Guerra Relâmpago da Tenda do Avivamento
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"Isso foi um desastre," rosnou Herman. O cavalo achatou as orelhas e foi para o lado sob um galho baixo. Herman puxou as rédeas e deu um forte e aberto tapa no topo da cabeça do cavalo. "Ninguém te perguntou." O cavalo soltou um suspiro entre os lábios e galopou raivosamente para acompanhar seu habitual companheiro de arreios, sobre o qual Hezekiah estava montado.

Zeke não parava de rir desde que eles soltaram os cavalos do piquete e deixaram o pandemônio para trás. "Foi magnífico," disse ele, enxugando lágrimas de alegria com um lenço de seda parcialmente ensanguentado. "Absolutamente magnífico. Queria que meu primo pudesse estar lá."


"Pegue os cavalos."

"Não posso perdê-lo de vista!"

"Pegue. Os. Cavalos."

Ele se virou e se sentiu agarrado pela nuca. O rosto de Herman estava a centímetros do seu. Zeke, normalmente uma alma otimista, recuou da luz nos olhos do pregador.

"Nós o encontraremos - posso sentir o cheiro do medo dele. E do seu."


O braço de Herman disparou para agarrar Zeke pela frente de sua jaqueta, arrastando-o até a metade do cavalo com sua força. Quando ele falou, foi quase um sussurro. "Você planejou isso."

Por meia dúzia de batimentos cardíacos, Zeke lutou para respirar, incapaz de falar. Herman relaxou o aperto. Ofegante — e, incrivelmente, ainda sorrindo — o vendedor balbuciou. "Eu não… sabia que aquilo ia acontecer. Nós… nós já usamos aquele fornecedor… antes. Não confiável."

Os cavalos, que haviam diminuído a marcha, começaram a se mexer sob eles, sentindo uma oportunidade de se livrar do peso ao qual não estavam acostumados. Herman empurrou Zeke de volta a um equilíbrio bruto; o outro homem agarrou a crina de sua montaria desajeitadamente, tentando não deixar o cobertor escorregar debaixo dele. Ele já havia montado sem sela antes, mas parte dele esperava que as calças não fossem ser totalmente perdidas.

Eles cavalgaram pela floresta enluarada em silêncio por um minuto ou dois. Os ombros de Herman caíram enquanto colocava os braços em volta de sua raiva e lutava contra ela.

"O quê. Era que aquela coisa. Deveria ter feito."


Apesar do esforço de Herman, a tenda do avivamento estava indo abaixo. Sua antiga congregação havia saído lutando para cair fora; os lampiões de querosene pendurados por todo o interior tinham começado a incender a lona caída.

Ele lutou com a ponta da lona na entrada dos fundos, apenas para uma figura esquelética que estava na parte de trás da multidão passar por ele, os destroços do maldito dispositivo de Hezekiah envolto em seus braços como uma criança. O ladrão disparou para a floresta ao sul como se os cães do inferno estivessem atrás dele.

Zeke abriu caminho para o lado de Herman, sem o chapéu, os olhos ferozes. "Cadê ele?" gritou ele por cima do barulho. "Para que lado ele foi?"


"Faça as palavras da pessoa que fala ao microfone soarem como a mais verdadeira verdade para todos que as ouvirem. E diminua as inibições naturais do público."

Herman pensou nisso por algum tempo. "Posso pensar em uma dúzia de coisas que faria com uma obra dessas. Mas ela não funcionou."

"Manifestamente, não."

"Para que seu tio queria isso?" Herman freou seu cavalo.

Isso era uma ameaça potente; Zeke não sabia quase nada de carpintaria e nunca seria capaz de perseguir o ladrão sozinho. Ele teria sorte de encontrar o caminho de volta para a estrada antes do amanhecer.

O vendedor pesou as consequências de revelar o plano do tio contra as consequências de não poder voltar com a aparelho. Mesmo que estivesse quebrado.

"Nós administramos uma casa de leilões."


Zeke estava composto, as mãos cruzadas atrás das costas diante de seu tio. Ruprecht sorriu satisfeito consigo mesmo e suspirou, envolvendo o sobrinho em fumaça de charuto. Enquanto ele falava, seus olhos continuavam se desviando para a linha de renda que orlava o espartilho de seu companheiro.

