Mais das Merdas do Fuller
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"Os Cagões ligaram. Eles querem a merda deles de volta."

Icky segurou o telefone na orelha por alguns segundos em silêncio, ponderando sobre as palavras estranhas para ter certeza de que ouviu tudo.

"Isso é um trote, Toby?" perguntou ela.

"Não, os Cagões. O pessoal de quem você aluga seus banheiros portáteis extradimensionais," disse o funcionário da Cidade dos Palhaços. Ela o ouviu folheando alguns papéis do outro lado antes de voltar a falar. "Aparentemente, o número de telefone que eles têm pra vocês está desatualizado e eles vieram aqui porque vocês nunca ficam no mesmo lugar. Recusei-me a dar o seu número pra eles, só para caso vocês estivessem tentando se esconder, mas prometi que passaria a mensagem."

"Tá, sim. Isso está começando a me lembrar de algo," disse ela, colocando os pés em cima do pufe de seu trailer particular. "Tínhamos esses banheiros portáteis desde que o Fuller estava no comando. Eu não estive envolvida na aquisição deles e também nunca tive motivos para substituí-los, então nunca pensei muito neles. Eu – um segundo."

Lolly tinha rastejado ao lado dela no sofá e estava sedutoramente rebolando seu traseiro, ansiosa para que suas atividades noturnas começassem.

"Me interrompendo enquanto estou no telefone? Essa não é uma boa garota." Icky deu um tapa de brincadeira no bumbum da Lolly, fazendo-a estremecer e gemer de luxúria. Com um sorriso satisfeito, Icky colocou o telefone de volta em seu ouvido.

"Amo esses banheiros portáteis. Você só caga neles e a merda se vai pra sempre."

"… A Lolly tem 10, né?"

"Ela tem vinte e seis."

"E meio!" gritou Lolly ao telefone.

"Eu disse para não interromper," Icky a lembrou, dando a ela um segundo tapa que a fez gritar de prazer. "Desculpe, Toby, estávamos discutindo sobre banheiros portáteis?"

"Bom, o problema é que a merda não se vai para sempre. Segundo os Cagões, os banheiros portáteis enviam seu conteúdo para uma dimensão de bolso compartilhada, e sua capacidade não é infinita," disse ele, sua voz rouca falhando mais do que o habitual.

"Calma, você está dizendo que estamos transportando um microverso cheio de merda e mijo de décadas que vai inevitavelmente transbordar?" perguntou ela enquanto seu rosto se contorcia em desgosto horrorizado.

"É, e vocês estão perigosamente atrasados pro serviço. Se você quiser, posso dizer aos Cagões onde vocês estão."

"Bem, quanto custa o serviço? E devemos a eles algum aluguel atrasado?" perguntou ela enquanto pegava uma caneta e um guardanapo para rabiscar quaisquer números que ele lhe desse.

"Não, essa é a coisa mais estranha. Os resíduos em si que são o pagamento."

"Você está brincando."

"Eu gostaria de estar, Icky."

"Pro que eles usam os resíduos?"

"Eles não queriam falar."

"Bem, isso é perturbador. Tem certeza que isso é real? Isso não é uma armadilha ou esquema, ou algo assim?"

"Examinei os registros e eles são uma empresa real e Fuller assinou um contrato com eles. Se você não sabe nada sobre eles, veja com o Manny se você realmente quiser ter certeza, mas vocês têm uma bomba-relógio em suas mãos com esses banheiros portáteis, então não adie isso."

"Não vou, não seu preocupe. Obrigada por me avisar. Falo com você mais tarde." Ela desligou o telefone e o colosou sobre a mesa, olhando melancolicamente para Lolly. "Desculpe meu bebê, surgiu um imprevisto. Vou ter que lidar com isso -"

Lolly arqueou a sobrancelha com ceticismo e depois mostrou a língua enquanto a esticava até ter nove polegadas de comprimento com papilas gustativas aumentadas e pulsantes para estimulação.

" – de amanhã."


No início da manhã seguinte, algumas horas antes de abrirem ao público, Icky dirigiu-se a um dos vários bancos de banheiros portáteis do Circo com uma xícara de café na mão. Para se encaixar com a decoração antiga, eles eram feitos de cedro em vez de plástico, com luas crescentes esculpidas nas portas como um banheiro externo estereotípico, e cada um exibia uma arte única feita por um voluntário diferente.

A porta de um dos banheiros portáteis estava aberta, e ela viu Manny dentro fazendo algum tipo de inspeção com a cabeça enfiada dentro da sanita extradimensional.

