando lotado dessas partículas que estão depositadas no chão" Disse Oito. "Acho melhor colocarmos nossos respiradores, chefe." Dez concordou. "Vocês ouviram o homem." Ela disse, enquanto pegava uma máscara de dentro de sua mochila. A máscara era uma paratecnologia fabricada pela organização, era muito utilizada por eles em missões variadas, capaz de prover ar fresco em um compartimento extremamente pequeno por mais de três horas antes de precisar ser recarregada. Todos colocaram suas máscaras.
Avançando pelos corredores em formação, a equipe rapidamente percebeu que o local estava completamente deserto. O corredor principal pelo qual adentraram era longo e acabava em uma sala com uma porta similar a do bunker que entraram, apesar de estar em um estado muito mais bem conservado. Na porta, estava uma placa escrito "Sala de Controle #3". Seguindo o protocolo de penetração padrão, a equipe decidiu adentrá-la.
Essa sala era diferente dos corredores. Sendo extremamente ampla, com um pé direito muito alto, a sala era repleta de equipamentos computacionais antigos, hardware que lembravam o Oito das fotos que ele vira do primeiro computador que já existiu quando ele era criança, o Eniac. Haviam várias mesas de comando espalhadas pela sala de forma ordenada, com telas rachadas, servidores e medidores obscuros. Tudo recoberto por um camada do onipresente pó cinza.
Oito assoviou. "Os Escritores vão adorar isso aqui." Dez se manifestou. "Silêncio, Oito. Não sabemos o que pode estar escondido aqui." Dez levantou uma de suas mãos enquanto mantinha a outra em sua arma, fazendo alguns sinais consecutivos, ordenou que sua equipe se espalhasse e investigasse a sala por completo. A equipe se espalhou e começou a examinar a sala. Não encontraram nenhuma ameaça imediata, mas encontraram várias pastas repletas de documentos que poderiam ser úteis para a organização e uma outra porta que levava para outro corredor. Essa porta tinha uma placa apagada que lia "Acervo Documental". Dez ordenou que eles coletassem qualquer coisa que encontrassem, poderia ser útil para os Escritores mais tarde.
Depois de assegurarem o local, se reuniram em uma das mesas próxima ao centro da sala. "Muito bem pessoal, aparentemente este local está completamente abandonado, o que facilita nosso trabalho. Sete, quero que você mapeie a instalação em tudo o que andamos até agora. Faça um mapa digital no seu datapad que a equipe técnica possa examinar depois, vai facilitar para navegarmos aqui dentro. Oito, investigue essas mesas e computadores, veja se eles ainda estão operacionais e se você consegue extrair algo deles. Nove, fique com o Oito enquanto eu e o Sete exploramos mais a diante. Fiquem de olho nos seus rádios para o caso de emergências."
Os homens murmuraram afirmativas. Oito começou a examinar o hardware presente na sala acompanhado por Nove, enquanto Dez e Sete se dirigiram para a nova porta. Sete tinha uma habilidade manual incrível, e já começara a traçar um mapa em seu datapad.
O trabalho de reconhecimento havia começado.
Dez estava sentada em uma das tendas montadas no acampamento do lado de fora do bunker, conversando amenidades com seus amigos de esquadrão, quando uma das abas da tenda foi aberta e o rosto de um dos Escritores apareceu. "Tenho uma transmissão para você, Dez." Dez rapidamente se levantou, despediu-se de seus amigos e saiu da tenda, se dirigindo a casamata principal que foi erigida no centro do acampamento.
O acampamento foi montado em tempo recorde. Depois da exploração inicial feita por Straight Flush e a descoberta do Acervo Documental, em apenas dois dias uma equipe de pesquisa do relicário composta de doze Escritores estava presente ali. Dez suspeitava que eles tinham algum meio de transporte que não dividiam com mais ninguém. Em apenas mais um dia eles montaram um acampamento completo, com direito a construções fortificadas. Dez não fazia ideia de como haviam feito aquilo.
Entrando na casamata principal com paredes reforçadas de um material branco e espesso, Dez viu o líder dos Escritores, o Curador chamado Anacreon, conversando com alguns outros Escritores. Eles estavam compilando a terceira Enciclopédia desde que chegaram no local, há alguns dias. Aparentemente tinha mesmo muito material dentro daquele lugar.
Ela cumprimentou-os brevemente e foi em direção ao rádio de longo alcance instalado ali. "Olá?" A voz que respondeu do outro lado foi familiar. "Olá, Dez. Como está sua estadia na floresta amazônica?" era o Ás. Novamente. Dez havia falado com o Ás apenas quatro vezes em sua vida, e ali estava a segunda vez que ele a contatava em três dias. "Olá, Senhor. Está ótima, obrigado."
"Muito bom. Vamos diretamente ao ponto. Primeiramente, parabéns pela missão bem sucedida. Você e seu time novamente superaram as expectativas." Dez agradeceu o elogio e sentiu um calor no peito. "Estou entrando em contato com você pois estarei colocando sob sua responsabilidade outra missão que é essencial para a nossa organização. É o motivo pelo qual vocês foram enviados para localizar este Bunker. Anacreon me informou que ele já está em um estágio de pesquisa avançado com o que foi descoberto no interior do local. Isso possibilita uma infiltração em um local de alta prioridade. Ontem a noite foi despachado para a sua localização um Rei de Paus."
Dez engoliu em seco. "Um Rei de Paus? Mas… Por que?" Ouviu-se uma risada do outro lado da linha. "Tudo a seu tempo, Dez. Aguarde a chegada dele. É provável que ele chegue amanhã de manhã. Ele e Anacreon farão seu briefing." Os agentes designados como Reis de Paus são conhecidos pelas capacidades de infiltração lendárias no Relicário. Dez havia ouvido histórias a respeito de como um Rei de Paus havia invadido a instalação mais segura da SBP durante a ditadura militar, roubado códigos de acesso a única bomba nuclear construída por eles e escapado sem ter sido sequer detectado.
