Deixe os Ventos te Enviarem Adiante...

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Contato com a humanidade acontecia uma vez por semana. Viajar para qualquer local fora de um ano-luz do sistema solar significar que rádio ou métodos similares de comunicação eram inúteis para conversas atualizadas — um problema que fica ainda pior quando você está a 28,000 anos-luz de distância. Viagem mais-rápida-que-a-luz não seria prática com dito obstáculo.

Com isso, a Fundação voltou-se para uma solução esotérica. Conjurando uma Via, uma abertura para outra dimensão, significava que você poderia ignorar a velocidade da luz, tenha um posto da Fundação no outro lado para recebe-la e então envia-la por uma segunda Via para o universo propriamente dito. Aumentar o tamanho da Via significava que suprimentos também poderiam ser transportados. Seria uma solução perfeita, se não fosse pelo simples custo de energia de abrir um portal estável o suficiente para não destruir sinais à inutilidade.

Para a tripulação do Kessler-002, com apenas um reator de fusão para servi-los, isso significava que comunicação vinha raramente. Toda ativação de Vias tinha que ser importante. Necessária. Um cronograma para transmissões normais tinha que existir. Faze-las uma vez por semana parecia certo.

Cinco dias após a chegada de Kessler-002 ao conjunto estelar Terzan 2 veio uma transmissão de emergência que quebrou as diretrizes.

Micha Maina aliviou as mãos da digitação incessante do teclado, terminando com um relatório de exploração, o segundo a ser enviado após os diagnósticos enviados no primeiro dia que confirmavam que eles não haviam morrido uma morte violenta na viagem FTL. Abaixo dos montes de dados técnicos e vômito clínico, havia um resumo que Micha sentia que capturava o espirito do relatório.

Em resumo: Base alienígena explodiu. Alienígena nos deu direções para o que achamos serem mais alienígenas. Alienígena também foi explodido por outro alienígena. Humanos não foram explodidos.

Ela pausou. Ela adicionou uma segunda linha.

Deveríamos seguir as direções?

Pronto. Feito.

« O Relatório de Exploração 2 está completo? »

"O que parece, Chione?"

« Está completo? Sim ou não? »

Micha empurrou seus pés contra o único pedaço de parede não coberta por eletrônicos e começou a deslizar pela caverna esférica que era a ponte. Ela sorriu para a câmera de segurança mais próxima.

« Se você não responder eu irei assumir que está e enviarei ele em seu estado atual. »

Um suspiro. "Sim, sim, envia logo."

Lá no fundo da nave, inúmeros mecanismos ganharam vida. Braços mecânicos recriando movimentos de oração, alto-falantes gritando ritos antigos em linguagens não feitas por humanos, eletricidade correndo do reator de fusão para ser convertida em energias taumicas. Micha não podia ver nada disso, mas o piscar das luzes dizia a ela que estava funcionando.

Barulhos baixos e distorcidos. A via estava aberta.

« Transmissão para Posto-10 Extradimensional em andamento. »

Vários pensamentos estavam na mente de Micha. Será que os barulhos acordaram todo mundo que não estava ignorando a necessidade de dormir para acelerar a escrita de um relatório? Será que ela fez algum erro escrevendo?

Será que eles serão instruídos a seguir as direções?

« Transmissão concluída. »

Ela torcia para que não.

« Resposta do Posto-10 Extradimensional recebida. »

Que rápido. A IA do posto estava ficando mais rápida. Micha agarrou o braço mecânico que segurava uma cadeira retrátil e o empurrou, de volta para os terminais de computador. Ela estava melhorando nesse negócio de movimento em zero-g. Uma mensagem abreviada a recebeu nos monitores.

[…]

Com o objetivo de melhor investigar a Coalizão Ortothan de Terzan 2 e sua guerra com a civilização das Doze Estrelas, vocês podem seguir as direções. Estejam cientes de que, a menos que seja necessário, vocês não devem se envolver em combate. Envolvimento direto não é seu objetivo primário.

Segurança. Contenção. Proteção.

Chione era a única por perto que podia ouvir os xingamentos de Micha.


