Fora de Perigo
Um Conto dos Pinheiros Distorcidos / Soluções Silvestres
Estranho, pensou Wajima "Hagi" Moyumi. Estranho como ela foi capaz de deixar a Fundação com tanta facilidade.
Não que as pessoas não pudessem deixar a Fundação, é claro. Elas podiam, mas a menos que fossem funcionários de alto escalão, elas estavam condenadas a esquecer tudo sobre ela. O principal objetivo da Fundação é reter informações, e aposentados são simplesmente pacotes de informações pedindo para ser abduzidos e interrogados por uma série de grupos antagônicos. Digamos, um Mekhanita querendo saber qual Sítio contêm algum tipo de artefato, ou um agente da Insurgência do Caos tentando arrancar qualquer coisa que pudesse levar a uma intercepção ou bombardeio bem-sucedido. Ou qualquer pessoa que não tenha problemas em vender essas informações para outras pessoas. Resumindo, era perigoso deixar qualquer funcionário aposentado da Fundação desprotegido com qualquer quantidade de informação útil e, como guarda-costas e vigilância consomem tempo e energia, a Fundação criou o hábito de limpar quase todo mundo. Logo, outros grupos de interesse começaram a notar que nenhuma quantidade de tortura conseguia extrair algo útil, e a vida para esses cientistas aposentados e agentes de campo feridos tornou-se muito menos tumultuosa e muito mais segura.
A situação de Hagi era diferente.
Quando a Fundação estava se perguntando como iria dar a notícia de que eles iriam afrouxar o controle sobre a Soluções Silvestres do Wilson, algo que surgiu foi a ideia de que eles poderiam revelar que Hagi era uma espiã e, em seguida, retirá-la de seus cargos, como um exemplo literal de seu afrouxamento do controle. Era bastante infalível. Nada no Acordo de Boring realmente proibia espionagem, por parte da Fundação, e isso mostraria a eles que uma nova era estava surgindo - uma era fora do controle da Fundação. Todos estavam a favor.
Exceto Hagi.
Ela ficou muito chateada quando soube desse plano. Alguém acima deve ter notado, porque logo ela foi chamada para uma reunião com a equipe de pesquisa do Nexus 17 e questionada sobre o que pensava sobre o assunto. Quando ela falou em desacordo, eles a ouviram. O que foi totalmente inesperado.
Assim, Hagi não queria deixar a Soluções Silvestres do Wilson.
Ela estivera com elas há… pouco mais de duas décadas, àquela altura. A Soluções Silvestres tinha se tornado seu meio de vida. Ela sabia que o estilo de vida de um agente da Fundação exigia flexibilidade e a disposição de mudar a qualquer momento, mas… ela não se sentira mais realizada consigo mesma em toda a sua vida. Ela perguntou a eles se talvez ainda pudessem revelá-la, mas depois… retirá-la da folha de pagamento deles, por assim dizer, e deixá-la ficar ficar como funcionária em tempo integral da Soluções Silvestres do Wilson.
Era arriscado e Hagi não esperava que fosse a lugar nenhum.
Mas funcionou.
Ela pôde se lembrar de quase tudo, ou assim suas memórias lhe diziam; ela sabia que, a essa altura, elas eram difíceis de confiar. Eles apagaram muitas, muitas coisas dela — ela não sabia a localização de nenhum Sítio, por exemplo. Ela não se lembrava de quase nenhuma anomalia com que ela havia trabalhado (além dos animais na Soluções Silvestres), ela não se lembrava do design de quaisquer instalações de pesquisa… ela pôde se lembrar de seus amigos e colegas de quem ela havia se despedido, mas eles apagaram seus nomes. Ainda assim, o fato de que ela conseguia se lembrar de quem trabalhava com a Fundação era uma raridade.