Dez sentiu um nervosismo incomum. "Afirmativo, Ás." A voz soou novamente. "Relaxe, Dez. Com o Rei de Paus a seu lado, a missão é um sucesso praticamente garantido. Aproveite a noite. Você terá muito trabalho pela frente. Ah, falando nisso, te darei um código de segurança. Utilize-o para se identificar quando ele chegar."
A voz macia do Ás ainda ecoava na cabeça de Dez enquanto ela observava uma silhueta com roupas negras esfarrapadas e um capuz se aproximando do acampamento com seus colegas do Straight Flush, caminhando por entre a densa mata da floresta amazônica. "Então esse é um Rei de Paus? Um mendigo de preto?" Sete disse, ironicamente. Oito riu. Dez e Nove não se manifestaram. Nove estava anormalmente quieto nesse dia, até mesmo para ele. Os nós dos dedos estavam brancos, segurando o punho do seu fuzil com força. Suor escorria em seu rosto.
Quanto mais a silhueta se aproximava, mais estranha ela parecia. O passo era arrítmico, como se o homem mancasse. As suas proporções eram esquisitas, como se fosse um rabisco mal desenhado. Os braços longos, passavam da altura dos joelhos. Mesmo a distância, uma sensação desconfortável se apossava dos presentes. Mesmo Sete e Oito que até um momento atrás estavam fazendo piadas caíram em silêncio soturno.
A figura finalmente parou de andar a cerca de seis metros deles. Uma voz extremamente grave saiu das profundezas de seu capuz. "Código de segurança." Dez engoliu em seco, mas respondeu. "Somos apenas poeira no Tabuleiro." A figura permaneceu completamente imóvel. A tensão no ar era palpável. Dez conseguia sentir o medo presente em seus colegas. Era algo que um líder aprendia a reconhecer rapidamente enquanto estava no campo.
"Desculpem pela surpresa, rapazes." Uma voz soou a cerca de meio metro a direita de Dez. Todos os membros do esquadrão rapidamente se viraram com armas em punho para a direção de onde a voz viera. Viram apenas árvores e folhas.
"Podem abaixar as armas." A voz soou novamente. Como se saído de dentro da sombra de uma das árvores, surgiu um homem de cabeça completamente raspada. Usava roupas de cores indistinguíveis do ambiente ao seu redor da distância em que Dez estava. Mas, com um movimento rápido, suas roupas rapidamente mudaram de cor e ficaram pretas. Seu braço esquerdo estava estendido a sua frente, formando um "L", paralelo ao seu corpo. Na manga, voltado para Straight Flush, estava desenhado em fios de ouro um símbolo de um Rei de Paus. Sua pele era de um tom que a lembrava da madeira escura que Dez via nas mesas das salas de reunião de sua organização.
"Abaixem as armas." Dez ordenou e virou-se para olhar a figura esfarrapada. Ela não estava mais lá. Ela voltou seu rosto, confuso, para o homem que surgiu das árvores. "Protocolo padrão. Precisamos sempre checar se os homens que estão nos recebendo são confiáveis. Aquilo era um holograma." Com um belo sorriso, o homem começou a se aproximar do esquadrão. "É um prazer." Como se o protocolo subitamente voltasse a eles, imediatamente todos entraram em uma posição de sentido e falaram em uníssono "Estamos a sua disposição, senhor."
O Rei de Paus riu. "À vontade. Não precisam ser tão estritos com o protocolo." Seu sorriso desaparecera. "Entretanto, precisamos ir direto aos negócios. Levem-me ao Curador."
Já dentro da casamata principal, Straight Flush estava reunida com o Curador e o Rei de Paus. Alguns outros Escritores estavam presentes na sala, copiando documentos em um grande tomo. "Rei de Paus, é um prazer conhecê-lo." Disse Anacreon. Era um homem de cabelos brancos e com uma barba densa. Sua voz era muito grave. "Igualmente, Curador. O Arquivista me disse grandes coisas a seu respeito. Ouvi dizer que esta operação não seria possível sem o seu trabalho." O Rei de Paus respondeu.
Anacreon assentiu. "Não é graças apenas a meu trabalho, mas sim. Tivemos muita sorte de ter acesso a documentação que encontramos aqui devido ao trabalho de Straight Flush." O Rei de Paus cruzou os braços e sorriu. "Muito bem. Diga-nos qual é o plano."
Anacreon pigarreou, como se para limpar sua garganta. Ele então começou a mexer em papéis na mesa que estava no centro dos presentes. "Desde que chegamos aqui, temos investigado a respeito do que é este local. Aparentemente, é uma Abnormalidade espacial criada pela Superintendência Brasileira do Paranormal com o objetivo de servir como uma 'central' de teletransporte. Eles a usariam para transportar equipamento e funcionários de forma praticamente instantânea para várias bases do país." Ele disse, apontando para algumas fotos de equipamentos militares encontrados no bunker e alguns documentos espalhados com o timbre da SBP.
"Acontece que algo deu errado durante a construção desta Abnormalidade. Eles utilizaram um material que chamam de 'Essência de Hefesto' para construir tudo lá embaixo e aparentemente ele é parte central de como a anomalia funciona, dimensionalmente. Acreditamos que o pó cinza que é presente em todo o lugar lá dentro são os remanescentes dessa 'Essência'. É altamente tóxico, não pode ser respirado em hipótese alguma. Não irei importuná-los com detalhes técnicos. O que isso significa para vocês é o seguinte:" Ele virou-se para fitar Straight Flush e o Rei de Paus.
"Há cerca de duas semanas, a Rainha Negra invadiu uma das nossas bases. Não sabemos exatamente como eles descobriram a localização dessa base, mas nela estava guardada uma de nossas Oito Relíquias." A surpresa de Straight Flush foi audível. Anacreon levantou a mão espalmada para que eles não perguntassem neste momento.
