Fora uma noite escura e sangrenta. Um verdadeiro desfile de horror descera sobre uma pequena cidade do meio-oeste, liderado por um demônio que se arrastava, ria e cantava tocando uma flauta de osso. Agora, ao amanhecer, o demônio e seu circo da morte estavam se acomodando. Figuras pálidas amontoadas em casas queimadas; figuras escuras se escondiam no mato e em porões; pequenos esqueletos estavam no sol, murmurando em voz baixa entre si.
O Espantalho observava o sol nascer, arrancando pedaços de carne quente de suas garras. Ele estava bastante satisfeito com seu trabalho, tendo feito o possível para tornar cada morte rápida e assustadora. A Colheita fora abundante até agora.
Mas então ele sentiu olhos desconhecidos sobre si mesmo. Ele se sacudiu de seu devaneio e olhou ao redor, se perguntando quem poderia ainda estar vivo. Seu olhar caiu sobre uma minúscula figura, mal tendo um pé de altura, espiando por trás de uma cerca de estacas. Não era um cachorro, nem um gato, porque ele tinha feito questão de matar tudo que pudesse pegar. Todo o resto havia fugido para longe; o que poderia ser seu pequeno visitante?
"Quê isso, então?" Murmurava o Espantalho conforme se aproximava da cerca, seu horrível pelotão de espectros circulando ao seu redor. Ele chutou levemente a cerca e a pequena figura apareceu por trás. Era um pequeno urso de pelúcia, com o rosto achatado e olhos negros. Ele se agachou e viu algo naqueles olhinhos redondos, algo que ele não conseguia identificar. Algo inocentemente mau, algo ao mesmo tempo desumano e totalmente humano.
"Cê é um fî da puta horrendo, não é?"
O urso olhou para seu lado quando outra figura saiu de trás da cerca. Uma figura pequena, talvez com um pé de altura, com uma forma muito parecida com a de um ursinho de pelúcia - só que em vez de pelo e cordão, ele era feito de olhos humanos. Todos pareciam encarar o Espantalho, cada um encontrando seu olhar com o seu próprio. Ele olhava de volta, quase sem acreditar no que vira.
Para você ver, havia poucas coisas neste mundo que o Espantalho achava bonitas. Uma delas era o olho humano - um órgão tão maravilhoso e perfeito. O branco puro de uma alma imaculada, salpicado com o vermelho vivo do sangue vital, cada um acentuado por um anel de cor tão único quanto a pessoa de quem é cortado. Tudo em torno de um pequeno vazio negro que refletia o coração do Espantalho, ele próprio negro e inexistente. Era tudo muito metafórico.
"… Ah," respirou o Espantalho, seus próprios olhos infernais queimando como carvão. "Ah, eu gosto de você. Gosto de você e gosto de seu amiguinho. Acho que vou ficar com cês." O demônio se virou, olhando para o exército de mortos que agora o cercava inteiramente, e apontou para os ursinhos de pelúcia. "Ei, rapaziada, deem as boas-vindas aos nossos novos amigos. Sejam bacanas, hein? Levem-nos poraí e mostrem a eles tudo de bom que fazemos."
Os dois ursinhos de aproximaram e se deram as mãos, seguindo o movimento do Espantalho quando ele se levantou, pairando sobre eles. Houve um grande festejo enquanto cada um dos fantasmas, assombrações, esqueletos e sombras aplaudia, vários dos esqueletos menores correndo para abraçar os ursos. O Espantalho passou por cima da multidão, sorrindo para si mesmo, perguntando-se preguiçosamente que outras coisinhas horríveis esperavam por ele naquele mundão selvagem.
Ele ergueu os olhos para o céu ao sol quente da manhã, abrindo os braços para absorver o calor. Uma noite fantasticamente divertida de terror e violência, um maravilhoso céu claro da manhã, um ou dois novos amigos e um novo dia.
E as crianças estavam felizes, também.
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