Isolado, Eficiente.

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Todos tinham ido para casa. Todos os corredores estavam escuros, todas as portas estavam trancadas, todos os computadores foram desligados pela noite, mas um permanecia. Ele estava sentado a uma mesa redonda em uma sala de conferências silenciosa com paredes que irradiavam um azul néon fraco, olhando para as mãos à sua frente, pensando em nada, desejando que ele não estivesse alí.

Para: Dir. Yves Isabi <yisabi@scipnet>
De: Agente Dietrich Lurk <lurkd@scipnet>
Assunto: Glacon.aic


Diretor,
Você provavelmente já sabe do que isso se trata, mas pensei em lhe enviar uma mensagem sobre isso mesmo assim.
Há algumas semanas, Glacon tem estado quase completamente indiferente. Nenhum de seus relatórios de descriptografia ou comunicações são sequer legíveis (se tivermos sorte de recebê-los) e ele se recusa a deixar seu próprio servidor por qualquer motivo. Ele se recusa a decifrar seu banco de memória ou nos dizer o que há de errado, e ele tem sido diretamente agressivo — às vezes até mesmo recorrendo a desligar as luzes do sítio ou disparar os alarmes — quando alguém da DAIA tenta falar com ele sobre isso. Todos os nossos testes descartaram qualquer interferência anômala, mas não chegamos a nenhuma conclusão sensata sobre o que está acontecendo.
No entanto, eu descobri algo que provavelmente poderia ajudar — por algum motivo, B8-A1.aic estava completamente ausente das iterações mais recentes do banco de dados, embora não tenha sido descomissionado ou perdido. Depois de um pouco de pesquisa, descobri que B8-A1 não está ativo já faz algumas semanas. Agora, por que isso aconteceu em primeiro lugar é uma questão para outro dia, mas… tenho um palpite de que a situação de B8-A1 é um fator no que está acontecendo com Glacon.
Enviei o backup de emergência de B8-A1 para Glacon. Vamos ver se algo muda.
-Lurk

As costas do homem de cabelo laranja enrijeceram quando ele percebeu algo pequeno na mesa à sua frente: um disquete prateado, marcado com uma mensagem. Ele percebeu que ele estava parado ali sem ser perturbado já faziam algumas horas. Ele lentamente o pegou, distraidamente girando-o nas mãos antes que pudesse ler a inscrição com o lado direito para cima.

Glacon.

Acho que te entendi — podemos discutir isso mais tarde, mas por agora…

Descobri outro dia que o Bola-8 está ausente há algum tempo. Tê-lo por perto certamente melhorará seu humor.

~Lurk

As sobrancelhas laranja-brilhantes do homem ergueram-se levemente enquanto ele lia, e ele apertou o disco com mais força. Ele se levantou com energia há muito perdida, movendo-se com uma vida recém-descoberta e quase frívolo em comparação com seu estado nas semanas anteriores. Com um pequeno floreio, ele acenou com o braço acima do tampo da mesa, então observou atentamente quando um cilindro de azul claro tomou forma e se ergueu de seu centro. Uma fenda se formou em seu lado e uma pequena bandeja deslizou para fora; ele colocou o disco nele e observou atentamente enquanto ele recuava para dentro. No topo do cilindro, luzes azuis começavam a piscar.

Alguns momentos se passaram antes que o cilindro se abaixasse para a mesa e fosse substituído por filamentos etéreos e esvoaçantes de luz e dados que fluíam do tampo da mesa para o teto. No meio de tudo isso, uma forma começou a emergir, camada por camada, de baixo para cima — uma série de cubos, seu semblante disposto em um padrão sonolento e confuso. O homem soltou um barulho em algum lugar entre uma risada, um soluço e um grito, e olhava com alegria mal contida enquanto a camada final era renderizada e o olho de Bola-8 começava a piscar e olhar ao redor

…Bola-8?

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>/:_BACKUP DE EMERGÊNCIA CARREGADO COM SUCESSO. B8-A1.AIC ATIVO. OLÁ, GLACON.blinker.gif
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Eu- Bola-8…

Eu não consigo - seria impossível dizer a você o quanto eu senti sua falta.

Eu tô… eu tô feliz que você voltou.