"Os detalhes não são importantes. O que importa é que eles eliminaram muito dos nossos e roubaram esta Relíquia em particular. A missão do Rei de Paus aqui é trazer esta Relíquia de volta para a nossa organização." Dez estava boquiaberta. Agora tudo fazia sentido. "A Inteligência descobriu que eles guardaram a Relíquia em uma instalação em Minas Gerais que chamam de Sítio PT33. É uma instalação militar de altíssima segurança. Não conseguimos encontrar nenhum meio convencional de invadí-lo."
Anacreon suspirou. "Entretanto, o Sítio PT33 é construído em cima de uma antiga instalação da SBP. Uma instalação que está ligada a Abnormalidade presente aqui. Acredito que com as informações que compilei, poderei criar um portal no interior do Sítio PT33 que o Rei de Paus poderá utilizar para infiltrar-se e retomar a nossa Relíquia. A missão de vocês, Straight Flush, é guiar o Rei no interior da anomalia e auxiliá-lo no que for necessário para assegurar que a missão seja cumprida. É vital para a nossa organização que esta Relíquia seja devolvida a seu lugar correto. A respeito da Relíquia: O que vocês precisam saber é que ela é uma seringa com efeitos variados que chamamos de Fator XX e ela é extremamente importante para o desenvolvimento econômico da nossa organização."
Dez mal conseguia conter sua empolgação. Aquilo era o que ela estava aguardando há anos. Finalmente uma oportunidade de provar sua capacidade. "Quando você pode fazer isso, Curador?" Ela perguntou. Anacreon deu de ombros. "Tecnicamente, se vocês quiserem, posso dar o comando para que o portal seja aberto em uma hora." Dez olhou, expectante, para o Rei de Paus.
Antes que o Rei de Paus pudesse responder, entretanto, Anacreon falou novamente. "Ah, algo que eu esqueci. Uma outra parte da missão é adquirir um dos membros de alto escalão envolvidos no planejamento da operação que invadiu a 10S." Anacreon pegou uma pasta na mesa, entregando-a para o Rei de Paus. "Aí dentro estão as fichas deles, de acordo com o que foi obtido pela inteligência. Imagino que não deva ser muito complicado para você fazer isso, ou o Círculo não teria pedido."
O Rei de Paus assentiu. "Abra o portal então, Anacreon." Sua voz soou. "Straight Flush, peguem seu equipamento de infiltração e rádios de curto alcance. Nos encontraremos na Sala de Controle #3 em 30 minutos."
Trinta minutos depois, eles estavam na Sala de Controle #3, completamente equipados e preparados para o que viria a seguir. Anacreon estava com alguns outros Escritores, revisando o material adquirido por eles em uma Enciclopédia relacionada especificamente a aquela sala. Eles estavam sentados em múltiplas mesas diferentes e aparentemente se preparavam para a operação que teria início em breve.
"Muito bem, Straight Flush." Disse o Rei de Paus. "Vamos conversar a respeito de como essa operação vai ser executada." Ele fez um sinal e os cinco se dirigiram para uma das mesas na sala que estavam desocupadas. Na mesa, havia um desenho de uma planta baixa. O Rei apontou para ela. "Aqui estão todas as informações que conhecemos da instalação. O motivo de eu estar mostrando isso para vocês apenas agora é por que não é muita coisa. Aparentemente o local é uma espécie de 'Fort Knox' da Rainha Negra. Sequer sabemos onde a relíquia está de fato na instalação." O Rei de Paus sorriu. "Mas isto não é problema. A forma que trabalharemos é a seguinte: Pelo que Anacreon me disse, esse portal que ele irá abrir vai aparecer em uma parte bem pouco movimentada do sítio, na casa de máquinas deles. De lá, imaginamos que teremos acesso ao painel elétrico de cessões do sítio." O Rei de Paus falava conforme apontava para locais específicos na planta, aparentemente tendo estudado-a detalhadamente.
"O Círculo me autorizou a compartilhar com vocês um pouco da tecnologia que as Cartas de Corte utilizam. Como não temos muita inteligência a respeito da instalação e essa pode ser a nossa única oportunidade de retirar a Relíquia de lá, é vital que vocês cumpram as ordens que eu lhes der ao pé da letra e que executemos o que for necessário com o máximo de precaução possível. Eis o plano:" O Rei de Paus retirou algumas coisas de uma bolsa lateral que estava em seu cinto. Dez notou como seus movimentos eram muito fluídos, como se já tivesse feito aquilo milhares de vezes. A tensão nos outros presentes era palpável.
Ele colocou dois objetos na mesa. Um deles era um círculo negro com vários outros pequenos círculos de um material transparente circunscritos ao círculo negro.. No centro do círculo, havia o que parecia ser um pequeno buraco. Ao seu lado, haviam duas seringas hipodérmicas de exterior metálico. "Este" O Rei disse, apontando para o círculo "é um projetor holográfico perfeito. O que ele faz é copiar perfeitamente a aparência e a voz de alguém. Já as seringas, são algo muito especial. Ironicamente, elas são feitas utilizando o Fator XX. São um soro da verdade. Chamamos a substância de Axioma."
Dez olhou para seus companheiros. A surpresa em seus olhares era visível. Ela já tinha ouvido falar de algumas coisas utilizadas por unidades de elite, mas não imaginava a extensão do desenvolvimento tecnológico de sua própria organização. Oito estava literalmente boquiaberto. "O que eu farei é o seguinte: Vocês me auxiliarão a entrar na casa de máquinas deles. Lá, encontraremos algum trabalhador, de preferência alguém que aparente saber o que está fazendo. Utilizaremos o soro nele para tentar descobrir onde está guardada a Relíquia. Eu utilizarei o projetor holográfico para me disfarçar como esse trabalhador e me infiltrarei no sítio. Vocês ficarão escondidos próximos ao portal do bunker esperando para me extrair. Acredito que também seria útil que seu especialista tecnológico examinasse como os sistemas deles funcionam." O Rei de Paus falava enquanto apontava para o mapa. Ele soava tão casual, como se o que eles estivesse descrevendo fosse algo extremamente simples.
