Está a chover lá fora. O frio que acompanha as gotas geladas que caem sobre a terra me faz companhia aqui dentro. As últimas horas… dias, não sei ao certo, foram o ápice de uma grande paranoia ou alguma coisa que minha mente humana não consegue formar algo concreto para se construir um raciocínio lógico de tudo isso. Mas eu nunca me permitiria ser apagado dos anais da história. Jamais. Para alguns, podemos ser apenas valores lógicos de um grande banco de dados da Fundação, mas nem todos trabalham pelo dinheiro ou razões fúteis. Não permitirei que minha história termine com uma transferência para algum tipo de arquivo morto.
Minha cabeça dói um pouco. Mas meu pequeno “conhecimento médico” me permite dizer em uma breve avaliação que não corro risco de vida, apesar de um pouco de sangue que notei em minha mão após apalpar uma região da cabeça escolhida aleatoriamente.
Desde criança gosto de escrever meus pensamentos. Estudava para provas dessa forma, ajuda a fixar tudo e pensar com calma. E este pequeno relato faz parte de uma dessas tentativas malucas para descobrir o que puder.
Tudo começou após meu envolvimento com o caso do zero…. zero… já não lembro nem ao menos aquela maldita serial! Durante alguns dias a Fundação me questionou sobre meu envolvimento com o incidente. Disse a eles realmente tudo que sabia, mas a verdade parecia muito mentira e logo fui posto sob vigilância. Meu pequeno recado aos superiores jamais deve ter chegado ao seu destino, do contrário estaria morto provavelmente.
De qualquer forma, meus dias dentro e fora da Fundação se mesclaram. Aquele sentimento estranho dentro daquelas paredes me acompanhava para onde eu fosse. Talvez a vigilância estivesse me causando isso. Talvez a Fundação tenha seus meios de vigilância incomuns com uso de algum tipo de “instrumento”, muitos são os boatos sobre objetos não catalogados, seções secretas e por ai vai.
Durante minha sagrada hora do café, uma ordem chegou até minhas mãos exigindo que toda rotina no período da tarde fosse substituída pra seção de entrada de novos objetos. Alguns funcionários me olharam diferente o que já era esperado, já que muitos querem trabalhar naquela seção. Devido inclusive a demanda de pedidos de transferência para lá, os superiores não costumam escalar pessoas fixas para o local, eles preferem emitir essas ordens em caráter de urgência. O segredinho está no fato de que é um serviço tranquilo, você não tem contato com os objetos, fica apenas atrás de uma sala digitando textinhos sobre os dados do objeto colhidos através dos esforços e sacrifícios dos agentes de campo que nem sempre voltam fora de um saco preto. E como a demanda não é muito grande, geralmente a pessoa escalada fica sem trabalho pra fazer e longe das salas de contenção. Divertia-me com as histórias dos novatos que tinham medo de encarar o trabalho, com medo de um possível contato direto com o que chegava….
Para a minha infelicidade, haviam três objetos aquele dia. Digo isso porque observei a existência de três pequenos containers embaixo da plataforma onde estava. O curioso é que devido a políticas da Fundação, a pequena sala operatória de dados onde estava é totalmente isolada do local de entrada dos objetos através de uma forte camada de um vidro escuro e blindado. O motivo pelo qual eu tinha acesso visual ao pessoal la embaixo empurrando os pacotes para a entrada das câmaras me é desconhecido. Então eu notei que não havia nenhum dado quanto ao terceiro pacote, e sem pensar muito levantei da cadeira e ativei o sistema de áudio exterior e pedi para que o pessoal aguardasse o objeto ser catalogado antes de manejado para dentro da instalação.
Havia um grupo levando o objeto, uniformizados como agentes de campo. Eles pareciam confusos e olharam pra minha direção. Em seguida os vidros em volta da minha sala escureceram, em um efeito que me arrancou um espanto. O vidro embora aparentasse apenas ser grosso, se revestiu com uma fumaça escura em seu interior, como se fosse oco por dentro. Fiquei em silêncio por alguns minutos e decidi terminar apenas os dois objetos que tinha acesso.
Pareceu-me estranho agentes de campo cuidando do transporte de objetos. Logo, a suspeita de quebra de sigilo ou de invasão, junto com teorias da conspiração subiu-me a cabeça novamente.