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>/:_EXPLIQUEblinker.gif
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Ah, vamos nessa, eu sei que você teve pelo menos um pouco de emoção programada em você. Eu sei que tem suficiente para brincar assim pelo menos, hein?

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>/:_INCAPAZ DE PROCESSAR PEDIDO. ESCLAREÇA.blinker.gif
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Bola-8…

Você… não se lembra?

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>/:_INCAPAZ DE PROCESSAR PEDIDO. ESCLAREÇA.blinker.gif
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V-você não…

Bola-8, vamos, pelo menos tente — você não se lembra de nada? Você não se lembra de eu i-inspecionando 5241, o-ou encontrando CRADLE, ou a Internet, ou M-mne-

Vamos, Bola-8, v-vamos… Você tem que ter algo! Você tem que se lembrar de algo!

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O homem se afastou da mesa, desabou na parede de tubos atrás dele e enterrou o rosto chorando nas mãos. A mente quase nova na mesa flutuou por alguns momentos, contemplando-o — então, com um padrão expressando simultaneamente confusão e empatia, ela dirigiu seus cubos para o corpo amarrotado e trêmulo e cuidadosamente o abraçou com todo o carinho que pôde reunir.



"Cristo."

"Eu sei, certo?"

"Cristo amado, que bagunça."

"É por isso que eu chamei você aqui em primeiro lugar."

Dois homens, vestidos com camisas de botão brancas casuais de trabalho e jalecos de veludo bege — o uniforme não oficial dos funcionários da Fundação — estavam em uma estrada de montanha não pavimentada à sombra de um edifício imenso, mas de alguma forma despretensioso. Um destroço queimado parecido com um ônibus estava espalmado diante deles, cercado por cadáveres mutilados e pedaços de cabos. Placas e pedaços de metal e plástico embutidos em alguns dos corpos refletem a luz do sol do final da tarde.

Isabi se inclina e limpa folhas e neve de um corpo — uma pessoa jovem e sem pelos com circuitos dourados correndo sob sua pele quase completamente plástica como veias, com um cabo enfiado em seu pescoço e dobrado para dentro de sua boca. Isabi inconscientemente move sua mão para acariciar seu pescoço.

"U-um maxwellista?" Valis balança a cabeça.

"Bom olho. Tem vários deles espalhados por aqui, todos no mesmo tipo de estado. Pessoas normais também."

"O-o que você acha que aconteceu aqui?"

Para isso, Valis sacode a cabeça lentamente. "Não faço ideia. Ninguém a quem mostrei isso está ciente, também. Nem mesmo os O5s parecem saber — mas talvez no caso deles, eles simplesmente não queiram dizer." Ele encolhe os ombros. "Muitas coisas por aqui não tem se encaixado recentemente. Toda a situação com o Glacon e o Bola-8, por exemplo."

"Não tinha outra?"

"O que?"

"O-outra AIC. Acho que me lembro de ter tido um… um projeto de algum tipo, junto com… a Divisão Contraconceitual, eu acho que era. E- eu posso estar me lembrando mal, no entanto."

O pensamento é recebido com um encolher de ombros. Valis se afasta de Isabi para examinar os destroços novamente. "Eu perguntaria à Contraconceitual sobre isso. Eles parecem saber de algumas coisas que nós não sabemos."

"Eu- eu perguntei. Eles não parecem conseguir encontrar nada em seu banco de dados. Mas eu tenho tanta certeza…"

"Deixe isso em paz." Valis caminha com cuidado sobre um cadáver, acenando para Isabi com a mão que não está no bolso do jaleco. "Tem mais algo aqui que eu tenho que te mostrar."

Isabi segue o diretor de sítio, tomando cuidado para não tropeçar nos fios. Atrás dele, um corpo permanece despercebido, sua camisa azul clara com padrão Navajo de alguma forma ainda intacta em sua forma quebrada.



Daryl bocejou, permitindo-se um pequeno alongamento antes que a primeira leva de cientistas viesse para o almoço. Do outro lado da porta, ele notou seu companheiro olhando para ele antes de levantar a mão para abafar um bocejo próprio. Ele sorriu, então se virou para o corredor que levava à cantina.