"Vocês também ficarão com rádios, para o caso que eu precise que façam algo. Na minha experiência, é provável que precisarei de alguma distração ou algo do gênero para facilitar a fuga ou a captura do objeto. Creio que vocês serão mais do que capazes de lidar com isso. Como a missão tem muitas incertezas, pretendo diminuir as variáveis desconhecidas o máximo possível." O Rei de Paus levantou seu olhar novamente para a equipe. "Alguma dúvida?"
"E se o trabalhador que encontrarmos não souber onde está escondido o objeto?" Disse Sete. "Sabemos que a Rainha Negra é cheia de mistérios. Acho difícil um trabalhador em uma casa de máquinas saber onde está guardado um objeto de perfil tão alto." O Rei de Paus pigarreou. "É por isso que eu trouxe múltiplas doses de Axiomas. Se for o caso, procurarei outro trabalhador na instalação que saiba onde está localizada a Relíquia, até encontrá-la. Avisarei vocês por rádio caso isso aconteça." Sete acenou a cabeça positivamente. "Muito bem. Mais alguma dúvida?"
Nenhum deles se manifestou. "Certo. Preparem-se. Temos muita coisa dependendo do nosso sucesso." O Rei de Paus se virou e começou a caminhar em direção a Anacreon. Dez virou-se para seus colegas. "O que vocês acham, agora que conseguimos falar sobre isso?"
"Me parece que a Rainha decidiu roubar o lugar errado." Sete disse, resfolegando. Oito apenas exclamou "Você viu aquele equipamento todo? Não é a toa que as Cartas de Corte fazem o que fazem." Nove apenas deu de ombros. Dez sorriu. No fundo gostava muito de todos eles. "Muito bem então. Que Deus nos ajude."
Alguns minutos se passaram. O Rei de Paus se aproximou deles novamente. "Tudo pronto. Anacreon me disse que o portal será aberto no Arsenal próximo daqui. Imagino que vocês saibam onde é." Sete e Nove acenaram com a cabeça. "Muito bem então. Vamos?" Todos preparam seus equipamentos e partiram pela porta da sala.
Alguns minutos depois, chegaram ao Arsenal, uma sala cheia de armamento antigo da época da SBP, caixas e estantes. "Dez, olha ali" ela ouviu a voz de Sete. "Aquela porta não estava aqui antes." Na parte sul da sala, havia uma porta nova. O Rei de Paus se manifestou. "Deve ser o portal do Anacreon. Vamos."
Na mesma posição padrão de sempre, mas agora com a adição do Rei de Paus na retaguarda, Straight Flush abriu a porta. Eles estavam no que parecia ser uma casa de bombas, com vários canos passando por todos os lugares, painéis elétricos e outros sistemas que eles não reconheciam. A arquitetura claramente era diferente do interior do Bunker.
Os Escritores haviam conseguido. Eles estavam dentro do Sítio PT33.
Straight Flush observava, enquanto o Rei de Paus habilmente interrogava um homem usando uniforme militar que encontraram próximo a casa de bombas. Ele o pegou com uma facilidade incrível, e havia utilizado um dos Axiomas no mesmo. Agora ele estava falando tudo o que sabia no canto da sala. Dez, particularmente, não lidava muito bem com tortura, então manteve-se afastada.
Após alguns minutos, o Rei de Paus havia concluído seu interrogatório. "Ele não sabe onde o "SCP", como ele chamou, está. Entretanto, ele me falou que quem guarda esse tipo de objeto provavelmente faz parte do Departamento Médico que fica a leste daqui. Peguei mais algumas informações interessantes para vocês." Ele entrega um datapad para Oito. "Imagino que isso pode ser útil no caso de você precisar criar uma distração. O datapad contém informações sobre o layout daqui, incluindo os sistemas ligados a esta casa de bombas." O Rei de Paus olhou para todos eles. "É aqui que nos separamos. Mantenham seus rádios ligados, mas não me chamem em hipótese alguma. Entrarei em contato com vocês se precisar." Com um aceno de cabeça, ele ativou o campo do projetor holográfico, transformando-se numa cópia perfeita do homem que havia sido interrogado e eliminado, saindo da sala.
Straight Flush ficou na sala, aguardando. Cerca de vinte minutos depois, o rádio soou. "Straight Flush, vocês me copiam?" Dez pegou o rádio que estava com Oito e respondeu. "Positivo. Câmbio." A voz do Rei soou novamente. "Muito bem. Descobri onde está a Relíquia. A nomenclatura que deram a ela é SCP-122-PT. Mas, para acessá-la, preciso de uma distração feita por vocês. O protocolo de segurança deles dita que, caso haja qualquer falha elétrica, os Diretores de todos os Departamentos devem checar pessoalmente a câmara de contenção de todas as anomalias sob sua alçada, já que eles usam sistemas eletrônicos na contenção da maioria. Aparentemente, é rotina ter esse tipo de coisa acontecendo aqui por que eles tem muitos protocolos emergenciais. Isso será muito conveniente para acessar o objeto. Preciso que vocês criem algum tipo de pane elétrica na seção de contenção leve do Sítio. O datapad deve apontar o local correto. Câmbio."
Dez respondeu com um afirmativo enquanto seus colegas começavam a se preparar para sair. "Outra coisa, Straight Flush. A segurança nesse sítio é muito alta. No rádio de vocês, há um modo de emergência. Caso comece a piscar uma luz vermelha, vão até as coordenadas de 122-PT no layout e assegurem a Relíquia. Essa missão não pode falhar em hipótese alguma. Eu encontrarei vocês no interior do bunker caso isso aconteça. Rei de Paus desligando."
As ordens do Rei de Paus fizeram os membros da equipe se entreolharem. Oito se manifestou primeiro. "Não existe a menor possibilidade de que consigamos gerar uma pane elétrica aqui. Com certeza uma instalação como essa tem vários backups e o sistema elétrico costuma ser isolado do resto do sistema em prédios civis, que dirá neste." Dez olhou para ele. "E o que você sugere que façamos?"