Os primeiros meses após aquela grande revelação foram tumultuados. Houve muita comemoração, mas… um pouco de animosidade veio na direção de Hagi. Pessoas estavam compreensivelmente irritadas por terem sido espionadas, mesmo que isso tenha vindo dos Supervisores, cujo trabalho era supervisionar. Eventualmente, tudo se dissipou e, embora ela soubesse que havia alguns que ainda guardavam rancor, até mesmo essas pessoas escondiam esses sentimentos para tornar o local de trabalho uma experiência melhor para todos. Mas nem todos reagiram dessa forma. Faeowynn Wilson permaneceu gentil com ela, assim como seu bom amigo Gary Harp — embora eles tivessem tido uma ou duas conversas bem difíceis.
"Você está pronto? A primeira viagem é sempre bizarra." Hagi estava na beira de um portão de esgoto — um lugar infeliz para uma Via, mas o que você poderia fazer? Não há muito do que reclamar.
"Digo, acho que estou." Gary estremeceu um pouco. "Isso dói?"
"Nem um pouco. Vamos, vou mostrar como se faz."
Hagi tinha entrado em Três Portlands com a Fundação pelo menos duas vezes antes, mas por quais motivos ela não conseguia se lembrar. Agora, ela estava indo para Três Portlands com a Soluções Silvestres. Parecia… surreal. Mais surreal do que Três Portlands já parecia, o que era uma façanha e tanto. Três Portos sempre foi um grande segredo anômalo, e parecia uma loucura que a Soluções Silvestres devesse saber da cidade, de todas as pessoas! Foi um passo para cima, com certeza. Com a próxima filial que eles iriam construir lá, a Soluções Silvestres estaria mais conectada ao mundo anômalo do que nunca.
"Você não precisa. Já ouvi as descrições antes, eu consigo."
"Se você diz."
Gary abriu o portão de esgoto e tapou o nariz.
"Tapar o nariz não faz parte disso."
"Calatuaboca."
Hagi deu uma risadinha e eles desceram pelo portão.
"Só estou preocupado," começou Gary, "sobre como configurar o wi-fi em um universo paralelo."
Agente Tosh Reddy da UIU estava fazendo um trabalho muito importante. Não o mais divertido dos trabalhos, por assim dizer, mas era um trabalho importante mesmo assim. Com um rolo de fita adesiva azul em uma das mãos e uma pilha de pôsteres na outra, ele colocou um anúncio no interior da vitrine de uma loja antes de se voltar para a lojista, uma gentil senhora idosa. "Obrigado por me deixar colocar isso, senhora!'
A mulher acenou com a mão de maneira casual. "Ah, não se preocupe. Estou sempre feliz em apoiar negócios locais!"
Tosh simplesmente não pôde deixar de sorrir. "Estou feliz que você nos apoie. Agora, uh, eu tenho que correr. Tenho um monte dessas coisas."
"Claro."
E com isso, Tosh saiu para a multidão agitada de Três Portlands, olhando para o horizonte invertido e vislumbrando várias sombras de faróis, aquele mesmo sorriso idiota ainda estampado em seu rosto. Ele olhou para o céu. Às vezes era divertido trabalhar com pessoas — ele havia se esquecido daquele sentimento caloroso e gratificante em seu coração de fazer algo bom.
Normalmente, fazer o bem na UIU significava só jogar alguém na prisão ou acabar com outra rede anômala de drogas. Claro, isso inerentemente melhorava o mundo, mas… algo era diferente em ver os efeitos imediatos de suas ações, ver como elas afetam as pessoas. Era agradável.
"Ei, Tosh!"
O agente ergueu os olhos para ver sua parceira, Agente Tahirih Adams, com uma pilha de pôsteres visivelmente menor em comparação com a dele. Pela expressão em seu rosto, era exatamente sobre isso que ela estava prestes a falar com ele. "Você andou relaxando ou algo assim? Vamos, temos que terminar isso rápido! Olha só!" Ela apontou para um dos pôsteres em sua mão.