"Suponho que você tenha recebido minha mensagem?" perguntou ela enquanto tomava seu café.

"Aham," disse ele, sua voz ecoando dentro da caixa de madeira. "Um representante dos Cagões deve estar vindo pelo Caleidoscópio a qualquer minuto. Esses banheiros parecem vazios infinitos para mim, então não sei se estamos realmente perto da capacidade ou não."

"E você se lembra quando o Fuller arrumou esses banheiros? Porque não me lembro direito dessa parte. Foi nos anos oitenta, não foi? Foi definitivamente antes do Dicksy, porque eu me lembro dele claramente reclamando sobre não ser capaz de checar as fezes dele em busca de sangue, parasitas e pequenos objetos de valor que ele havia engolido para pegar."

"Foi na casa dos trinta anos atrás, sim," disse ele, puxando a cabeça para fora do vaso sanitário e levantando-se. Ele enfiou a mão no bolso e tirou uma pilha de papéis amarronzados. "Desenterrei o contrato que o Fuller assinou. Como de costume, ele é bastante complicado. Fuller nunca fazia um acordo direto ao ponto, mesmo em algo tão banal como isso. Sempre tinha que tentar enganar qualquer um. Sem falar das partes que são intencionalmente sem sentido, o contrato é incrivelmente ambíguo sobre a nossa parte do acordo, exceto que os Cagões podem reivindicar o conteúdo dos banheiros em algum momento."

"Mas nós estamos alugando eles? Nós não temos nossos próprios banheiros?"

"Infelizmente não. Como eles pertencem aos Cagões, eles podem presumivelmente pegá-los de volta, mas o contrato é incrivelmente incerto sobre isso. Não vamos poder usar essa bagunça para negociações. Teremos que começar do zero."

Icky revirou os olhos e soltou um suspiro pesado.

"Mesmo depois de todos esses anos, ainda não terminar de lidar com as merdas do Fuller," ela sorriu. "Lembra que ele costumava ter um banheiro externo de dois andares?"

"Era simbólico — pela maior parte."

Manny balançou a cabeça levemente para trás dela, e ela se virou para ver Noodles, o Palhaço grande que eles usavam mais para segurança, puxando um carrinho pequeno completamente cercado por uma cortina de chuveiro coberta de patinhos tristes.

"O representante tá aí dentro, ou -"

Icky foi interrompida por uma fraca ostentação.

"Apresentando, sua melancolia, Princeton Puntsworth Periwinkle, o Pior, representante do Pró-Estado dos Cagões, Paladino das Paliçadas de Porcelana e técnico de resíduos sépticos," anunciou uma voz apática e nasalada. A cortina foi puxada para trás para revelar um homem baixo, corpulento e de papada pesada em um terno de três peças, chapéu-coco e óculos grossos, sentado em um vaso sanitário de puxar ornamentado. "Eram só vocês dois aqui? Que desperdício."

"Olá, Sr. Periwinkle -" começou Icky.

"Me chame de o Pior. Todo mundo chama," insistiu ele.

"Werst,1 tipo, salsichas?"

"Não, só terrível."

"Bem, o que você preferir. Me perdoe por ser franca, mas você está se sentindo bem? Você parece, hum…"

"Constipado?"

"Bem, sim."

"Você já ouviu a expressão sobre os filhos do sapateiro que não tinham sapatos?"

"Já."

"Mesmo princípio básico."

"Certo. Indo aos negócios, sou Icky, a Mestre de Cerimônias, e este é Manny. Ele e eu estamos no comando pro aqui. Lamentamos que você tenha tido tanta dificuldade em nos encontrar, é só que assumimos o controle do proprietário anterior de repente e nenhum de nós estava totalmente ciente do contrato com sua empresa."

"É assim que é. Ninguém valoriza os banheiros. Contanto que eles engulam toda sua merda sem problemas, ninguém se importa."

"Ouça, o contrato que você tinha com Fuller era um pouco incerto. Gostaríamos de renegociar." disse Manny.

"Nenhum de nós está em posição de negociar no momento. Ou eu pego os quartos de milhão de toneladas de matéria fecal e dez milhões de litros de urina que estão apodrecendo há mais de trinta anos, ou eles excedem a capacidade de carga da dimensão de bolso e se rompem por todo o seu Circo, o que seria um horror de calamidade para todos os envolvidos." Princeton virou a cabeça para dar uma olhada melhor para os banheiros. "Por que eles estão cobertos de grafite?"

"Não é grafite. Nós pintamos eles," respondeu Icky.