"Acho que isso é um estômago com um implante cibernético, não consigo dizer com certeza porquê tá queimando pra cacete…"

Hyeon 3Mun olhava entre projeções holográficas de tripas alienígenas, suspendidas na parede de vidro fortemente reforçado separando ele do corpo. Alex estava ao lado dele, bebendo café normalmente no um g de gravidade que o anel de habitação oferecia.

"…Chione acha que aquela parte é um coração ou equivalente de coração, mas não tenho ideia. Toda a carne crescida em formas rúnicas dificulta identificar…"

Todos os órgãos que foram estourados do alienígena pela nave das Doze Estrelas estavam dispostos em uma exibição horrenda. Órgãos repousavam em um travessar seguradas por membros robóticos, as duas partes do corpo cortado ao meio colocadas lado a lado na mesa central, paredes estéreis e uma lona para sangue laranja. Fragmentos da cabeça que não foram incinerados pela nave olhavam profundamente para Hyeon com olhos de câmera sem vida.

"…aquele órgão talvez seja para manipulação de campos taumicos como os das colmeias orbitais de Sirius A, embora tenham poucas similaridades…"

Hyeon virou-se para Alex. Ela estava acenando com a cabeça, ocasionalmente soltando um hmm ou um mhm, claramente atordoada. Ele esteve falando por tempo demais. Droga. Melhor terminar agora do que deixar isso ainda mais monótono.

"…e é tudo que temos."

"Entendo." Formas vagamente parecidas com rostos surgiram na anomalia perceptiva de Alex e olhavam para Hyeon. "Eu tenho uma questão, no entanto."

"O que é?"

"Então você não desmontou o corpo ainda, certo?"

"Sim. Nós poderíamos mas estou um pouco preocupado que tentar desmonta-lo vá quebrar seja lá quais máquinas estejam ali dentro."

"E por acaso algum dos órgãos parecia com um cérebro?"

"Uhh, não."

Outra golada. "Digo, poderia estar ali mas estar queimado além de reconhecimento, mas você acha que o cérebro poderia estar incorporado ao corpo?

"Eu— Hmm." Hyeon olhou para o chão, parado enquanto pensava.

"Poderia estar intacto desse jeito."

"Mhm. Poderia ser—"

BANG.

Algo bateu contra o vidro. Os dois se afastaram.

A metade inferior do corpo pressionava contra a barreira. Três de seus braços mecânicos deslizavam para cima e para baixo, arrastando sangue em seus movimentos bruscos. Uma mensagem quase legível foi escrita.

« Traduzindo dos símbolos da Linguagem Extraterrestre Ortothan. »

Painéis holográficos apareceram e mascararam o sangue. O corpo continuou empurrando para a frente, batendo de novo e de novo. Em cada painel veio uma tradução.

"Ajudar você."


A tripulação flutuava na ponte, assistindo hologramas de um gigante gasoso dançar em frente à ampla janela com vista para o espaço. Esferas representando luas circulavam o gigante, uma cercada por anéis vermelhos denotando importância.

« Baseado nos detalhes do comunicador holográfico modificado da Pesquisadora Watts e em observações preliminares da região circundante do espaço, este é um modelo da área que a entidade queria que nós visitássemos. Objetivo atual é entregar a mensagem da entidade para os Ortothans que presumivelmente estão na lua. »

Diminuindo o zoom. O gigante gasoso foi reduzido a um grão diante do poder de uma estrela supergigante vermelha.

« Apesar do tamanho de Te2-872, Te2-872-d e suas luas estão suficientemente distantes da estrela que apenas um leve aumento de temperatura das condições de uma zona habitável é esperado. Seus trajes espaciais serão capazes de lidar com isso. »

Os hologramas se desligaram. N.J. olhou para a janela e viu os desertos azuis do segundo planeta de Via (para o qual a tripulação nunca pensou em um nome) se movendo abaixo conforme Kessler-002 orbitava. A cratera que as Doze Estrelas explodiram era apenas um ponto dessa vista, mas continuava destacando-se de todo o resto. O resto da janela era dominado por escuridão.