Em algum lugar abaixo de "Venha para a Grande Inauguração do Abrigo de Animais do Wilson!", das imagens de animais anômalos felizes e uma longa lista de razões para apoiar a exportação de criaturas estranhas e "anormais" (que parecia ser sua palavra favorita para descrevê-las) de Boring, Oregon para Três Portlands, o dedo de Tahirih caiu em uma única linha inócua:
"Encontre-se conosco para a grande inauguração na 14542 Echo Ln., em 4/6/2028!"
Tosh não parecia impressionado. "É? O que tem isso?"
"Dia quatro de junho é no próximo próximo domingo, seu idiota! Não vamos terminar de jeito nenhum até lá."
"Bem… Essa é a data que a Sra. Wilson nos deu."
Tahirih piscou. "Fae."
"Aham, eu sei, Sra. Wilson."
Ela piscou novamente, seus olhos se semicerrando. Tosh odiava quando ela fazia isso — acentuar seu piscar. Era tão dolorosamente passivo-agressivo. Mas, novamente, talvez ele só estivesse pensando demais nisso. "Ela nos disse que prefere ser chamada de Fae."
Tosh abriu a boca para protestar, mas algo segurou seu coração. "Certo, certo, vou relaxar. Todo mundo é sempre Sr. isso e Sra. aquilo no trabalho de agente, então você podia me dar um tempo. Bem, de qualquer maneira, aposto que a Fae sabe do que ela está falando."
"Eu não teria tanta certeza, digo, é muito trabalho."
Deixando seu rolo de fita adesiva cair em torno de seu pulso, Tosh deu um tapinha no ombro de sua parceira. "Acho que você podia 'relaxar' um pouco também, hein? Digo — esse povo é tão otimista. Talvez você pudesse aprender com eles."
"Hmm. Talvez eu possa."
Hagi e Gary se enfeitaram com trajes brancos finos. Hagi prendeu o cabelo em um coque e o escondeu sob um boné branco barato. Gary colocou uma capa branca sobre a sola dos sapatos e — com certa dificuldade — puxou um zíper preso na frente do macacão, se perguntando se era realmente necessário fazer tudo isso só para pintar.
"Você não quer estragar suas roupas, Gary."
Gary grunhiu. "Eu não vesti nada que importasse pra mim hoje," protestou ele.
Mas Hagi simplesmente revirou os olhos e encolheu os ombros. Gary não era um cara que fazia trabalho manual. Seus trabalhos eram atrás de mesas, atrás de telas e em telefones. Mas… ele queria ajudar com a nova filial, e ele sabia que isso significava sujar as mãos. A transferência para o novo local era uma opção reservada aos funcionários que estavam por perto desde os dias de Tim Wilson — dias que ainda pairavam no horizonte como se nunca tivessem ido embora, embora ele já tivesse partido fazia uns bons quatro anos. De qualquer forma, Gary era uma dessas pessoas. Mas não era só uma opção. Gary realmente não queria fazer isso, mas…
Hagi estava transferindo para lá e ele sabia que, sem ela, o escritório na base ficaria chato.
Então, com um suspiro, ele pegou um rolo de pintura, mergulhou-o no verde mentolado característico da Soluções Silvestres e foi até a parede mais próxima. Eles já havia colocado o papelão embaixo de cada parede, para garantir que suas cores não pingassem no piso de madeira, que eles queriam manter limpo por enquanto (pelo menos até que ele fosse todo arranhado pelo alto tráfego de cães, gatos, pássaros e outros animais semelhantes). Com uma mão firme que Gary adquiriu de anos de construção e soldagem de computadores, linhas lisas e retas de verde começavam a se formar na parede. Ele olhou para Hagi e sorriu para mostrar a ela que não iria reclamar de novo. Ela sorriu de volta e fez o mesmo, mergulhando um rolo na solução mentolada.