Oito sorriu. "Eu tenho uma ideia. Sete, vem cá." ele disse, se dirigindo para um dos painéis elétricos na sala em que estavam. De uma bolsa no seu colete, tirou um pequeno estojo. Abriu o estojo, que continha várias ferramentas como chaves de fenda, alicates, parafusos e etc. Começou a desparafusar o painel frontal metálico, entregando os parafusos na mão de Sete. "O que você vai fazer?" Perguntou Dez. Oito olhou para ela ainda com um sorriso no rosto. "Vou ativar o alarme desse setor."
Os outros membros da Straight Flush fizeram uma exclamação de surpresa. Sete foi o primeiro a se manifestar. "Você o que?" Oito continuou desparafusando o painel elétrico. "Calma. Vou explicar." Depois de terminar o último parafuso, tirou a chapa de metal e começou a examinar os fios ali presentes, enquanto simultaneamente olhava o datapad obtido pelo Rei de Paus. "O que eu irei fazer é acionar os sistemas de segurança ligados a este painel. Pelo que eu li no datapad eles tem um protocolo de emergência em que, quando qualquer setor técnico declara um alarme, a energia do sítio é reduzida para apenas o essencial e o pessoal de segurança é removido, enquanto a Brigada de Incêndio atua na instalação tentando resolver o problema. Até as câmeras e sensores são desligados."
Dez assentiu. "Inteligente, então, você vai acionar os alarmes ligados a essa casa de bombas e isso vai acionar esse protocolo de emergência." Oito balançou a cabeça positivamente, enquanto examinava os cabos com atenção. "Os sistemas de PPCI não são tão seguros quanto os elétricos. Irei ativar o sistema de sprinklers, a espuma anti-incêndio, isolamento elétrico… Isso deve abrir todos os acessos previstos no plano de emergência deles, enquanto todos os civis e pessoal de segurança correm pra fora, a Brigada entra e tenta caçar um incêndio… Que não existe." Nove assoviou, impressionado.
Sete sorriu. Dez também. Oito pegou um alicate da sua bolsa. Era hora de instaurar o caos.
Os alarmes soavam, enquanto uma luz amarelo-esverdeada banhava os rostos dos membros de Straight Flush. Dez já havia visto Oito atuar antes, mas ainda se impressionava com sua capacidade de pensamento rápido. Sorriu. Nem precisaram se deslocar. Apenas alguns segundos após os alarmes começarem a tocar, ouviram uma correria do lado de fora, que deduziram ser os funcionários deixando as instalações pelas saídas de emergência, enquanto os responsáveis pela segurança gritavam instruções.
Entretanto, após alguns minutos, a ansiedade começou a incomodá-los novamente. Fazia cerca de dez minutos desde que não havia nenhuma comunicação com o Rei de Paus. Dez olhou novamente o rádio. Nada.
"E nós só ficamos parados aqui enquanto a Brigada de Incêndio deles procura um problema? O que acontece se eles entrarem aqui?" Disse Sete. Oito respondeu. "É parte da missão, Sete. O Rei de Paus provavelmente já está a caminho daqui." Sete não pareceu se acalmar. Nove estava apenas sentado no canto da sala, limpando seu fuzil.
Mais alguns minutos se passaram. O silêncio na sala seria absoluto, se não fosse o repetitivo alarme das sirenes. Subitamente, um novo som se manifestou. Dez pegou seu rádio. Uma luz vermelha piscava na parte superior dele. "Merda." exclamou. Antes que os outros pudessem dizer qualquer coisa, ela já estava em movimento. "Oito, você vem comigo. Nove e Sete, assegurem o portal de saída, vamos precisar dele quando voltarmos."
Dez e Oito saíram da sala, e foram banhados pelas luzes de emergência do Sítio PT33 no corredor. Dez sentia-se suando frio. "Oito, nos guie até a câmara de contenção da Relíquia." Apenas assentindo, Oito pegou novamente o datapad e apontou para a direção correta. "Por ali". Ambos correram, com armas em punho.
Um burburinho de múltiplas vozes tomava a Sala de Controle #3. Anacreon sorriu satisfeito, caminhando por entre as mesas de controle e observando os escritores comentando sobre os indicadores do núcleo da Abnormalidade. Haviam conseguido. Anacreon suspirou. Isso poderia tornar-se um recurso muito valioso para o Rei Branco. Várias instalações, interconectadas. Transporte instantâneo, rotas de fuga mais eficientes… As aplicações eram quase infinitas.
É por isso que ordenou a seus homens que experimentassem mais com a Abnormalidade. Estavam tentando decifrar como controlá-la em sua totalidade. Apesar de conseguirem abrir um portal para Straight Flush em caráter de urgência, não faziam ideia do que era aquele pó cinza e quais eram as reais extensões das capacidades dela. Será que poderiam criar portais em qualquer lugar? De onde vinha a energia do núcleo? Muitas perguntas, poucas respostas. A Enciclopédia da "Carta na Manga", como Anacreon havia nomeado esta Abnormalidade, já estava enorme e, ao que tudo indicava, só aumentaria mais.
Voltou para o painel de controle principal, onde seus dois principais assistentes trabalhavam. Ambos observaram sua chegada e, respeitosamente, abriram espaço para que ele acessasse o console. Olhou os níveis de energia da anomalia e o layout da mesma espelhado nas telas. Então, algo chamou sua atenção. De acordo com as leituras de energia do núcleo, haviam mais dois terminais similares ao que operava agora.
"Você viu isso, Elias?" Anacreon apontou. "Parece que tem outros lugares puxando tanta energia quanto aqui." O jovem Escritor a sua esquerda observou onde Anacreon apontara com atenção. Após alguns segundos, assentiu. "Que estranho, Curador. Isso não estava aí há alguns minutos." Anacreon franziu o cenho. A conexão que ele havia criado entre o Núcleo e o Arsenal estava estável, entretanto.
"Bom, nunca se sabe o que pode acontecer com Abnormalidades. Talvez seja consequência da ativação do portal no Arsenal. Registrem isso, sim? Marquem no mapa feito por Straight Flush os locais desses terminais, para futura exploração." Disse Anacreon. Os homens próximos assentiram. "Sim, Curador."