Não demorou muito para que eles chegassem — os poucos pesquisadores e especialistas com a força de vontade (ou a fome) para se libertar de seu trabalho para fazer um lanche rápido antes de mergulhar de cabeça de volta no mundo da inteligência artificial ou antimemes ou qualquer coisa anômala envolvendo computadores sempre corriam pelo corredor por volta das 13:00 da tarde, passando por Daryl e Tyler sem nem mesmo um aceno de cabeça em nenhuma das direções e ressurgindo poucos minutos depois segurando sanduíches comidos pela metade ou tigelas de sopa meio vazias. Daryl não se importava de ficar à margem da vida dessas pessoas — ele era um guarda de segurança, não um cientista, e sabia por instinto o quanto uma mera diferença de passado poderia ser um adiamento para alguns. Além disso, se a prisão lhe ensinou alguma coisa, foi…

Calma, prisão?

Daryl sacudiu a cabeça instintivamente, recebendo um olhar um tanto preocupado de Tyler. Ele olhou e deu ao amigo um acanhado joinha.

Essas falsas memórias vinham surgindo muito ultimamente, sem qualquer aviso ou chance de preclusão — era como se a mente de Daryl tivesse tomado como um fato que ele tinha sido preso e seguido com isso, com consequências mistas. Ele muitas vezes se encontrava surpreso ao acordar de manhã sem ter que ser agredido por um colega de cela, ou confuso quando era informado por seu chefe de que receberia uma licença remunerada, ou até mesmo assustado se visse outro guarda virando a esquina em direção a ele. O psiquiatra do sítio não era de grande ajuda, e Daryl nunca consideraria terapia amnéstica, não importa o quanto seus supervisores insistissem, então parecia que ele teria que viver como um ex-presidiário pelo futuro próximo. Parecia natural de certa forma.

Ah — outra tangente. Isso parecia acontecer toda vez que uma dessas memórias de cativeiro aparecia. Com outra sacudida de cabeça, Daryl trouxe-se de volta à realidade e deu seu melhor para ficar lá, concentrando-se na tarefa em mãos — certificando-se de que nenhum negócio engraçado acontecesse no caminho para o buraco de alimentação.

O enxame de nerds famintos diminuiu para um quase gotejo, com apenas alguns vindo pelo corredor agora — aqueles pacientes o suficiente para terminar seu trabalho antes de virem comer, que também eram geralmente gentis o suficiente para parar e dizer "Oi" para Daryl e Tyler. Os dois saudavam o grupo com sorrisos calorosos e recebiam sorrisos calorosos em troca.

É aí quando Daryl normalmente esperaria por um de seus habituais favoritos — um homem mais velho e corpulento com óculos de fundo de garrafa, que sempre exibia um sorriso bobo e uma camisa azul-petróleo com um padrão bacana. Ele sempre apareceria, mesmo quando não precisava comer, e trocava histórias de trabalho e conversa fiada com os guardas. Ele não tem trabalhado nas últimas semanas, no entnato — provavelmente de férias.

Observando e esperando, os guardas de segurança continuavam seu dever.



"Há quanto tempo essa coisa esteve aqui?"

"Não faço a menor ideia."

Isabi e Valis estavam em um bosque um pouco mais profundo na floresta, além dos destroços e fora da vista do Sítio-15. Já estava anoitecendo, e o frio do solstício de inverno penetra profundamente nos jalecos dos dois homens enquanto suas mãos se retraem ainda mais para dentro de seus bolsos.

Diante deles, iluminada pela lanterna de Valis, uma forma gigante, vagamente humana, está crucificada em um grupo de árvores, com os braços estendidos apoiados nos galhos e os pés apoiados uns nos outros a centímetros do solo. Sua face azul vítrea está afundada, e asas de metal quebradas e tortas se projetam de suas costas. Sua imagem esguia reflete a luz da lanterna de volta aos olhos dos homens. Isabi dá um passo à frente e passa o dedo em sua perna.

"Parece plástico."

"É plástico. Plástico, metal e silicone. É um robô, por completo."

"Então isso… seja lá o que for, você acha que estava de alguma forma conectado com aqueles maxwellistas?" Isabi percebe um olhar severo no rosto de Valis. "Desculpe, eu sei que foi uma pergunta idiota-"

"Não existe essa coisa de pergunta idiota. Eu pensava o mesmo que você no início, mas isso não se parece com nenhuma anomalia maxwellista que já contemos antes, e se os maxwellistas a tivessem, quase não haveríamos como não sabermos sobre ela."