Hagi se juntou ao lado de Gary na parede e superou suas pinceladas em quase todos os aspectos — elas eram mais retas, mais longas e ela as fazia mais rápido. Gary teve que desviar o olhar para se sentir bem com seu próprio trabalho. À sua direita, seus olhos examinavam o corredor em produção que levaria aos currais e ao campo dos animais. Era familiar para ele, de certa forma. Parece exatamente como o corredor da central principal da sede, exceto que se ele fosse segui-lo até seu fim, ele veria o sol artificial que aquecia suavemente o super-solo, e uma grande extensão de cidade extradimensional. A escala aqui era… não, não era maior. Tudo era simplesmente estranho. E pessoas aqui vieram de todo o mundo para buscar refúgio do "normal" e acampar na cidade do anormal.
Uma estranha, estranha sensação o invadiu.
"Gary?"
"Hmm? Ah, desculpe."
"Por que você parou assim?"
"Não é nada."
"Certeza?"
"Sim, 100%."
"Tuuudo bem."
Gary deu mais uma pincelada, mas não pôde evitar falar: "O tempo realmente está voando, não é?"
"Hmm?"
"Digo," ele mergulhou o rolo de volta na tinta dentro da bandeja e esfregou o excesso nas saliências, "já se passaram, o quê, quatro anos? Desde que Tim faleceu?"
"Que deus dê descanso à alma dele."
"Sim, e, você sabe, antes disso. Tudo parecia que estava se repetindo de novo e de novo. Talvez até piorando um pouco. Não conseguíamos lidar com tudo que chegava até nós, desperdiçamos dinheiro um bom número de vezes, tivemos que ser salvos, éramos uma bagunça. Parecia que não iriamos conseguir. Realmente parecia. Muito estresse."
"É," suspirou Hagi e olhou preocupada para Gary. "É, eu sei como você se sente."
"Mas, isso é uma discussão para outra hora. O que quero dizer é que, desde que a Fae assumiu controle, parece que estamos indo a mil por hora. Primeiro temos um novo chefe, depois o Acordo de Boring é rasgado e remendado, tipo, oito vezes, daí temos uma nova base na costa para que possamos observar o mar e algumas criaturas aquáticas… começamos a receber doações de organizações anômalas, o que gera todo um outro fiasco do Acordo de Boring, acaba que você é uma espiã — err, desculpe. Mas, digo, tipo… a Fundação afrouxa o controle quando nos considera confiáveis, agora temos uma aliança com os federais e estamos entrando em Três Portlands? E fazendo um centro de adoção? Tipo, um canil, mas para animais anômalos? É uma… loucura. Só se passaram quatro anos. Você consegue imaginar? Quatro anos. Só estou um pouco sobrecarregado."
Gary pintou por mais um segundo, parando para dar espaço a Hagi para responder, mas nenhuma resposta veio.
"Não sei, isso só," Gary sentiu a necessidade de continuar. "…Parece que o mundo está ansioso para acontecer, sabe?"
Hagi continuou pintando, mas concordou balançando a cabeça lentamente. "É," sussurrou ela. "Eu sei."
A Soluções Silvestres do Wilson nunca teve de fato um centro de adoção real antes. Normalmente, eles só encontrariam um animal que não fizesse muito mal, colocariam alguns cartazes, talvez agendariam algumas visitas e então esperariam que alguém se apaixonasse. Mas isso só se estendia aos poucos residentes de Boring e aos voluntários e funcionários da Soluções Silvestres, As operações eram pequenas e apenas para casos especiais. Acontece que Três Portlands era uma bagunça de atividade e indivíduos anômalos com os quais a Soluções Silvestres não estava pronta para lidar e, se algo desse errado, os agentes da UIU teriam que lidar com as consequências. Um tipo de experimento como esse exigia alguma supervisão. E foi exatamente por isso que a UIU solicitou que dois de seus agentes, Tosh e Tahirih, fossem aqueles a escolher o primeiro 'lote de teste' de adotáveis. Então, depois de dirigir pela pitoresca e levemente arborizada SE Wally Road e estacionar na sombra para maior conforto, eles conheceram a funcionária de longa data da Soluções Silvestres, Feather Fanucchi, que iria guiá-los pelas premissas.