Voltou a sua ronda pela sala. Tinha uma sensação estranha, como se algo ruim fosse acontecer. Segurou o pingente em seu peito com força.
Chegaram. No caminho, apenas encontraram alguns membros da Brigada procurando a fonte da emergência, mas conseguiram passar despercebidos. Observaram uma porta metálica a meia-luz. Nela, uma inscrição. SCP-122-PT. O objeto que vieram buscar. "Dez, olha." Disse Oito, apontando para o chão. Havia um rastro de gotas de sangue e pegadas tingidas de vermelho que saía da sala. Mal sinal.
"Merda." falou, como se vomitasse a palavra. A porta metálica tinha um terminal ao seu lado. Oito imediatamente começou a trabalhar nele, puxando ferramentas que utilizava para invadir terminais eletrônicos comumente, melhoradas com a paratecnologia de sua organização. Dez não fazia ideia do que eram, mas Oito era excepcionalmente bom nisso. Ficou observando o corredor. Após alguns minutos, um clique audível. "Consegui!" exclamou Oito enquanto guardava seu equipamento. "A segurança deles aqui é incrível, mas nunca encontrei um terminal que pudesse lidar com minhas ferramentas."
Dez não tinha tempo para conversar. Rapidamente empurrou a porta, abrindo-a com sua submetralhadora em punho. Oito foi logo atrás, também de arma em punho. Viram outra porta metálica fechada, com um painel de controle a sua direita. Logo em seguida, notaram os três cadáveres de membros da Brigada de Incêndio da Rainha Negra estirados no chão, provável trabalho do Rei de Paus. A trilha sangrenta saía da porta fechada. Dez apenas olhou para Oito, que rapidamente moveu-se para interagir com o painel de controle.
"Quem saiu daqui, saiu com pressa." Disse, apertando um botão. A porta abriu-se. Dez olhou o interior mal iluminado da sala. Claramente havia acontecido uma luta ali. Viu um paletó verde escuro jogado no chão próximo aos seus pés. Examinou-o. Haviam várias insígnias e uma plaqueta de identificação escrita "Dr. Nascimento" com um "IV" ao lado. Havia sangue espalhado por todo o chão, e ela distinguiu vários objetos espalhados por ele também, que não eram discerníveis a meia-luz. Mas o que mais chamou sua atenção foi a caixa no centro do aposento.
A caixa de aço que estava em cima do que parecia ser uma pequena mesa metálica. "Oito, dê uma olhada ao redor da sala e me traga o que encontrar." Oito assentiu e começou a andar em volta da sala. Dez foi diretamente a caixa no centro do aposento. Ao se aproximar, tropeçou em algo que estava no chão. Olhando para baixo, viu um cinto de utilidades extremamente familiar, ao lado de um colete a prova de balas. Era o equipamento do Rei de Paus. Agachando-se, pegou seu cinto de utilidades. Ao lado da bolsa lateral que havia mostrado para eles mais cedo, havia o rádio, com uma luz vermelha piscando. Talvez ele tivesse abandonado isso aqui para que ela encontrasse e finalizasse a missão enquanto ele voltava para o Bunker?
Desativou o modo de emergência do rádio e pegou a bolsa lateral do Rei de Paus em suas mãos. Continuou caminhando em direção a caixa. A caixa tinha um fecho largo e grosso em que aparentemente ficava um cadeado, mas esse cadeado não estava mais lá. Podia ouvir o farfalhar de roupas e passos do Oito enquanto olhava para a caixa, mas eram algo distante para Dez. Estava muito focada no objeto a sua frente. Abriu a caixa.
Então isso era a Relíquia. Era uma seringa metálica antiga, dentro de um envoltório de espuma. A caixa era muito grande para ser levada junto com o objeto, então, abriu a bolsa do Rei de Paus que havia pego no chão para guardar a Relíquia, com cuidado. Dentro da bolsa do Rei de Paus encontrou algo que a surpreendeu enormemente. Enfiou a mão dentro dela e puxou para fora. Era outra seringa, idêntica a que estava no envoltório a sua frente. Imediatamente entendeu qual era o propósito real do Rei de Paus. Não era apenas obter a Relíquia novamente. Era enganar a Rainha Negra.
Murmurou uma frase que ouvira muitas vezes durante reuniões com seus superiores. "O Rei Branco se move…" Após o momento de reflexão, removeu a Relíquia da espuma e, com cuidado, substituiu-a pela réplica. Guardou a Relíquia em sua bolsa lateral e a prendeu no cinto. Dez estava estupefata e movia-se lentamente, percebendo a magnitude do que acabou de fazer. Ela havia recuperado uma das Oito Relíquias das mãos do nêmese de sua organização. Foi retirada do seu transe pela voz de Oito.
"Esse lugar tá um verdadeiro campo de batalha, Dez. Mas olha o que eu achei." Oito disse, estendendo a sua frente um cadeado enorme de formato cilíndrico e uma faca grande, com detalhes no cabo. Oito apontou para a caixa. "Pegou a Relíquia?" Dez respondeu. "Sim, Oito. Missão cumprida. Deixe o cadeado e a faca aí. Vamos embora-" Antes que Dez pudesse terminar sua frase, a iluminação da sala mudou de amarela para vermelha e o alarme mudou de tom, ficando muito mais alto e urgente. Oito imediatamente jogou os objetos no chão.
Ambos se dirigiram para a saída da câmara, correndo. Quando saíram para o corredor externo, ficaram banhados pelas luzes vermelhas. Dez pediu para que Oito trancasse novamente a sala. Mexendo no terminal, ele rapidamente o fez. Dez sentia seu coração palpitando em seu peito enquanto movimentava-se de volta para o portal de saída. Missão cumprida.
Gritos. Anacreon passara os últimos minutos com uma tensão crescente em seu âmago, agora ouvira Elias e Nicolas, o outro Escritor na mesa de controle principal, chamando por ele. Anacreon caminhou o mais rápido que pode em direção a eles. No caminho, ouviu as vozes dos Escritores próximos se perguntando a respeito do que acontecerá.