"Isso é grafite. Que tenho que auditar. O que vai demorar um pouco," disse ele, levantando-se com um gemido alto. Ele tirou uma caneta e um bloco de notas do bolso e começou a escrever. "'Banheiros estão desfigurados'. Vou precisar que vocês fechem o Circo por hoje. Multidões me dão gases."

"Não vamos fechar o Circo por isso," respondeu Manny. "Só dê baixa neles, e nós vamos compensá-lo por eles."

"Danos cosméticos não são uma baixa. Preciso avaliar cada banheiro e relatar aos meus superiores, e eles decidirão como proceder."

Ele se arrastou até o banheiro mais próximo e se inclinou para ler a placa que eles haviam pendurado na porta. Ela era rosa, roxo e azul com uma silhueta feminina, não binária e masculina.

" 'BANHEIRO INCLUSIVE. Todos são bem-vindos a usar este banheiro, independentemente da identidade ou expressão de gênero. Trocadores de fraldas estão disponíveis em nossos banheiros familiares totalmente acessíveis. Informe à equipe do Circo se nossos produtos de higiene pessoal estiverem fora de estoque ou se encontrar os banheiros em condições insalubres. Obrigado, e tenha um dia Perturbador!'."

Ele olhou para a placa em confusão por um momento, e então se virou para olhá-los.

"Qual é a diferença entre unissex e inclusivo?" perguntou ele.

"Nada. É uma sinalização de virtude sem sentido," respondeu Manny.

"Não é sem sentido!" objetou Icky. "Pessoas que não se conformam com o gênero precisam saber que não serão assediadas ou agredidas apenas por tentar mijar! O termo 'Inclusive' transmite isso. Unissex não. É especialmente ruim par eles porque são discriminados de ambos os lados do espectro político."

"Você se refere àquele incidente na Biblioteca quando você entrou em um debate acalorado com uma bruxa chamada Tilda sobre se ela era ou não 'realmente' uma mulher?" perguntou ele, o rosto dela corando em um rosa luminescente.

"Isso, isso foi há muito tempo. Minha opinião está mais evoluída agora."

"Exatamente. Esses tipos de coisas evoluem constantemente e nunca param de evoluir, e é por isso que imortais como nós não devemos ficar muito presos nas efêmeras do espírito atual da época."

"Eu… olha. Se é importante pra Lolly, é importante pra mim."

Manny sorriu e concedeu.

"Justo," concordou ele.

"'Os banheiros estão modernos demais'," murmurou Princeton enquanto rabiscava em seu bloco de notas.

"Você tem problema com isso agora?" perguntou Icky.

"Os Cagões são apolíticos. Afinal, todo mundo caga," respondeu ele. Ele abriu a porta e entrou para avaliar o interior. "Para um banheiro moderno, há um número bem grande de suásticas esculpidas aqui."

"Bem, quando foi a última vez que você viu um banheiro público sem discurso de ódio rabiscado nele?" perguntou Icky.

"Literalmente nunca," suspirou ele tristemente, rabiscando em seu bloco de notas novamente. "'Iluminação e ventilação adequadas. Espuma desinfetante para as mãos na saboneteira, aroma de menta. Ambientador com aroma de planta de cola. Pastilhas de urinário de cabeça para baixo, possivelmente uma referência intencional à proprietária. Adição de um pequeno dispensador de produtos de higiene feminina. O papel higiênico é de duas camadas e acolchoado com impressões de tenda de circo. Pichações notáveis: 'Para se divertir, ligue para: 092-791-697-518-6,' 'Transei com um Squeedle e gostei,' 'O Campeão da Lua reivindica esta cabine de poesia pública em nome do Rei da Lua,' e '‘Herr Spankoflex tocou a fruta pelos despojos dos Fraggles. Cack!'. 'Condição Geral: Aceitável'."

Ele colocou a caneta e o bloco de notas de volta no bolso, depois tirou uma longa vareta de óleo e a inseriu lentamente no vaso sanitário.

"O que você está fazendo?" perguntou Manny.

"Nós chamamos isso de análise crítica: medir quanta merda tem," disse ele, puxando a vareta para fora e a levando até seus óculos. "Está perto da capacidade crítica. Vou ter que colher imediatamente."

"E colher é o único pagamento que vocês requerem?" perguntou Icky incrédula. "O quer vocês poderiam querer com detritos humanos?"

Princeton produziu a primeira coisa parecida com um sorriso desde que chegara.