"Então, para o Abrigo de Animais, queremos cin…co?" Tosh olhou para sua parceira, que balançou a cabeça em concordância. "É, cinco animais. Eles precisam ser sociáveis, fáceis de cuidar, sabe, coisas assim."
"Cães e gatos também são bons começos," acrescentou Tahirih. "A maioria das pessoas tende a ser mais aberta para adotar animais de estimação típicos do que uma tartaruga ou algo assim."
"Ou um mini pterodáctilo? C'sabe. Só como exemplo. De qualquer forma, é, isso deve ser fácil." Virando para a esquerda, Feather os conduziu. "Temos um recinto específico para caninos, acho que há alguns bons candidatos."
Uma enxurrada de latidos começou assim que Feather abriu uma porta, conduzindo a dupla de agentes por ela. Havia cães de todas as raças e tamanhos — e o grupo foi imediatamente abordado pelo fofo rebanho.
No entanto, com um único "se acalmem," da Feather, todos eles se acalmaram. "Bons meninos. Hum… Liam!" Enquanto o resto do rebanho recuava, retornando às suas atividades habituais, um minúsculo beagle bronzeado e branco projetou a cabeça para fora da multidão. "Sim, você."
O cachorro espirrou enquanto Tosh olhava para Feather, sorrindo. O canto dos lábios dela se ergueu, tremendo.
Enquanto isso, Tahirih se ajoelhou na grama. "Venha aqui, Liam!" Sem aviso, o beagle de repente saiu em disparada, atacando-a com beijos molhados e desleixados. Tahirih simplesmente riu um pouco, abraçando Liam.
"Bem, parece que vocês estão se apegando. Este é Liam, ele é um beagle limão, de dois anos. Muito energético, como vocês podem ver. O detalhe é que ele não precisa de muita manutenção. Quase não precisa de comida ou água, então ele só precisa ir ao banheiro uma vez por mês."
Tahirih suspirou, virando-se para Tosh enquanto o beagle se esforçava para se aproximar. "Ele será perfeito para aqueles moradores de cidade em Três Portlands!"
"Então bote-o nessa!" Tosh se ajoelhou, coçando a cabeça do cachorro. "Você vai longe, cachorrinho."
Por que sempre que você não consegue ter algo, isso sempre se torna muito mais proeminente no mundo?
Tipo quando você usa aparelho e, de repente, caramelo soa muito gostoso.
Ou você perde um lápis ou caneta valioso — e de repente parece que todo mundo está usando o seu.
Ou quando você está sozinho, mas percebe todos os outros com seus amigos.
É estranho, não é? Que algo em sua mente atraia a atenção para coisas que você não pode ter, coisas que você perdeu.
E andando pela cidade tumultuada de Três Portlands, Sherman Vega certamente estava vendo muitos cães, e latidos felizes invadiam seus ouvidos. Ele colocou fones de ouvido para tentar abafá-los.
Isso o deixava maldisposto. Ele se sentou em um banco, fechando os olhos.
Não havia lojas de animais em Três Portlands, disso ele sabia. E ele definitivamente não podia sair para o mundo real — sem poder sobre suas habilidades, ele certamente seria notado e trancado em alguma cela nos confins da terra.
Ele se perguntava sobre os amigos que deixara para trás. Eles ainda se lembram dele? Ele contou a eles seus planos, mas eles ainda não o visitaram. Sua única companhia real tinha sido seu cachorro, Uriel, mas… Uriel era um cachorro velho.
O aperto de Sherman aumentou na beirada do banco e ele se levantou, esfregando os olhos. De repente, um pôster verde chamou sua atenção. Do outro lado do vidro, em uma vitrine de pedras mágicas (ao contrário das lojas da "nova era" de onde ele morava, essas pareciam ser legítimas), havia fotos de cães e gatos brincando — um cuspia fogo…? Mas, filhotes eram filhotes.
Se aproximando, era um anúncio de um abrigo de animais — "Abrigo de Animais do Wilson". Uma loja de animais? Em Três Portlands!? Seu estômago deu um salto. Quando e onde?