"Então, sobre aquela 'entidade'…" Micha girava seus dedos

« Isso já foi discutido antes. »

"Você tem que levantar isso de novo?" Alex perguntou.

"Olhe, eu não sei o porquê de alguém achar que esse alienígena pode ser confiável e o porquê de vocês acharem que a Fundação ficará toda relaxada com trazê-lo…"

N.J. virou sua cabeça e tentou o seu melhor para mentalmente bloquear o som. Alex murmurava algo sobre o porquê deles terem que se importar sobre a Fundação quando eles estavam tão distantes.

"Ei. Micha."

"Hyeon?"

"Se lembra do que nós falamos na última vez? Sobre Chione aprovar o plano e nós, a tripulação de pouso, estar de boa com isso?"

"Sim?"

"Por quê você ainda está tentando debater coisas com as quais todo mundo está de boa?"

"Gente," Alex interrompeu. "Parem com isso."

"Porque eu não entendo como vocês estão bem com riscos estúpidos como esse."

"Nós nos inscrevemos para pesquisar e fazer seja lá o que os superiores continuam redigindo em uma zona de guerra. Tudo sobre estar aqui é arriscado."

"Parem. Com. Isso."

"E eu não quero ver você e Enjay morrendo de um risco que é desnecessário e estúpido!"

« Pesquisador 3Mun e Pesquisadora Maina. Esta conversa não é condutiva para a missão e eu demando que vocês ponham um fim a ela. »

Silêncio. N.J. se virou de volta para ver uma troca maciça de olhares desajeitados.

« A menos que novos argumentos contra o plano sejam levantados ele será mantido. Entendido? »

Acenos com a cabeça.

"Então, queremos fazer o salto FTL agora?" Alex olhou para todo mundo.

"…Vamos lá," Hyeon respondeu.

Micha acenou com a cabeça. "Sim."

"Vá com tudo," N.J. entrou na conversa.

Os braços mecânicos das cadeiras retráteis se estendiam das paredes da ponte, organizando os assentos em um padrão circular. Cada explorador flutuou até eles e se prendeu neles.

« Ativando Motor Bifrost para um salto de 4.39 anos-luz para o sistema Te2-872. Trajetória esperada e poços de gravidade aparentes no sistema irão resultar na chegada ou em Te2-872 ou em Te2-872-d. »

"Todo mundo, uh, está preparado para nossa primeira vez experimentando o Motor Bifrost fora dos criogênicos?" Hyeon procurava com expectativa por respostas, mas nenhuma veio.

« Sequência de salto iniciada. »

Um estranho som ecoou através da nave, como um chamado de baleia retorcido e abaixado. N.K. nunca ouviu algo como isso em naves usando as antigas Unidades de Distorção Lang. Pelo menos agora ela podia descartar a possibilidade de que os Motores eram simplesmente UDLs que ela renovou.

« T menos quatro. T menos três… »

Todo monitor de computador se desligou. As luzes zumbiam e diminuiam de intensidade. A laje de metal de uma veneziana cobriu rapidamente a janela e as últimas visões da equipe de Via. O som distorcido ecoava por cada polegada do quadro de Kessler-002, sacudindo o corpo de N.J. em sincronia com cada batida.

« T menos dois. T menos um. Zero. »

Todo o barulho parou. Ela podia apenas sentir os estremecimentos do metal, pressionando contra as forças gravitacionais que agora os cercavam. Do lado de fora, o espaço-tempo era torcido em uma bolha protetora que envolvia Kessler-002, acelerando mais rápido do que qualquer objeto normal poderia, deixando um rastro de ondas gravitacionais atrás deles como as ondas de choque de uma barreira de som quebrada. Formas agarravam nas bordas da visão de N.J..

Ela ficou cega. Texto vermelho piscava no escuro.

Altas quantidades de fenômenos potencialmente riscos cognitivos detectados. Nervos ópticos temporariamente desativados..

