A primeira vez que encontramos seu Agente Salisbury foi por volta dessa época, no ano passado. Homem grande e largo do governo, terno e botões, relógio grande e robusto em seu pulso. Isso é o que eu me lembro dele, para ser sincero: a maneira como ele vivia checando o relógio quando falava com você, como se tivesse medo de você sair correndo feito um cervo se vocês travassem o olhar por muito tempo.
Não o fazia parecer menos esquisitão quando ele perguntava pra gente, os guarda-parques, para cronometrar quanto tempo ele havia passado no parque.
Bem, sem ofensa, mas cês tendem a pedir muito de nós. Então, quando ele começou a fazer esse tipo de pedido à nossa equipe, imaginei que trataríamos ele da mesma maneira que todos os outros esquisitões federais que vemos por essas bandas. Não faça perguntas, não espere respostas. O de sempre.
Ele fez isso até, hoje, eu acho. Começou a virar meio que uma piada interna entre nós; aqueles que não precisavam lidar com ele pessoalmente, de qualquer maneira, se você tivesse que apertar a mão dele, você parava de achar ele engraçado bem rápido. O fedor depois de uma de suas pequenas viagens era horrível pra caralho, perdoe meu francês. Como porcos apodrecendo no sol.
Claro que sabíamos que era estranho, não somos estúpidos. Ele nunca ia pra floresta com esse cheiro, então a questão era como diabos ele ficava daquele jeito. Poderíamos adivinhar, claro, mas nadinha que pudéssemos inventar explicava aquele fedor.
E então ele sumiu.
Veja, talvez em qualquer outra circunstância, nós acharíamos que ele seria capaz de cuidar de si mesmo, mas estávamos sob pressão fazia alguns meses; pessoas estavam desaparecendo por todo o condado, e você poderia nos culpar por ficarmos ansiosos com isso? Sempre tentamos ficar fora de negócios dos federais, mas ele estava fora há qualquer sete e tantas horas. Ele nunca tinha ficado fora por tanto tempo antes, então achamos que poderíamos gastar um tempinho pra procurá-lo. Eu pensei, o pior que acontece se fizermos alguma coisa é gritarem com a gente por intrusão em assuntos federais. O pior que aconteceria se não fizéssemos isso seria cês vindo pra cima da gente por não fazer nosso trabalho como funcionários do parque.
Então peguei Joan e Hall e parti.
Não sabia pra onde ele tinha ido, claro, mas tínhamos uma ideia geral. A que caminho ele estava indo, esse tipo de coisa e, além disso, já encontramos pessoas com bem menos informações. Passamos cerca de meia hora caminhando antes de encontrarmos esta, uh, esta formação.
Não, senhor, ela não está nos, uh, nos livros oficiais. Não estava nem nos nossos não oficiais, então não comece a achar que é a mão esquerda não dizendo à direita o que está fazendo.
Grande saliência de calcário. Formação estranha, dada a geologia do resto da área, de forma que já tinha me incomodado. Eu vi o que parecia ser um pouco de sangue com crosta ou algum musgo descolorido na borda e, bem, isso me deu um palpite sobre onde ele estava.
Disse pros meus amigos esperarem na frente quando fui dar uma olhada na caverna. Achei que tudo que precisava era uma entrada e saída rápida para verificar se ele estava lá dentro, não planejava embarcar em uma exploração de cavernas enquanto estava lá.
Não notei muita coisa errada nos primeiros pés. Musgo de cor errada, claro, mas era algo que você realmente iria querer virar o rabo e dar no pé? Não, nada parecia muito errado até eu virar a primeira esquina. Foi quando eu comecei a ver os—eles não eram restos, por assim dizer, sem ossos ou qualquer coisa, mas tinham—tinham vestígios. Alianças, botões de plástico, lentes…
Mas continuei indo, todo o caminho até que eu vi o relógio. Você provavelmente sabe qual: coisa grande de prata, pulseira bonita.
Vidro rachado. Manchado de sangue.
Então eu tinha uma escolha, ali mesmo. Eu poderia pegar o relógio e fugir, dizer ao pessoal na base que ele tinha sido, acho que assaltado, de alguma forma. Ou eu poderia continuar, ver se conseguia encontrar mais alguma coisa sobre como ele perdeu o relógio, ver se talvez ele ainda estivesse respirando.
Não sei quanto tempo passei pensando sobre essa escolha, mas me decidi bem rápido quando ouvi o barulho vindo das paredes da caverna.
Como num jantar de Ação de Graças, senhor. Estalando um osso da sorte.
Agora, isso muda um pouco as coisas. Me fez pensar que tinha um animal lá, de alguma forma, e que era por isso que ele não estava saindo. Talvez explicasse o resto das pessoas desaparecidas também, a julgar pelo tamanho da excursão. Então imaginei que seria melhor tentar descobrir o que exatamente, erm. Enviou eles pro seu criador, pra não ser grosso.
Eu encontrei. Não sei se consigo dizer o que era, mas encontrei, certo.
Vi o terno primeiro. Coisa pequena, eu acho. Ainda parecia que uma pessoa poderia estar usando ele até que o resto virou a esquina.
Alto, alto, sim. Não pálido, mais como se a pele estivesse—como se ela estivesse toda esticada sobre os ossos—meio salsicha, entende? Braços não dobravam certo nas mangas, nem as pernas, olhos grandes do tamanho de punhos que pareciam os de uma mosca. Pensei que ele estivesse usando óculos de sol no começo, até que, uh, as lentes vibraram.
Se ele se importava com a escuridão, eu não percebi, ele apenas se virou, me olhou bem nos olhos como se estivesse prestes a saltar sobre mim.
Me dê um momento pra lembrar das palavras exatas.
"Nosso acordo está encerrado."
Era um daqueles momentos em que você está com medo demais pra fazer a coisa certa, em que você está com tanto medo que nem consegue fugir. Eu estava no piloto automático, eu acho, porque nem percebi que estava com minha arma na mão até ela disparar.
Fez uma puta bagunça, certo.
Dois disparos, massa central. Funciona em quase tudo do tamanho de um homem nessa faixa, embora eu não diria que aquilo que encontrei se encaixasse nessa categoria.
Sim, senhor.
Apreciaria beber algo forte, senhor.