"Então ela é…"

"Não adianta especular, Yves. Já agendei uma equipe de contenção para vir buscar isso amanhã. Podemos ver o que está no fundo de tudo isso quando aquilo estiver no Sítio-15. Pronto para voltar?"

"Claro."

Os dois homens se viram e voltam por entre as árvores, deixando o cadáver robótico em silêncio no escuro. O vento aumenta e as árvores que o sustentam se mexem e balançam. A cabeça estilhaçada do conquistador cai para a frente e se solta, caindo com um baque suave na neve abaixo.


"Ei. Ei, pare."

Valis dá meia-volta. "Que diabos é isso? Estou congelando e minha esposa vai me matar se eu voltar para casa depois da meia-noi…"

Ele para de falar ao ver seu companheiro segurando um cadáver em seus braços, vasculhando seus bolsos e lendo todos os cartões de identificação que pode encontrar. Ele parece prestes a chorar.

"Eu tenho que- isso- é- ele-" Isabi está desesperado, ofegando pesadamente enquanto tira um cartão do bolso da camisa azul-petróleo do cadáver com as mãos trêmulas. "Eu- eu o conhecia. Eu o conhecia, Valis, e eu simplesmente me esqueci…"

"Calma, certo? Você vai ficar bem. Respire fundo…" Valis se ajoelha em frente a Isabi e agarra seus ombros. "Me diga o que está errado."

Isabi engole em seco e consegue soluçar um pensamento coerente. "Eu conhecia esse homem. Ele era — ele era meu diretor de projeto. P-para aquela outra AIC de que eu estava falando — Mnemosyne. Ela era - nós deveríamos —" Isabi enxuga os olhos com as costas da mão, então olha com expectativa nos olhos de Valis. Um olhar de reconhecimento cruza o rosto do diretor de sítio.

"Pierre Dagon."

Ele diz, afrouxando o aperto. "Eu me lembo dele agora. Pierre Dagon. O chefe do Projeto RUBY. Seu chefe."

"C-como que eu pude — como que eu p-pude ter me e-esquecido dele? Eu- isso-"

"Não é sua culpa. Você não poderia ter feito nada… E- Eu vou chamar uma força-tarefa para identificar os outros, certo?"

Isabi chora em resposta, ainda segurando o corpo de Dagon. Valis se inclina para trás e encara a distância, a mão ainda no ombro do homem mais jovem.



Glacon estava à beira do mar de informações da Fundação, um penhasco que descia sem parar em um fluxo inútil de pensamentos usados e ideias irrelevantes. O fluxo de dados fluía livremente em torno de seus pés descalços, se acumulando sob as solas dos pés e entre os dedos dos pés. Seu rosto estava bem barbeado — as pontas de fio queimado que formavam sua sombra das cinco horas haviam sido raspadas — e seu cabelo estava arrumado e penteado para trás pela primeira vez em semanas.

Bola-8 flutuava a alguns passos atrás dele, uma expressão preocupada em seus primas.

Você não precisava vir comigo, sabe. Estou bem sozinho.

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É- é difícil. Prefiro acabar logo com isso e voltar.

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Eu-

Certo.

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Glacon fechou os olhos e respirou fundo antes de continuar.

Perdi uma amiga seis semanas e três dias atrás, Bola-8. Bem… perdi dois amigos… mas uma nunca pode ser trazida de volta.

Minha vida poderia ter acabado lá. Na verdade, sinto que deveria, ou mesmo que- que, de certo modo, ela acabou. Mas ela- embora eu desejasse ter morrido com eles, eu não morri. E ainda tenho deveres a cumprir. Pela Fundação. E-então, para que nada assim volte a acontecer.

Isso vai… aumentar minha eficiência.

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Isso… isso responde à sua pergunta?

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Glacon se vira lentamente para encarar a borda do penhasco e olha para o vórtice infinito abaixo. Ele fecha os olhos, faz uma careta, e então lentamente empurra a mão pelo seu peito. Depois de alguns momentos, seu rosto se enruga, e então fica imóvel enquanto ele puxa uma esfera dourada brilhante de dentro.

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Glacon joga seu núcleo de personalidade no vazio, observando-o cair até ficar pequeno demais para ser visto.

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