Um minuto passou e luz abruptamente esfaqueou suas retinas. Ela esfregou os olhos, sentindo seu corpo cair de volta à realidade com um baque contra sua mente. A veneziana retraiu e o gigante gasoso roxo olhava por trás dela.


"INVASORES NO TERRITÓRIO SANTO DE MINERAÇÃO."

O único habitante sapiente da segunda lua de Te2-872-d não tinha um nome pronunciável por humanos. Até mesmo o resto dos Ortothans de Terzan 2 tinham dificuldade de nomeá-lo. Por tanto, por ordem do Meio-Santo, o habitante teve um novo nome imposto a ele: um símbolo modificado para "Mineiro."

"MEU CORPO ESTÁ EQUIPADO COM DOIS CANHÕES DE LUZ INVERTIDA E CENTO E DEZ LANÇAS TAUMOCTÔNICAS."

O Mineiro conhecia a lua de dentro para fora — um estado no qual ele muito preferiria que ela estivesse, pelo quão fácil seu trabalho ficaria — e ele sabia muito bem que apenas outras criaturas tão obcecadas quanto em cavar tinham algum direito de estar ali.

"SE VOCÊ NÃO É DAS DOZE ESTRELAS ENTÃO FALE ANTES QUE VOCÊ SEJA QUEBRADO POR LUZ INVERTIDA."

Ninguém mais se encaixava. O módulo de aterrissagem, caindo das nuvens nas plataformas de pouso do Mineiro, certamente não.

O Mineiro passou os braços compridos por suas entranhas cavernosas de metal retorcido, empurrando cristais espirituais através de fendas para dentro do reator ainda maior. Energias taumicas queimavam ao longo do interior esférico do reator, dando aos cristais sua deixa para levar ao ar e combinarem-se em uma bola agitada, continuamente comprimindo até atingir seu ponto de ruptura. Ela explodiu, uma bola de fogo de energia mais intenso do que aquele de várias estrelas. Os braços retornaram para colher e afunila-la nos dois canhões.

Em alguns momentos teria nenhum sinal de que o módulo sequer existiu.

"FALE OU VOCÊ SERÁ QUEBRADO."

« …o universo continua a ser preservado. Sangre no corpo santo de Rakmou-leusan. Sangre pelo universo. »

Uma transmissão de rádio. Uma resposta. Não, mais que uma resposta. O discurso dos próprios Mensageiros. As Doze Estrelas não ousariam tocar dito discurso, mas ainda era nenhuma razão para o Mineiro abaixar sua guarda. Mais tinha de ser descoberto.

Ele transmitiu uma resposta. "VOCÊ É ORTOTHAN. QUAL É O SEU PROPÓSITO."

« Entregando uma mensagem. »

O Ortothan era muito mais áspero do que o dos Mensageiros, mas rapidamente trocou para símbolos escritos por algo bem mais fluente.

"Fábrica de construção de armas e estação orbital de fornecimento de armas destruídos em ataque. Nova arma usada. Deve-se falar em privado se as Doze Estrelas estiverem interceptando."

Símbolos especiais de identificação, apenas dados para aqueles selecionados pela civilizações Ortothans para trabalhar na causa da defesa. Havia zero chances do módulo não ser Ortothan.

"OS CANHÕES FORAM DESATIVADOS. VOCÊ PODE ATERRISSAR."


O corpo do Mineiro era um gigante de metal. Um homem de guerra português de mares alienígenas. Conforme o módulo descia, N.J. podia ver tentáculos mecânicos se estendendo da parte inferior da coisa para os oceanos que cobriam a lua, desaparecendo na escuridão onde ela imaginava que estava o fundo do oceano. Dos lados esquerdo ao direito de seu corpo se estendiam barbatanas, plataformas sustentando os canos de uma milha de comprimento dos canhões de "luz invertida" (ela não sabia o que aconteceria se eles fossem disparados mas ela já não queria ter nada a ver com eles). Presos em trilhas do corpo principal haviam amplas plataformas circulares. Algumas estavam abertas para aterrissagem, algumas cheias do que pareciam com silos de misseis, algumas lançando foguete atrás de foguete para a órbita por motivos desconhecidos.