"Faça deles ingênuos e depois faça-os de idiotas. É perfeito. Mas estou enviando você pessoalmente, Hezekiah, porque isso não é assunto para fofocas comuns. Assim que virem o aparelho em ação, os outros sócios verão que eu estava certo sobre isso, mas temos que ficar quietos até lá." Ele deu um aceno brusco com a cabeça, como se considerasse o assunto encerrado. "Nossos bens são reais, certo, mas com esse aparelho, as marcas comprariam merda de cachorro e mentiriam para seus amigos sobre isso depois só para manter as aparências."

A risada do velho ecoou nas paredes de detalhes dourados.


"Ah." Isso trouxe uma risada baixa. "Não tinha pensado nisso, mas entendo."

"E você não ouviu isso de mim. Ou em qualquer momento."

O pregador olhou para trás por cima do ombro. Pelo que parecia, algo na pradaria ainda estava a pegar fogo. Ele ergueu as sobrancelhas incisivamente.

"Só porque aquela coisa não funciona não significa que eu estaria menos morto por não manter minha boca fechada."

"Homem misericordioso, seu tio."

Zeke estava a um fio de iniciar um de seus discursos habituais sobre o poder da empresa quando percebeu que essa declaração tinha sido amargamente sincera.


Mitterling acenava urgentemente para o assistente de Hezekiah enquanto eles acotovelavam a multidão e saíam da tenda. "Não, nem pense meu amigo! Por aqui. Minha carroça estará no caminho da evacuação. Preciso desarmá-la."

O assistente se atrapalhou por um momento, se virando para seguir o engenheiro. Sua expressão era de cautela. "Quer dizer que ela está armadilhada? Ela pode explodir?"

"Hah! Juventude." Ele sacudiu a cabeça. "Não, tomo muito cuidado para evitar roubos, mas não aprovo a perda desnecessária de vidas. As defesas são meramente - "

Os dois homens saltaram para o lado quando Irmão Winter passou por eles. Ele fugiu pela estreita estrada de terra, passando pela carroça de Mitterling e sua proliferação de ferramentas, mochilas e engenhocas. Sua velocidade era impressionante para um homem bem na meia-idade.

Um bando de homens furiosos o seguia em perseguição. Um deles balançou uma clava improvisada na direção da carroça e gritou: "Ali! Olhem ali! A arrumem uma corda!" Seus cúmplices correram para obedecer.

Mitterling estava prestes a falar, mas ao ouvir isso, parou e cruzou os braços sobre o peito. O assistente ficou para trás, lançando um olhar nervoso por cima do ombro. A tenda estava começando a se inclinar em um ângulo solto e os sons de luta não diminuíam.

Quando o primeiro homem colocou a mão na carroça, um tinido agudo sou de suas profundezas. Quatro enormes redes se lançaram de cada um dos lados da carroça. Incapaz de deter seu impulso a tempo, os homens berrantes caíram em um emaranhado de membros e praguejados altos.


Ele quase podia sentir as ideias em sua cabeça se encaixando. Um homem que podia sentir o cheiro do medo. Um pregador que largava sua religião como um manto. Um homem que saudava ao caos de um tumulto sangrento como um fazendeiro se instalando em uma lareira familiar depois de um longo dia nos campos.

"Isso," ele gesticulou para a longa fita de carne levantada no centro do peito de Herman, visível onde sua camisa havia sido rasgada na confusão. "Isso não é uma cicatriz."

"Quem disse."

"Já vi manipulação da carne antes."

Herman o olhou de cima a baixo, os músculos de sua mandíbula trabalhando. Ele se virou e cuspiu no mato. "E você ainda tem sua forma original."

"Ele era um comprador." O som de galopes era alto na escuridão. "Antes da guerra. Minha família… cultivava tabaco, pela maior parte. Meu pai costumava motivar seus trabalhadores vendendo os menos produtivos para ele. Ou seus filhos, se estivéssemos com falta de homens. Meu pai… tinha motivos para suspeitar do que estava por vir. Ele sentiu que era hora de desinvestir, e esse homem sempre pagava em dinheiro."

"Quantas pessoas vocês tinham?"

Pessoas. Hezekiah se mexeu desconfortavelmente. Ele supôs que, para um Sarkita, qualquer um que não fosse dos seus próprios era visto com o mesmo desdém que ele sentia pelos escravos que seu pai vendera naquele dia. Ele se arrependeu brevemente de abrir o tópico, mas a vontade de satisfazer sua curiosidade era muito forte.

"Vinte e dois, na época. A maioria trabalhadores de campo, alguns na casa. Algumas crianças."