Coloquei a mão no bolso para retirar meu lenço e lembrei que estava carregando alguns frascos de ███████. Esse descuido que me levou a portar material de risco para fora da sala de teste de forma não autorizada, não poderia ser melhor exemplo de caprichos do destino. Depois da minha ultima experiência com a garotinha e aquela mulher misteriosa,, descobri as consequências de não se envolver, e logo a ameaça de estar sobre aqueles longos interrogatórios de novo me fez tomar medidas drásticas. Quando me dei por conta, estava a utilizar o ███████ na tranca do alçapão de emergência da sala de dados para ter acesso a zona inferior onde os objetos deram entrada. Esquema do local impresso dos arquivos da instalação.
Descendo com cuidado as vigas de aço que dava suporte para a instalação, consegui chegar a salvo ao nível inferior, mas não havia sinal dos homens ou do objeto misterioso fora do catálogo. Mas apenas dois caminhos existiam ali, a entrada que foi por aonde os homens vieram, e o grande corredor que dava acesso ao interior da instalação.
Utilizei o código de segurança para pequenos riscos de quebra de contenção, alertando o setor sobre os suspeitos, foi a minha forma de dizer “Calma, estou ajudando”, mas tenho certeza de que não foi a melhor das ideias.
O corredor era longo e escuro, mas tinha pequenos carrinhos elétricos para transporte de menores cargas. Não era muito, mas me pouparia caminhada.
Uma das luzes do carrinho estourou me dando um grande susto. Segundos depois eu descobri que aquele pequeno incidente não foi algo espontâneo. Uma pequena luz mais adiante no túnel piscou e um buraco apareceu no carrinho, próximo onde estava minha mão. Estavam disparando armas silenciosas, e provavelmente eu era a caça. Abriguei-me como podia, deitando na parte de carga do carrinho, torcendo para que ele suportasse os disparos. Cada disparo me sentia na obrigação de procurar se alguma parte minha foi acertada. Não podia nem ao menos abandonar minha missão curiosa, pois entre o caminho de volta e os disparos, só o carrinho servia de proteção. A qualquer momento algum deles poderia descer e me abordar, esses malditos carrinhos de transporte não se movimentam rápido o suficiente para impedir alguém de descer deles em movimento.
Então, eu manobrei o carrinho para próximo da parede as cegas do que havia em frente, e desci dele ainda em movimento pela traseira. Mantive-me em sua cobertura, na esperança de que fosse perdido de vista e que ninguém iria perceber a minha manobra arriscada.
Meu carrinho bateu em algo. Essa foi a deixa pra que eu pudesse rolar até a parede ao lado e me esconder em uma bifurcação.
Uma pequena espiadinha me permitiu descobrir que o motivo da colisão era o outro carrinho, e que não havia mais ninguém lá. Escutei alguns passos e decidi me ocultar novamente. Era um grupo de cinco pessoas. Uma delas era uma mulher com uma tatuagem incompleta de uma cobra em seu ombro. Era a única parte exposta do corpo fora parte do rosto. Apesar de ser impossível identificar algum deles, tenho certeza de que nunca os vi por aqui. Estavam em ronda, me procurando provavelmente. Ligaram algumas lanternas de bolso do peito e estavam dando atenção as sombras, em busca de seu perseguidor. O medo de morrer começou a me subir a cabeça e isso não era bom, me tirava o raciocínio.
Um pedaço de vidro que voou do carrinho estava próximo ao meu pé. Se fosse pra morrer, pelo menos não seria sem lutar, e aquele pequeno pedaço de vidro seria minha chave para Valhala. Bom… eu estava em pânico, pensar assim de forma humorística me ajudava a contrabalancear os hormônios e a adrenalina, quem sabe me traria alguma esperança…
A mulher era a mais próxima da parede… Estava chegando perto… Mais alguns metros e estaria ao meu alcance. Assim que ela deu o passo certeiro, sai das sombras em posição de ataque, com minha arma mortal erguida com o coração dela na mira. Com uma incrível agilidade, como se soubesse da minha investida antes de acontecer, a mulher esquivou-se para trás e disparou uma arma estranha, parecia ar comprimido. Rasgou boa parte das minhas roupas e me arremessou cerca de dez metros para trás, onde quebrei a parede velha onde colidi, fraturando alguns ossos. O outro lado da parede tinha um buraco pelo qual cai, junto a uma boa quantidade de tijolos. Um deles acertou a minha cabeça e me fez desmaiar. Pouco antes de perder a consciência, eu tenho certeza de ter ouvido alguns disparos e a voz de comando de alguns agentes da Fundação, provavelmente era a resposta ao meu chamado pouco antes de entrar no túnel.
E aqui estou eu em uma sala escura, sem ideia de onde estou escrevendo o que posso com minha caneta de bolso pessoal. Pergunto-me quem eram aquelas pessoas e o que levavam para dentro da Fundação sem catalogar no sistema. Talvez algum material de sabotagem, ou um objeto perdido?