N.J. contou o número de plataformas. Seis plataformas, um corpo central. Sete partes principais no total. Claro que eram sete.

Hyeon respirava fundo no assento próximo ao dela. Estando na Divisão de Atividades Extra-solares significava que interações com alienígenas eram comuns, mas era raro se sentir realmente ameaçado por um — a Fundação sempre tinha paredes mais que suficientes para construir entre eles e você. O encontro com as Doze Estrelas ontem foi uma daquelas vezes, e assim foi hoje.

Os motores do módulo rugiram, enviando ondas de vibrações através da nave. As forças da desaceleração bateram no corpo de N.J.. Eles desceram a uma distância a alguns pés acima da plataforma enquanto chamas e fumaça passavam pelas janelas de vigia do módulo.

Clang.

Aterragem.

A tripulação desceu a escada que descia pelo comprimento do módulo e entrou em uma câmara de ar. Eles vestiram seus capacetes, esperaram enquanto a câmara passava pela sua sequência de despressurização e passaram pela saída quando ela se abriu.

Atmosfera roxa. Te2-872-d dominando um pedaço do céu. Eles haviam aterrissado nas borda da plataforma, longe de seus silos, e N.J. observava os mares. A cor do céu manchava seja lá qual fluido compusesse os oceanos de um roxo claro, interrompido apenas pelas colunas de ectoplasma pálido que subiam das profundezas para o ar. Olhos, mandíbulas e membros continuamente se formavam e dissolviam nas colunas conforme oscilavam e quebravam as nuvens. Ao redor deles, as únicas massas terrestres a serem vistas eram exoesqueletos sem vida.

Uma coluna de repente se partiu ao meio, pedaços dela gravitando em um ponto de metal no seu centro. O ponto acelerou em direção ao gigante a velocidades extremamente rápidas e mudando drasticamente de curso para mergulhar em um buraco em seu corpo central. Mais vinham do horizonte, entravam, saíam, ou aceleravam para fora de vista ou aceleravam para outras colunas. Os tentáculos se afastaram da escuridão ao redor do fundo do mar, ondas de sedimentos irrompendo, e arrastavam pedaços de exoesqueleto cristalino para a parte inferior do corpo central.

Ele estava colhendo os mortos.

N.J. correu de volta, sua mente de repentemente reconhecendo a queda absoluta da borda da plataforma para o mar milhas abaixo. A vertigem veio e se foi.

"Uh, você acha que esse lugar rivaliza Via em termos de estranheza?" A mandíbula de Hyeon caindo era praticamente audível enquanto ele falava.

"S-sim. Sim ele rivaliza."

Ventos sussurrantes passavam por eles, empequenecidos pelos estrondos das ondas e pelas máquinas do gigante. Zumbidos de arranhões de trás de Hyeon passavam por eles. Um buraco na plataforma se alargava e uma cápsula lisa se projetava, quase do tamanho do módulo.

Textos em Ortothan corriam pelos lados voltados para N.J. e Hyeon. Chione rapidamente traduziu. "ENTRE PARA TRANSPORTE. ENCONTRE-SE COM O MINEIRO."

Hyeon terminou de arrastar um contêiner pela rampa de saída do módulo quando o solo ao redor da nave afundou. Eles assistiram o módulo descer em um poço cada vez mais profundo, metal se dobrando sobre ele para fechar o buraco conforme o topo do módulo desaparecia de vista. N.J. engoliu seco.

"ENTRE PARA TRANSPORTE. ENCONTRE-SE COM O MINEIRO."

Que escolha eles tinham?

Hyeon e N.J. avançaram lentamente, empurrando o recipiente de risco biológico atrás deles.

* * *

A câmara era um sonho molhado de H.R. Giger. N.J. e Hyeon saíram da capsula para uma plataforma elevada no meio de um espaço massivo, bem dentro das profundezas do corpo principal do Mineiro. As paredes pareciam como órgãos, transformados em metal e fundidos em um mosaico surreal. À esquerda e à direita, cascatas de sangue laranja derramavam do teto e passavam pela plataforma, fluindo para os sulcos de fractais de sete vezes cavados no chão da câmara. Rios laranjas passavam por estátuas de coisas parecidas com vermes com quatro membros empunhando quatro lanças.