"O que ele te mostrou?"


O pregador mais velho já estava do lado de fora, perseguido por um punhado de homens de rosto vermelho, um deles empunhando o encosto de uma cadeira quebrada como um porrete.

Herman abriu caminho pela multidão combativa com a graça de um dançarino em um baile da alta sociedade: um soco no rosto desse cara, um chute nos pés daquela ali, arremessar outro corpo pela entrada da frente. Sua expressão era de deleite infantil, atravessada por uma espécie de fome que colocava um punhado de gelo na barriga do vendedor, apesar do calor sufocante.

Erguendo os olhos de onde ele se agachara protetoramente sobre o alto-falante para protegê-lo com seu corpo, Zeke levou alguns minutos para perceber o que Herman estava fazendo: impedindo que as pessoas derrubassem os postes da barraca. Encantado, ele não teve aviso algum quando um cavalheiro corpulento caiu para trás para fora da multidão, os braços girando em uma tentativa inútil de recuperar o equilíbrio. Ele caiu em cima de Zeke, que se viu preso entre o estranho e o equipamento agora arruinado.


"Ele… prendeu as mãos. As mãos em si, entende? A carne ficou presa, como se tivesse crescido daquele jeito."

Herman estava sorrindo agora, um canto da boca mostrando os dentes.

Zeke pressionou. "Ele disse — disse que pegou um pedaço comum de corda e mal deu um nó nos pulsos de cada um. Ele disse que se eles quisessem manter os olhos, eles não lutariam. Nenhum deles lutou."

"Rapaz alto e magro? Bigode de lápis e a pior gravata do mundo?"

Zeke sacudiu a cabeça em descrença. 'Você conhece ele?"

"Não somos tantos assim. Deles," ele adicionou pensativo. "Volkus, Jozsef Volkus. Ele praticamente morava na porta da minha mãe quando eu era menino. Disse que ela era a única nascida na América que ele considerava uma sangue-negra adequada, como se estivesse fazendo um favor a ela tomando o lugar de seu marido morto." Ele fez um breve grunhido áspero que pode ter sido uma risada. "Ouvi dizer que ele morreu em um incêndio."

"Eu tinha me perguntado isso."


Irmão Winter pairava sobre os dois meninos, seu rosto novamente nevado corado de ira. Ele ergueu o punho novamente, e eles se encolheram, agarrados um ao outro. "Vocês profanam a casa do Senhor," gritou ele. "Sodomitas! Blasfemadores! Eu não tolerarei tal perversidade - "

"Aquela aberração atacou um menino branco!" A voz de uma mulher, fina e penetrante, ergueu-se acima do clamor dos adoradores brigando por pão. Pálido como era, Winter nascera de negros e tinha extrapolado os limites das regras do universo desta mulher. Isso era tudo o que ela sabia ou se importava em saber. Seu chapéu havia se soltado, deixando mechas de cabelo loiro espalhando-se por seu rosto. "Vocês todos viram! Como ele ousa. Como ele OUSA!"

As cabeças de vários homens se viraram com isso, seus olhos procurando Winter como cães de caça ao sentir o cheiro de uma presa. Os garotos, mãos pálida e morena juntas, saíram correndo para a noite.

"PEGUEM ELE!" ordenou a mulher.

Winter saiu correndo.


Herman encolheu os ombros. "Muitos deles morreram em incêndios. Esperava que você soubesse mais."

Zeke sacudiu a cabeça. Ele hesitou. Uma oportunidade como essa provavelmente não viria duas vezes. "Posso perguntar algo?"

"Manda."

"Uma vez vi um linchamento, quando menino."

"Uma vez?"

Zeke fez uma careta. "Minha mãe os considerava grosseiros e me proibiu de ir. Eu não tinha nenhum desejo de ver uma coisa dessas novamente, então eu a obedeci."

Isso inspirou um bufo desdenhoso.

"Alguns anos depois, quando eu soube que… que pessoas como sua família existem, e quais são suas práticas, eu me lembrei disso. Eu sempre estive curioso, se havia alguma conexão."

Herman revirou os olhos e passou a mão no rosto. "Essa é sua pergunta? Essa é a porra da sua - " Ele parou, as mãos balançando na direção que eles vieram. "Olhe. Todas aquelas pessoas na tenda lá. Se você as parasse na rua e perguntasse, quantas você acha que diriam que Jesus Cristo foi a única pessoa que já foi crucificada?"