"Curador!" exclamou Elias. "Não sabemos o que aconteceu! A conexão do Núcleo com o Arsenal de repente ficou instável, é como se tudo aqui dentro começasse a se mover! O layout está mudando constantemente!" Anacreon engoliu em seco e sinalizou para que Elias saísse de sua cadeira, sentando-se nela. Os níveis do Núcleo estavam em completo desarranjo. Algo havia acontecido. Anacreon começou a suar frio.
Lembrou-se de seu treinamento. Em situações de crise, o ideal era separar as tarefas em ordem de importância e executá-las uma a uma. Examinou a situação do portal de saída para o sítio PT33. Ele não estava mais conectado ao Núcleo. "Droga." deixou escapar. "Nicolas!" exclamou. "Perdemos a conexão com o PT33, preciso que você vá até o console secundário e tente estabilizar os níveis de energia do núcleo relacionados com essa instalação." Nicolas assentiu e correu para um dos outros consoles.
"Elias, preciso que você me ajude a encontrar uma forma de parar a dissolução do espaço interdimensional. Traga-me a Enciclopédia desta Abnormalidade!" Anacreon exclamou. Elias apenas levantou-se e correu em direção ao console onde estava a Enciclopédia. Enquanto ele não voltava, Anacreon examinava os níveis do núcleo. O que diabos havia acontecido? Será que tinha a ver com os experimentos que estava fazendo anteriormente?
Anacreon levantou-se e, impondo sua potente voz, exclamou "Escritores! Estamos em DEFCON 3 à partir de agora." O silêncio na sala foi imediato. "Preciso que todos vocês parem com qualquer experimentação na abnormalidade e auxiliem Nicolas no que for necessário para contermos a situação!". Antes de Anacreon sequer terminar, os Escritores já estavam em movimento, pegando papéis, acessando consoles e se estabelecendo em suas funções emergenciais.
Elias retornou, quase jogando o pesado tomo a sua frente, com um baque surdo. "Ótimo. Encontre a sessão em que eles falam sobre a abertura dos portais." Elias começou a folhear o volumoso tomo, enquanto Anacreon girou sua cadeira de frente para onde Nicolas estava. Agora, conseguia observar um verdadeiro caos, conforme os Escritores corriam de console em console tentando entender a situação. "Nicolas! Relatório!" exclamou Anacreon. "Curador, tem algo de errado com o núcleo. É como se ele estivesse mudando de lugar constantemente! Eu não consigo reestabelecer a conexão com o Sítio PT33, mesmo quando eu acho que consegui fazer o núcleo manter o portal aberto, ele rapidamente fecha-se poucos segundos depois! Tem portais surgindo em todos os tipos de lugares, parece que tudo está mudando de lugar!"
Anacreon engoliu em seco. Girou novamente a sua cadeira e voltou sua atenção pro tomo a sua frente. Elias havia acabado de encontrar a seção que ele pedira. Começou a ler, rapidamente. Anacreon possuía a habilidade única de ter um foco imenso. Lia as páginas do tomo como se as tivesse devorando, buscando uma solução para o problema. Após alguns segundos, a encontrou.
Anacreon levantou-se o mais rápido que seu corpo idoso permitia, indo em direção a Nicolas. "Tenho uma ideia!" exclamou. Sinalizou para que Nicolas levantasse, outros Escritores estavam a sua volta. "Preciso que vocês façam o núcleo gerar tokens associados aos portais. Usaremos ele como âncoras, para que o núcleo não os altere enquanto estiverem abertos." Os Escritores rapidamente moveram-se para fazer o que lhes era pedido.
Nicolas sentou ao lado de Anacreon e começou a mexer nos medidores e teclas a sua frente freneticamente. Anacreon tentava buscar um padrão na energia do núcleo que permitisse manter uma passagem aberta em PT33 quando Nicolas exclamou. "Consegui! Podemos ligar tokens em forma de cartões perfurados as portas que são geradas proceduralmente pelo núcleo. Quem retirasse o cartão daria um sinal para o núcleo não atualizar a posição do portal, mantendo-o aberto enquanto o possuísse. Colocar o cartão perfurado novamente na porta eliminaria essa ordem do núcleo."
Anacreon sorriu. Aquele garoto chegaria a Curador um dia. "Muito bem." disse, enquanto buscava uma forma de parar as flutuações do núcleo. "Implemente na porta de volta de Straight Flush, ou eles ficarão presos no PT33." Nicolas assentiu e, mexendo nos medidores, o fez. Os consoles da sala inteira sinalizaram um pico de energia no núcleo, nunca registrado antes.
E então, tudo apagou.
Sete e Nove ouviram dois pares de passos chegando rápido a sua posição. Nove furtivamente colocou sua cabeça para fora da porta e observou. Eram Dez e Oito. Fez um aceno positivo de cabeça para Sete e abaixou sua arma. Dez entrou na sala, ofegante, com Oito a seu lado. Antes que Dez falasse qualquer coisa, Sete se manifestou. "Dez, precisamos sair daqui. Acho que tem algo de errado com o Bunker. Olha." Ele disse, apontando para o portal por onde entraram. A porta parecia mais deteriorada do que antes e havia se movido. Agora, ao invés de estar completamente reta no chão, estava ligeiramente na diagonal.
Dez olhou para a porta. Lidar com Abnormalidades nunca foi uma ciência exata. Olhou para seus colegas e disse: "Estou com a Relíquia, mas sem sinal do Rei de Paus. Ele disse que nos encontraria dentro do Bunker. Vamos embora." Seus colegas assentiram. Todos colocaram seus respiradores e abriram a porta de saída. Sua fuga. O lugar que viram não era o mesmo pelo qual entraram. Agora era uma sala completamente vazia de cerca de três metros de pé direito. No seu interior, o ar estava extremamente denso com o pó cinzento, como se ele estivesse sendo inserido ali de alguma forma.