As cascatas diminuíam e pingavam seus últimos pingos. Os sulcos estavam cheios. Cortinas de luz emergiam, girando ao redor dos rios, e levantavam gotículas alaranjadas no ar em uma chuva inversa que cercava a plataforma. A realidade rugiu. As cortinas e sangue brilhavam com a intensidade de estrelas sem fim e os fluídos vitais eram levados para algum lugar distante no cosmos. O ritual de derramamento de sangue para Rakmou-leusan estava completo.

"Enjay, tem a sensação de que o Mineiro está tentando se exibir?"

Os painéis do teto se separaram e um pilar monolítico, tão largo quanto a plataforma, desceu. Não, não monolítico. Segmentado. Como um verme. Ele se dobrou e sua frente olhava para os exploradores. Nela estava uma janela circular espiando para um tanque de sangue laranja, iluminado por um brilho sobrenatural. Lá dentro, a silhueta de um verme de três braços ligado a fios e tubos nadava.

Luzes brilhavam nas bordas da janela — seu método natural de comunicação, talvez — então o sangue fluiu, escurecendo para formar as formas de símbolos do Ortothan. Chione rapidamente traduziu.

"CONSTRUÍ A MIM MESMO SOZINHO COM A FORÇA TRAZIDA PELO SEXTO E QUARTO. QUE O SEXTO SEJA VINGADO."

O "rosto" do pilar se aproximou lentamente.

"DIGA."

Hyeon digitou em um teclado no recipiente de risco biológico. As fechaduras de segurança se agitaram, deixando-o rapidamente abrir a escotilha do recipiente. O corpo dessecado do Operador caiu. Não havia sangue o suficiente restante para ele sangrar; apenas manchas secas raspadas no chão.

O projetor holográfico embutido no traje espacial de N.J. piscou, ainda ligado ao Operador através de seja lá qual bruxaria ele tenha feito em Via. Símbolos da Linguagem Extraterrestre Ortothan apareceram no ar.

"Operador 12, operador construtor de armas estacionado em [não traduzido], sobrevivente de arma das Doze Estrelas."

"VOCÊ ESTÁ DANIFICADO."

"Eu ainda sei."

"VOCÊ PRECISA DE REPAROS."

"Estou [saudável/ótimo]. Eu tenho que falar."

"VOU REPARAR VOCÊ."

A plataforma se amolgou sob o Operador, afundando e se envolvendo rapidamente sobre ele. Máquinas, abaixo e fora de vista, começaram a zumbir.

"Hyeon, eu vivo me esquecendo de perguntar, mas você recebeu algo do Kessler desde que entramos?" N.J. esperava que conversa leve fosse tirar a atenção de sua mente da imponente forma do Mineiro. Até agora não estava funcionando.

"Não. Nada. Deve ser fundo o suficiente aqui para que sinais não consigam passar pelas paredes."

« Essa é minha suposição, embora nós tenhamos recebido o último sinal antes de entrar na atmosfera. Nenhuma resposta foi enviada quando nós os falamos que nós aterrissamos ou que estaríamos entrando no Mineiro. »

"Isso é… Estranho."

Antes que ela pudesse pensar mais ainda o chão da plataforma se projetou em uma esfera, se derretendo para expor o novo corpo do Operador: uma forma robótica parecida com um camarão, duas cabeças triangulares com três olhos de câmera em cada extremidade do corpo, listras pintadas de vermelho e branco envolvendo ela. O quão baixo ele era comparado a N.J. fazia ele parecer estranhamente fofo.

Seu projetor holográfico se desligou. O Operador tinha seu próprio projetor para usar.

"Esse design é anormal."

"CORPO FOI PROJETADO PELOS DEUSES PARA MIM CONSTRUIR. LOUVE O DESIGN SANTO."

"Foi mesmo?"

"LOUVE."

"Eu louvo nossos protetores. Eu devo dizer."