Completamente perplexo, Zeke começou a dizer: "Haviam três - "

Herman balançou a mão para isso. "Certo, você sabe o que quero dizer. Mas todo mundo quer fingir que é algo especial, algo ultrajante e diferente das coisas que você faz todos os dias. Crucificação, certo? Morte por tortura. Punição padrão para bandidos, ou qualquer um que desafiasse o império romano." Ele lançou um olhar para Zake para ter certeza de que ele o acompanhava. "Quando eles tinham uma rebelião de escravos, eles enchiam as estradas com rebeldes crucificados. Imagine como era isso. Imagine como era o cheiro."

"Então, isso já foi feito antes." O vendedor permaneceu não esclarecido.

"Não me entenda mal: os americanos definitivamente inovaram. Pegue algumas variações regionais superficiais na pele e características faciais, e prenda a crença de todos na estrutura de poder a isso? Golpe de gênio. Mas manter tudo em ordem com tortura pública, isso não é novo. Diabos, isso nunca foi embora. Os ingleses, seus ancestrais, certo? Vocês eram ótimos nisso. Atraindo e esquartejando. O pelourinho, onde a diversão vinha dos transeuntes que sabiam que ninguém se importava com o que faziam com um criminoso condenado. Ardendo na fogueira." Ele estava começando a pegar velocidade com seu tópico. "Os nórdicos tinham essa coisa que eles chamavam de águia de sangue, onde - "!

"Onde você quer chegar?" retrucou Zeke. "Ele já ouvira a um sermão naquela noite.

"Isso não é Nälkä. Isso é civilização. A humanidade é uma raça de predadores brutais e inventivos." Seu tom era de admiração. "A civilização reúne esse ódio, esse tremendo potencial destrutivo, e aponta tudo na mesma direção. O controla para o uso de quem quer que esteja no comando. E funciona, desde que tenha uma clara linha de dominação do maior ao menor. O homem de cima recebe o dinheiro, o homem de baixo recebe o chicote."

Cavalgando em silêncio, Zeke tentou pensar em uma objeção. Para ele, civilização evocava imagens de avenidas limpas e iluminadas, nobres exploradores, conforto e segurança. No entanto, ele já vira com seus próprios olhos o custo dessa segurança, paga com trabalho e sangue por aqueles que não tinham nenhuma. Ele imaginou seu tio Ruprecht, mas só conseguia imaginar o velho balançando a cabeça concordando.

"Agora, minha mãe poderia dizer - se ela deixar você falar sobre isso — que talvez haja uma conexão em um sentido filosófico. Os animais naturalmente formam uma hierarquia. Os animais humanos, após séculos de escavação na terra, chegaram a aproximações toscas e desajeitadas de coisas que sabemos fazer direito. Quando um sarkicista faz um sacrifício… " A voz de Herman diminuiu.

Zeke poderia jurar que ele parecia desolado, como um pecador expulso do Paraíso.

"Quando um sarkicista faz um sacrifício, ela recebe algo dele. Para qualquer propósito menor — há mais maneiras de inspirar terror, de esmagar alguém sob seu calcanhar, do que ossos no corpo humano. E nenhuma delas envolve o desperdício de carne perfeitamente boa, permitindo que ela morra." Ele fez uma careta. "Mamãe odeia desperdício."


"Milhares de reações surgiram na mente do vendedor, sendo a principal delas a necessidade urgente de contratar imediatamente esse homem. O custo não era uma consideração em face de tal raridade. O que fazia de seus projetos perfeitos para a marca.

Enquanto falavam, o barulho atrás deles havia aumentado em vez de diminuído; Herman gritava por calma sem sucesso. "De que maneira os Éteres estão sendo perturbados aqui?"

"Bastante engenhoso, agora que vejo," respondeu Mitterling. "A neblina se acumula na cabeça de cada pessoa e envolve a respiração com a qual cada palavra é dita, imbuindo-a de alguma força. Na aparência, é como se elas estivessem em um frio profundo, a respiração se transformando em névoa enquanto falam. Quanto mais elas falam, mais ela se condensa — um efeito cumulativo."