Quatro de junho. O quê? Isso é hoje!
Seu coração saltou com uma esperança infantil e alegre. Ele rapidamente memorizou o endereço e se endireitou mais do que antes.
Talvez ele fosse dar uma olhada.
"…Cinco?"
"Cinco era tudo que precisávamos."
"Você… tem certeza?"
"O que você estava esperando, uma manada?" Tahirih parecia confusa. "Não é só chegar e pegar um animal. Há todo um processo, e é o primeiro dia. Eu diria que vocês teriam sorte se dessem todos os cinco. Vá logo colocar a placa de aberto."
Hagi colocou a bolsa atrás do balcão, um pouco insatisfeita com o lote que tinham pego, e foi virar a placa de "fechado" para "aberto". Ela se perguntou: Ela estava esperando uma manada? Não, claro que não. Hagi estava totalmente preparada para que o dia de hoje fosse lento e relativamente calmo. Mas ela definitivamente esperava mais de cinco animais para exibir. Isso parecia muito desanimador.
Ah bem. Tudo o que ela podia fazer agora era esperar aqui com Tahirih. Gary e Tosh estavam nos fundos, cuidando dos cachorros. Ela tinha que dizer, eles fizeram um bom trabalho com este prédio! A iluminação em cima o tornava facilmente identificável de longe, as cores da Soluções Silvestres trazendo um pouco do charme de sua cidade pequena para a cidade grande, e o pequeno quintal para os animais era um belo toque. É claro que havia algumas salas que ainda precisavam ser trabalhadas — a maioria dos escritórios, na verdade — mas o saguão, a recepção… tudo o que um cliente veria estava impecável. Com sorte, seria muito impressionante. Fotos de seus animais favoritos da Soluções Silvestres foram penduradas em cada centímetro quadrado de cada parede, para garantir que qualquer um que entrasse pela porta imediatamente receberia a impressão de um santuário animal, pois esse era, basicamente, o ponto.
Mas, esperando ficar sentada por horas atrás de uma mesa antes de alguém aparecer, a manhã já havia rendido um cliente.
De repente, a porta do saguão se abriu e um jovem suado e ofegante entrou cercado por uma aura amarela. Ela envolvia-se em torno dele, girando e virando a cada respirada rouca.
"Ah, olá!" Hagi brilhou com uma surpresa alegre. "C-como posso ajudá-lo?" Ela não tinha certeza de como cumprimentar as pessoas ainda.
"O-oi, eu sou, uh, Sherman, prazer em conhecê-la, hum…" ele procurava por um crachá nela.
"Hagi."
Sherman sorriu, e um entusiasmo rosa percorreu sua aura. "Hagi, oi." Ele estendeu a mão para um aperto de mão, de forma bastante inesperada. Hagi fez questão de apertar a mão dele — que tremia a um ritmo que ela não vira antes. "Sou Sherman — quero dizer, estou procurando. Por um cachorro."
"Tudo bem, você tem algum histórico de posse de animais de estimação?" Tahirih tinha vindo dos fundos em direção à mesa para fazer seu trabalho — verificar o histórico do cliente.
"Sim, uhh, eu tive um cachorro quando era jovem — ele era 'meu' cachorro, mas era o cachorro da família, sabe. Mas, eu tive meu próprio cachorro. Um grande Weimaraner, chamado Uriel. Ele era meu e só meu por mais de uma década. Bom menino. A-amava aquele cara."
"E onde você nasceu?" Hagi entendeu que tudo o que Tahirih dissera, ela deveria registrar e repetir para todos os futuros clientes.
"O-o quê? Onde eu nasci?"
Hagi também estava registrando exatamente o que faria de diferente. "Sim, precisamos verificar seu histórico criminal. Estamos vendendo animais anômalos, entende? Não queremos que eles acabem nas mãos erradas — animais maltratados podem ser um perigo para o proprietário e para os outros. Se você é a pessoa gentil e educada que parece ser, não deveria ter nada com que se preocupar."