Os símbolos se liquidificaram, girando até formar uma estação orbitando um planeta deserto azul. Um buraco de minhoca abriu próximo à estação, uma espaçonave com formato de anel, uma saraivada de mísseis disparados, a estação despedaçada. Deve ter sido isso que aconteceu em Via quando Kessler-002 captou uma enxurrada de sinais de socorro. A cena se transformou em um amplo complexo fabril no meio de dunas azuis, repousando acima da superfície de plataforma. N.J. andava de um lado para o outro, inspecionando os meandros da maquinaria que o holograma de alguma forma exibia em detalhes perfeitos.

As moções rítmicas do equipamento industrial cessaram. Misseis foram lançados e eles mergulharam em direção a uma esfera verde caindo em direção ao centro da fábrica, todos sendo transformados em amálgamas de metal inúteis antes que pudessem colidir. A esfera pousou. Incêndios brancos varreram e reduziram a área a cinzas. No que N.J. inicialmente achou que tinha sido um erro no projetor, o fogo parou. A explosão congelou. Se dobrou de volta ao epicentro. Estática de televisão tomou a área enquanto a explosão recomeçava, pausava, recomeçava, pausava, e construções se construíam e se desconstruíam. Paisagens de mundos diferentes apareciam e então desapareciam no piscar de olhos.

Ela parou. Em pleno caos havia uma mancha preta que era uma cratera no deserto azul, detritos teleportando através dela em movimentos quebrados. A cratera que N.J. e Hyeon haviam visitado no dia anterior.

"Disjuntor de sólido do mundo."

Sólido do mundo. Tanto nas culturas Ortothan humanas como alienígenas havia uma ideia de que a realidade era uma "sustância." Em sua forma mais forte, o mundo é um sólido imutável, e conforme a estabilidade reduz ele se liquefaz em um estado que pode ser manipulado. Uma maneira de racionalizar a estabilidade da realidade foi para o que a Fundação desenvolveu o sistema de Hume. Disjuntor de sólido do mundo.

Era uma bomba que quebrava a realidade.

"DOZE ESTRELAS DEVEM SER DESTRUÍDAS."

"Como podemos lutar com as Doze Estrelas? Sua localização é desconhecida. Todos os os ataques vem de buracos de minhoca e não podem ser preparados para."

"PELO UNIVERSO PELO O QUAL OS SETE SANTOS LUTARAM, AS DOZE ESTRELAS DEVEM SER DESTRUÍDAS."

"Como?"

« Comunicações recebidas de Kessler-002. »

N.J. imediatamente se desligou da conversa dos alienígenas.

« Enjay, Hyeon? » Havia estática, mas a voz de Micha era ouvida.

Hyeon pulou para responder antes que N.J. pudesse. "O que caralhos foi esse silêncio de rádio?"

« As Doze Estrelas visitaram. »

"…Eu …O quê?"

Chione começou a mostrar a versão traduzida da conversa através do projetor holográfico de Hyeon. O Mineiro e o Operador olhavam.

« As Doze Estrelas vieram e se foram. »

"…Não brinque com isso, não é divertido, não é—"

« Assista. »

« Automaticamente iniciando arquivo de vídeo transmitido. »

A cena foi transmitida diretamente para a retina de N.J. por seus implantes de nanotecnologia e projetados no ar do projetor de Hyeon para os Ortothans verem. Da câmera na frente de Kessler-002, luz do gigante gasoso e da lua oceânica se dobrou. Como se através de ondulações de água. As ondulações se contorceram, se espalharam e uma sombra cresceu de seu centro. Rapidamente as ondulações foram superadas pela recém-aparecida esfera de escuridão, luz se dobrando em suas bordas.

Algo apareceu na esfera. Uma forma quase imperceptível, distorcida em ângulos absurdos. Quanto mais luz alcançava a forma menos sua figura ficava distorcida, finalmente saindo da esfera em uma forma normal. Era uma espaçonave com o formato de um anel, silos de mísseis nas laterais. O mesmo que destruiu a estação orbital do Operador. Ele tardou por alguns minutos, circulando a esfera, antes de mergulhar na escuridão, destorcer e desaparecer. A esfera se desfez depois.