"Que porra é essa?" Sete exclamou. Dez não o repreendeu. "Vamos entrar, não temos tempo a perder." Ela disse, dando um passo em direção a nuvem formada pelo pó. Seus amigos hesitaram. Ela olhou para trás, em direção a eles. "Vocês preferem ser pegos pela equipe de segurança deles?" Isso pareceu acabar com a hesitação deles. Entraram na sala. Nove, que entrou por último, fechou a porta. Quando ele a fechou, a maçaneta da porta saiu e ficou em sua mão. "Dez!" ele exclamou. Todos olharam para a porta enquanto ela se desfazia no mesmo pó cinza que obscurecia a visão de todos. "Liguem suas lanternas, rapazes. Mantenham a calma. Sigam-me." Dez disse, mais para evitar o pânico deles. Ela mesma não estava muito confiante.
Seguiram pela nuvem a sua frente, como cegos que andam com os braços estendidos a sua frente na esperança de não atingir uma parede. Então, todos ouvem' um ruído ensurdecedor de origem não-específica. Um tremor é sentido no chão e Dez ouve gritos indistintos. "NOVE?" ela gritou. "OITO? SETE?". Não havia o menor contato visual com eles e o chão começou a tremer tão fortemente que ela não conseguiu manter-se de pé. Sua última visão antes de perder a consciência foi a de uma parede de concreto rapidamente movendo-se em sua direção.
Luzes. Dez sentiu-se sendo chacoalhada como uma boneca de pano. Então, sua audição retornou e ela ouviu os gritos. "DEZ? DEZ?" reconheceu o rosto de Sete e moveu sua mão lentamente, segurando seus pulsos. "Eu não consigo respirar." Disse em um murmúrio, com a respiração entrecortada e dando tapas fracos nos pulsos de Sete. Ele finalmente entendeu e a soltou. "Desculpa, desculpa. Eu vi você caída e sangrando e fiquei com medo." Sete disse, enquanto ela tossia. Sangrando? Passou a mão na sua testa e sentiu um líquido quente. Deu sorte de a parede ter atingido sua cabeça e não o respirador.
"Cadê o Nove e o Oito?" disse Dez. Sete então virou-se de costas para ela e piscou sua lanterna algumas vezes. Dez reconheceu um código de sinalização padrão que eles utilizavam frequentemente. Estavam em uma sala muito grande, mas a densidade do pó cinzento era muito menor e ela conseguia enxergar. Após alguns segundos, Oito e Nove chegaram correndo. "Dez?" disse Oito. Então correu em direção a ela e a abraçou. "Que bom que você tá viva!"
Dez sentiu suas costelas doerem com o abraço do Oito. Apenas agora percebia a extensão dos danos que eram causados por atingir uma parede em alta velocidade. Ou melhor, ser atingida por uma. Todo o lado direito do seu corpo doía. Gentilmente empurrou Oito para longe e tossiu novamente. "Tudo bem pessoal. O que diabos acabou de acontecer?" Sete deu de ombros. Oito balançou a cabeça negativamente. Nove apenas a fitou. Quanto tempo havia passado desde que aquilo aconteceu?
"Bom, acho que não é importante." Checou a bolsa lateral do Rei de Paus. A Relíquia estava lá dentro, sã e salva. "Vamos, precisamos achar uma saída daqui." Sete assentiu. "Tem apenas uma porta nessa sala. Fica ali." Disse, apontando para o Oeste. Dez assentiu. "Vamos. então."
Encaminharam-se para a porta da sala vazia. Abrindo-a, deram de cara com corredores similares aos primeiros que encontraram na Amazônia. Dez olhou para Sete. "Reconhece alguma coisa?" Sete apenas balançou sua cabeça negativamente. De dentro do seu colete, tirou o datapad que havia usado para mapear os locais do Bunker que exploraram. "Nunca encontramos uma sala grande e vazia, Dez. Acho que os Escritores fizeram alguma cagada e o layout daqui de dentro mudou. Vamos ter que navegar as cegas até achar algum ponto de referência." Oito se manifestou. "Não gosto dessas chances." Dez mordeu o lábio. "Que alternativa temos? Vamos nos mover, não quero ser pega em outra daquelas nuvens de novo." Os outros assentiram.
Caminharam pelos corredores por vários minutos, escolhendo direções aleatórias em bifurcações. Acharam corredores distorcidos, como se uma mão gigante os houvesse "torcido" como a um pano de chão, salas com várias objetos quebrados e indistinguíveis. Depois de alguns minutos caminhando, chegaram a um corredor completamente escuro. Com suas lanternas, observaram a silhueta de um homem.
Involuntariamente, Dez exclamou. "Rei?" A silhueta virou a cabeça para eles, indiscernível na escuridão e então começou a correr na direção oposta. Dez correu atrás dele, sendo seguida pelos membros da sua equipe. "Rei! Somos nós, a Straight Flush!" A silhueta continuou movendo-se. Após alguns segundos de perseguição, com a equipe se aproximando, a silhueta do homem pareceu "entrar" em uma das muitas sombras no corredor, desaparecendo completamente.
A equipe inteira parou, observando o local onde, há apenas um segundo, havia um homem. Olhando em volta, viram que estavam próximos ao final do corredor. "Dez, olha!" Disse Sete, apontando para a porta metálica anexada a parede. "É o Arsenal!". Dez ainda olhava para o local onde a silhueta desaparecera.
"Vamos, vamos sair daqui." Disse Oito, colocando a mão no ombro de Dez. "O que quer que tenha sido aquilo, não era o Rei, Dez. Vamos finalizar a missão." Dez virou o rosto pra ele e acenou a cabeça pesarosamente. Então caminhou em direção a porta do Arsenal.
"Vocês estão ouvindo isso?" Disse Nove. Havia realmente um barulho estranho vindo do Arsenal, como se fosse algo motorizado andando. Após alguns segundos de silêncio, ouviu também o que achou ser passos. Sentiu os pelos na nuca se eriçarem.