"Não existe tal coisa chamada detritos, mocinha. Apenas recursos que não somos inteligentes o suficiente para usar. Os usos mundanos das fezes são múltiplos; fertilizante, é claro, mas elas também podem ser transformadas em biocombustível e papel, o nitrato de potássio pode ser usado para pólvora e, mais recentemente, médicos começaram a realizar transplantes fecais para corrigir desequilíbrios na flora intestinal de um indivíduo. Certamente não é tão estranho pensar que alguém no mundo anômalo teria encontrado uma maneira de exploração um recurso tão versátil?"

"E você não vai nos dizer o que seria ela?" perguntou Manny.

"Sinto muito. Segredos comerciais e tudo. Você entende." Eles o viram puxar uma estranha espécie de chave-inglesa antes de fechar a porta na cara deles. Os dois trocaram olhares preocupados com o som dele mexendo em algo lá dentro, seguido de um 'pling' e um "Desgraça, de novo não."

Ele chutou a porta com as mãos estendidas para fora, os óculos que usava não mais no rosto.

"Deixei cair meus óculos," lamentou ele.

"No vaso?" perguntou icky.

"Acontece com mais frequência do que eu gostaria de admitir," disse ele. "Acho que vocês vão querer fechar essa porta."

O banheiro portátil agora estava começando a vibrar e tremer de forma prodigiosa, e ambos sabiam que não iriam gostar do que estava prestes a acontecer.

"O que você fez?" exigiu Icky, o timbre de sua forma mais monstruosa começando a se afiar em sua voz.

"Iniciei um processo que não pode, sob nenhuma circunstância, ser deixado incompleto, e então deixei cair meus óculos," respondeu ele. "Como dizemos em minha linha de trabalho, estamos lascados."

Manny não aceitava derrota tão facilmente. Correndo para a caixa trêmula, ele a derrubou e a levantou de volta de modo a estar de cabeça para baixo.

"Por que você fez isso?" perguntou Icky enquanto ele a arrastava para trás da cortina do chuveiro da liteira de Princeton.

"Só um palpite," respondeu ele.

"O que ele fez? Eu não consigo ver," gemeu Princeton.

Um gêiser de lodo séptico indescritivelmente horrível irrompeu do teto do banheiro portátil, fazendo-o voar como um foguete. Um pouco do líquido preto-esverdeado espirrou na área imediata, mas a maior parte foi levada pelo lavatório a voar, que subiu tão alto e tão rápido que ficou fora de vista em segundos.

Icky cautelosamente puxou a cortina do chuveiro de volta, revelando uma pequena cratera onde o banheiro portátil estava. Os banheiros adjacentes sofreram alguns danos, e tudo dentro de um raio de vinte pés, incluindo Princeton Puntsworth Periwinkle o Pior, estava coberto de lodo séptico fedido.

"Bem, se já cagamos tudo, acho que meu trabalho está feito," disse ele. "Um de vocês se importaria de me levar de volta ao Caleidoscópio?"

Ele sentiu uma mão envolta em uma cortina de chuveiro agarrá-lo pela garganta e erguê-lo no ar.

"Você quase encharcou meu Circo em trinta anos de merda purulenta, sem mencionar em matar meu resplendor da noite passada!" Icky rugiu para ele, seus olhos brilhando e seus dentes ficando afiados. "Você não vai sair de fininho dessa."

"Mas, eu, ah, você, você não bateria em um homem de óculos, não é?" perguntou ele lamentavelmente.

"Você perdeu seus óculos," ela o lembrou com um sorriso sádico.

"Desgraça."


Manny deixou Icky para repreender o pobre representante do Pró-Estado, conhecendo-a bem o suficiente para que não houvesse chance de ela realmente machucá-lo por causa de um acidente. Ele quase se sentiu mal por ele, mas então se lembrou de que um pouco daquele lodo séptico chovendo poderia facilmente ter caído pelas suas narinas invertidas de seu rosto de cabeça para baixo.

Ele entrou na tenda do Mestre de Cerimônias com a intenção de redigir um novo contrato com os Cagões, mas ficou surpreso ao encontrar um par de jovens mulheres esperando na mesa.

"Manny? Você não mudou nada," disse uma delas. "Você se lembra de nós, por acaso?"

"As irmãs Levainn, Erelynn e Elewynn. Claro," disse ele cortesmente, mais pro relutância em ofender o Povo das Fadas do que por prazer real. "O que as traz aqui depois de todo esse tempo?"

"Viemos buscar sua ajuda em uma missão que iniciamos," respondeu a outra garota. "Viemos cobrar aquele favor que você nos deve."

"Merda."

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