"Cada pessoa? Ele olhou ao redor da barraca com horror crescente. Em vez de apenas a voz do pregador, as palavras de cada indivíduo ressoavam com poder, e muitos deles falavam em voz alta. Agora, como se estivessem bêbados com muito vinho, eles sentiam seus próprios desejos com mais intensidade e ouviam as palavras um do outro profundamente cortadas com o peso da verdade percebida. Várias figuras espalhadas explodiram em lágrimas histéricas. Os meninos amontoados na entrada dos fundos jogaram os braços em volta do pescoço um do outro e começaram a se beijar. Uma mulher de aparência atormentada com duas crianças logo atrás deu um soco em um homem com roupas esfarrapadas que estava enfiando pão na boca o mais rápido que podia. Um sujeito corpulento rosnou para alguém próximo a ele e, pegando uma das cadeiras frágeis, esmagou-a na cabeça do outro homem.

Zeke se virou para seu assistente e Mitterling e gritou: "Corre!"


O ladrão já havia percorrido uma distância considerável a pé, carregando um fardo desconhecido. Por que ele continuava a fugir floresta adentro, e como ele mantinha uma velocidade que continuava a superar dois cavalos movendo-se em um trote modesto, era uma questão de alguma perplexidade para os dois homens. Zeke permanecia confiante de que, quem quer que fossem os prováveis co-conspiradores, daria para negociar com eles. Apesar disso, ele já tinha armado e inspecionado sua pistola escondida por prudência.

Enquanto seus cavalos sobiam uma colina rasa, eles avistaram a pessoa que estavam perseguindo. A princípio, ela parecia ter simplesmente caído no chão, e Zeke começou a levar seu cavalo à frente. Herman ergueu a mão. "Cuidado," sussurrou ele. "O que ele tem ali?"

O luar fez brilhar algo prateado quando a mão do ladrão desceu. Um tom alto e claro ecoou pelas pradarias. "Um diapasão," sussurrou Zeke de volta. "Mas que diabos -"


Até o momento, o dispositivo parecia estar tendo o efeito desejado. A multidão ouvira o discurso de vendas do alto-falante com ooh's e aah's apreciativos, e agora tinha se acomodado para ouvir o pregador mais novo com todas as evidências de atenção absorvida. Seu sermão se concentrou na infinita generosidade de Deus, que concedia dons espirituais e materiais aos fiéis de acordo com suas necessidades. Herman apresentava esses pontos monótonos da doutrina com grande entusiasmo, como se fossem frases de efeito. Zeke ouvia mais ou menos; seu foco principal era para dentro, tentando discernir os efeitos do dispositivo em si mesmo.

Um toque em seu ombro quebrou a concentração de Zeke. Ele olhou em volta com um sobressalto. "Herr Mitterling! Muito bom você ter vindo."

O breve aperto de mão do engenheiro foi duro. Parecia que ele usava uma manopla de ferro sob as luvas de montaria. Seu lornhão com armação de aço quase poderia parecer elegante. No entanto, desafiando tanto a moda quanto o bom senso, as lentes eram tingidas de um cinza esfumaçado, lançando sombras em seus olhos, e eram mantidas no lugar por uma delicada corrente que se estendia sob o chapéu. "Sou um homem ocupado, como lhe disse, Senhor Carter. Mas no fim das contas, as possibilidades me intrigaram e não pude ficar de fora." Seu sorriso era caloroso, sua voz pensativa quando ele se virou para examinar a assembleia. "A qualidade do som não é ruim. Mas eu me pergunto - "

Herman estivera lendo uma passagem do Novo Testamento, na qual os discípulos que antes duvidavam distribuíam pão e peixes milagrosamente multiplicados para uma multidão de cinco mil. Ele ergueu a mão para dois jovens na casa dos vinte anos, um negro e um branco, que estavam alertas perto da entrada dos fundos. A este sinal, cada garoto puxou uma corda que entrava nas sombras. O que parecia ser o tento da tenda de lona se dobrou para trás, uma série de painéis falsos se retraindo para cobrir a congregação com pãezinhos recém-assados.

A tenda de avivamento ficou momentaneamente alta demais para uma conversa discreta. Gesticulando para que o engenheiro o seguisse, Zeke começou a abrir caminho entre a multidão até a mesa baixa onde o alto-falante havia sido instalado, atendido por um dos assistentes do vendedor. Mitterling inclinou-se para perto de Zeke e continuou o mais silenciosamente que podia no ouvido do vendedor. "Entendo o que você quer dizer sobre a inviabilidade do modelo. Em um espaço fechado, um volume tão grande de névoa no ar tornaria a maioria das aplicações comerciais impossíveis."

"Névoa?" perguntou Zeke, olhando ao redor do interior da tenda.