Ninguém precisava perguntar o que aconteceu. As Doze Estrelas vieram por um buraco de minhoca e se foram. O porquê disso ter acontecido não tinha respostas fáceis nem confortantes.

« Monitores do Espaço-tempo piraram por um tempo. Além da, cê sabe, porra do buraco de minhoca, nós detectamos uma fonte de ondas gravitacionais como aquela feita pelos objetos em velocidades FTL, exceto que não tinha um objeto ao nosso redor do qual as ondas poderiam estar vindo. Nós ficamos em silêncio de rádio para pelo menos fingir que podíamos nos esconder. »

O Operador e o Mineiro estavam em silêncio. Mesmo sem olhos, o olhar do Mineiro ficou mais intenso.

« Mesmo que se quiséssemos enviar sinais, a influência do buraco de minhoca sobre ondas Eletromagnéticas teria distorcido eles pra cacete. »

"Eu— como que eles chegaram até nós?"

« Eu acho que sei como? »

"Quero dizer, apenas, dois encontros quando esses caras parecem, bem, bastante errados com o quão grande essa guerra é."

« Coincidência, talvez? »

A voz de Alex ficou audível. « Ou nós fomos seguidos. »

"VI ISSO ANTES. DOZE ESTRELAS ENVIAM INTERCEPTADOR, ASSISTEM MUNDO, SAEM, RETORNAM PARA ATACAR. ATAQUE VIRÁ."

N.J. digitou no teclado de seu traje espacial com dedos trêmulos, deixando Chione lidar com a tradução. "Podemos parar isso?"

"INTRUSOS DAS DOZE ESTRELAS SERÃO REMOVIDOS COM CANHÕES DE LUZ INVERTIDA. AVISAREI AO MEIO-SANTO QUE AVISARÁ AOS MUNDOS. VOCÊS DEVEM SAIR."

Sair parecia uma excelente ideia. Enquanto N.J. e Hyeon se aproximavam da capsula o Operador perguntou uma questão que a dupla preferiria que nunca fosse perguntada.

"Como podemos ajudar?"

"ENVIE SUPRIMENTOS PARA O PLANETA VIAJANTE [símbolo desconhecido]. DOZE ESTRELAS NÃO PODEM LEVAR O PLANETA. PLANETA PODE ENCONTRAR FORMA DE PRESERVAR O SÓLIDO DO MUNDO."

« Não não não, o Operador não acabou de perguntar isso, » Micha gaguejou. « Hyeon, você pode, tipo, convencer o Mineiro que não podemos ajudar? De forma alguma? »

"Eu não vou recusar o pedido desta coisa enquanto estamos dentro dela."

"SUPRIMENTOS SERÃO ENVIADOS À ÓRBITA PARA RECUPERAÇÃO. DIREÇÕES SERÃO TRANSMITIDAS."

"As Doze Estrelas poderiam interceptar as transmissões."

"DOZE ESTRELAS JÁ SABEM DE PLANETA VIAJANTE [símbolo desconhecido]."

De Kessler-002 vinham murmúrios sobre uma nave lançando do Mineiro, questões sobre como ela poderia ser atracada à nave. Não há como voltar atrás para a pesquisa à distância agora.

Uma entrada na capsula se abriu. N.J. colocou um único pé dentro quando um barulho alto a levou a se virar.

"VOCÊ."

Ela apontou para si mesma, confusa.

"VOCÊ. SUA ESPÉCIE NÃO É DO CONJUNTO ESTELAR ABERTO. O QUÊ É VOCÊ?"

"Aliados," disse ela.

* * *

Horas depois N.J. desabou em sua cama. Ela não sonhou. Ela se lembrava do encontro com o drone das Doze Estrelas em Via, a luz que brilhou em seus olhos quando o drone decidiu poupar sua vida. Ela se lembrava da luz.

Ela não dormiu, pois na escuridão sob as pálpebras a luz continuava a brilhar.


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