"Bem…" Ele parecia razoavelmente confuso, e um cinza-azulado passou por sua miragem agora mais irregular. "Certo, certo. Sherman Vega, de Kansas City, Missouri." Hagi anotou isso em sua lista de clientes, a qual estava cheia de folhas arrancáveis.
Ela olhou para Tahirih, para ver se um nome e local de nascimento seriam suficientes. Agente Adams acenou com a cabeça — parece que a UIU não precisava de muito para identificar as pessoas. "Bom! Você gostaria de ir pros fundos e ver os animais?"
Vermelho corou de volta para a aura de Sherman, e ele balançou a cabeça freneticamente. Hagi abriu um pequeno portão e gesticulou para que Sherman passasse. Hegi liderou o caminho, Sherman a seguiu e Tahirih permaneceu na recepção. Eles passaram por alguns currais pequenos para os animais, que estavam todos soltos no quintal no momento. No final do corredor estava Tosh, que parecia (razoavelmente) surpreso com a rapidez com que adquiriram um primeiro cliente. Ele cortesmente abriu a porta à esquerda (sua direita) para o quintal, onde Hagi e Sherman encontraram Gary brincando com três cachorros e dois gatos. O quintal estava completamente cercado — e isso significava por cima também. Havia um escudo de arame ao redor de tudo, conectando-se a uma cerca branca no chão e ao edifício no topo. O pequeno sol artificial estava diretamente acima, dando ao lugar um calor de verão o tempo todo.
Gary foi pego totalmente desprevenido, especialmente porque seus olhos pouco familiarizados ainda estavam se acostumando com humanos anômalos. Animais eram uma coisa e pessoas eram outra completamente diferente. Ele assumiu sua melhor atitude casual de negócios, antes de perceber que a melhor coisa a fazer era seguir a rota da Soluções Silvestres e parecer o homem mais feliz do mundo. O que não estava muito longe da verdade… sentar em um quintal e brincar com os animais era praticamente a melhor coisa que ele poderia pensar em fazer agora. Bem, exceto por sentar atrás de um computador e se sentir em casa dentro do código e dos números. Mas aquilo era trabalho, mesmo que ele gostasse. Isso era pura diversão
Imediatamente ele se lembrou do plano que Tosh lhe dera; ele sabia que deveria promover Liam, o beagle limão.
"Este é o nosso lote atual," disse Hagi, sentindo-se mais do que apenas um pouco envergonhada de como era pequeno. Sherman, no entanto, não pareceu notar, pois sua nuvem ficou rosa, laranja e um pouco difusa.
"Eu… eu, como faço para abordá-los, eles vão me machucar?"
"Machucar você? Não estaríamos dando eles se achássemos que seria provável que eles machucassem as pessoas!"
Sherman tinha um sorriso crescendo no rosto enquanto se ajoelhava e esperava desajeitadamente um dos animais cansar de Gary balançando brinquedos e jogando bolas e vir até ele. Gary percebeu isso, jogou o brinquedo na pequena piscina dos animais e foi até Sherman. Gary, nunca o mais sociável, perguntou: "Aberto a sugestões?"
Hagi ergueu as sobrancelhas para ele.
"Uh, hum… sim, eu não tenho certeza do que estou procurando."
"Gato ou cachorro?"
"Cachorro."
Gary sorriu presunçosamente. Tudo de acordo com o plano. "Liam! Liam, vem cá garoto."
Um cachorrinho de pelo curto, branco e castanho claro saltou e foi direto para os braços abertos de Gary. Ele pegou o rapazinho e o mostrou a Sherman.
"Esse rapaz se chama Liam. Ele é o mascote perfeito. Quer saber por quê? Bem, ele não precisa de muita manutenção. Isso é a questão dele. Ele precisa de muito menos comida e água do que a maioria — sugerimos uma refeição a cada dois dias e… bem, a etiqueta comum para cães é encher a tigela de água quando ela estiver seca, mas duvido que você vá precisar fazer isso com frequência."