A iluminação das lâmpadas de querosene penduradas em cada poste da barraca deixava algo a desejar, mas o ar estava perfeitamente limpo. O pregador aprendiz estava tendo alguma dificuldade em concentrar a atenção da congregação em si mesmo. Cada um aprecia estar tentando coletar a maior quantidade de comida grátis para si em competição com seus vizinhos. Os garotos perto da entrada riam e sussurravam animados um para o outro, tão próximos que seus ombros se tocaram.

"Ah, isso explica o efeito, meu amigo," exclamou Mitterling. "Olhe, olhe, venha. Não posso lhe mostrar o que vejo, mas — para você, um homem de entendimento — vou lhe mostrar como vejo as coisas." O engenheiro virou-se para a parede de lona, passando um braço em volta dos ombros do vendedor, de costas para a sala em geral. Ele tocou em um pequeno controle na lateral de seus óculos, que se partiram no centro.

Onde deveriam estar os olhos de Mitterling havia duas chamas gêmeas, vermelhas como o sol poente. Os lábios de Zeke se separaram em espanto, embora ele tenha conseguido não se distanciar. O calor de uma forja se derramava pelo fecho de aço aberto. Tão rápido quanto o lornhão foi aberto, o engenheiro estendeu a mão para fechá-lo novamente, seu rosto vivo de alegria. "Eu concebi uma maneira de ver os Éteres, embora eu não possua uma aptidão alquímica. Desnecessário dizer que este modelo não é Padrão."


Pequenos tremores sacudiram o chão; os cavalos corcovearam e recuaram e tiveram que ser acalmados ou eles fugiriam. Quando o pregador e o vendedor ergueram os olhos novamente, uma rachadura do tamanho de uma carroça havia se aberto na grama diante do ladrão ajoelhado. Com o estrado constante e baixo de tinidos distantes, ela se alargava cada vez mais. Quando a porta se abriu completamente, os sons aumentaram em vez de diminuir.

Erguendo-se de sua mandíbula circular, eles viram uma figura feminina grandes asas negras saindo de suas costas. Seus braços brilhavam prateados até os ombros, e uma cascata de tranças apertadas descia para emoldurar a escuridão de seu rosto. O ar pareceu borrar e mudar ao redor dela a princípio, obscurecendo-a de vista, e então ele abruptamente clareou-se.

"Lottie!" gritou uma voz musical de contralto. A figura avançou para se agachar perto do ladrão. Uma mão brilhante se estendeu para agarrá-la pelo ombro e sacudi-lo levemente. "Onde você esteve? Você está ferida? Quantas vezes eu já te disse para trazer seu transmissor e deixar um recado com o guarda de serviço!"

"Sete," respondeu Lottie, abaixando a cabeça em vergonha. Ela gesticulou para a pilha de equipamentos quebrados. "Inventora, eu trouxe a você - "

"Espiões!" Uma voz profunda soou da floresta atrás deles. O ar ficou turvo como estivera ao redor da Inventora e então se solidificou abruptamente em mais quatro pessoas, pairando em torno dos dois homens em asas de ferro.

Os cavalos empinaram em pânico, jogando Zeke e Herman no chão e galopando para a floresta. O que tinha falado levantou a ponta de uma asa para deixá-los passar. Assim que os animais se foram, um coro de correntes pesadas, cada uma com uma ponta de ferro na ponta, disparou das asas dos guardas para formar um círculo na grama ao redor dos dois homens. Embora estivesse escuro e os guardas estivessem pairando, os ângulos eram matematicamente precisos. Zeke ficou brevemente grato por não ter tido oportunidade de sacar sua arma.

Com os olhos turvos, Zeke espiou através de uma floresta de pernas revestidas de ferro para ver a pretensa ladra, sua expressão devastada pela culpa, subindo a encosta da colina atrás da Inventora.

A Inventora acenou com a cabeça aos guardas, murmurando uma palavra de agradecimento. O círculo de asas se expandiu, meia dúzia de correntes enrolando de volta para fazer uma abertura.

"Sou a Inventora Militante Antoninah diLuca," disse a Inventora, olhando para seus cativos com evidente exasperação. Ela apertou o ombro de Lottie — por seu estremecimento, com menos delicadeza desta vez — com uma mão, e com a outra apontou um dedo indicador de aço diretamente para o peito de Herman. "E vocês dois, e minha tola ajudante, aqui, explicarão bem rapidamente a razão de vocês trazerem CARNE à porta da MINHA OFICINA."

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