"Sem brincadeira?"
Gary entregou o beagle a Sherman, que latiu uma vez de entusiasmo por conhecer uma nova pessoa.
"Não, ele ainda brinca."
Hagi olhou para Gary.
"Digo, sim! Sem brincadeira! Essa é a parada dele. Perfeito para qualquer pessoa que viva na cidade, como você."
Sherman trouxe o cachorro para perto de seu rosto e descansou a bochecha em sua cabeça — bem, pelo tempo que pôde, antes que ele se afastasse o suficiente para lambê-lo. Sherman fechou os olhos e deixou o cachorro cobrir sua bochecha e testa com beijos de cachorro. Gary olhou para Hagi, que encolheu os ombros, contente em deixá-lo ter seu momento.
Sherman sentou-se sem abrir os olhos, ainda recebendo amor do cachorro, e começou a acariciá-lo gentilmente. Sua aura ficou um azul calmo e aquoso.
Gary estava ficando um pouco impaciente.
"Então…"
"Quando posso ficar com ele?"
Hagi sorriu. "Você pode reservar Liam por uma pequena taxa de $15 enquanto olhamos para ter certeza de que você está apto para ser um dono de cachorro — desculpe, um dono de cachorro anormal. Só deve levar…" Hagi olhou em volta, felizmente descobrindo que Tosh tinha ouvido sua pausa.
"Menos de uma semana."
Hagi sorriu para ele, silenciosamente agradecendo sua adição. "Menos de uma semana. Só precisamos de uma forma de entrar em contato com você —"
Sherman tirou uma caneta do bolso e tirou um bloco de papel de dentro do moletom. Rapidamente, ele escreveu um e-mail e o entregou a Hagi.
"Isso… isso é tudo? Vou receber receber um e-mail e vir aqui?"
"Quando você vier, precisaremos ver um recibo de comida de cachorro e fotos de onde você pretende que ele durma, para sabermos que você está se preparando para ter um cachorro." Hagi percebeu o quão desumano isso deve ter sido e foi rápida em acrescentar: "Só queremos ter certeza de que estamos dando a eles a melhor vida possível."
Sherman balançou a cabeça com entusiasmo. "Sim, s- é claro, entendo. E-então, uh… vou indo." Hagi o conduziu de volta ao saguão. "Muito obrigado, ninguém tem vindo visitar e eu só, eu preciso de um amigo, e, meu último amigo peludo não está mais comigo, e eu não consigo te dizer o quão feliz fiquei ao ver que finalmente teríamos um pet shop por aqui, estou tão, tão… feliz. Obrigado." Sherman saiu para o saguão principal. "Obrigado," disse ele enquanto suas mãos enluvadas colocavam $15 nas mãos de Hagi. E, enquanto ele saía pela porta: "obrigado!"
Os sinos da porta tilintavam enquanto ele voltava para as ruas de Três Portlands e lentamente saía de vista.
Hagi colocou os $15, junto com o e-mail, em um pequeno cubículo atrás de sua mesa rotulado "Liam". Ela tinha trinta cubículos, já que esse era o número de animais que este lugar foi construído para conter de uma só vez. Depois que o dinheiro foi registrado, Hagi ergueu os olhos, com um enorme sorriso presunçoso no rosto.
"Primeiro touro da manada, eu acho."
"Ah, cala a boca." disse Tahirih, meio se afastando de Hagi para suprimir um sorriso… mas Hagi sabia. Elas mantiveram contato visual significativo por um bom segundo ou dois, e então Tahirih começou a andar para os fundos. "Tenho que falar com o Tosh sobre isso."
Hagi tinha certeza de que compartilhariam boas notícias. O abrigo estava indo bem e não estivera aberto há mais do que uma hora. Uma boa quantia de ansiedade caiu de seus ombros pro chão. Eles conseguiram.
Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a Wilsonidade.
Assim que outro jovem se aproximou das portas de vidro da frente, Hagi sabia em seu coração que tudo ficaria bem.