Procedimentos Especiais de Contenção
Qualquer referência a SCP-015-INT como um fato ou mistério histórico deve ser sistematicamente censurada ou mitificada sob uma história de fachada baseada em um artigo escrito em 1919 pelo veterano canadense F. J. Newhouse, apresentado como uma obra de ficção. Os vários indivíduos mencionados neste artigo também devem ser apresentados como fictícios (a origem que F. J. Newhouse atribui à entidade, ou seja, um experimento biológico alemão fracassado, é uma fabricação completa de sua parte e não requer nenhuma desinformação adicional).
Descrição
SCP-015-INT foi uma entidade anômala testemunhada por soldados franceses, alemães e da ANZAC durante e após a Batalha de Mons. Os relatos de testemunhas oculares variam muito, embora alguns impliquem credibilidade. A maioria das testemunhas relatou o envio de batedores para a Terra de Ninguém depois de ouvir um uivo canino. Nenhum retornou e as autópsias revelaram marcas de mordidas como a causa da morte. A origem da anomalia é atualmente desconhecida. Alguns acreditavam que era uma criatura do folclore belga, outros acreditavam que era um experimento de guerra do lado inimigo.
Descrições de SCP-015-INT pareciam variar consideravelmente de observador para observador, variando de um animal anormalmente grande parecido com um lobo preto com olhos vermelhos a um cachorro menor e de aparência mais mundana. A aparência subjetiva da entidade conforme percebida por um sujeito também se estende a quaisquer fotografias e gravações feitas por esse mesmo sujeito.
Devido ao fato de que os avistamentos de SCP-015-INT cessaram aproximadamente no final da Primeira Guerra Mundial (1918) e nenhum novo relatório foi feito desde então, o objeto é atualmente considerado neutralizado.
Adendo 015-INT-1
- Cartão postal de G█████ Augustin (Soldado francês, artilharia, Quinto Exército) para sua esposa. Traduzida do francês.
16 de Janeiro de 1915
Minha querida Madeleine,
Estou lhe enviando esta pequena carta hoje porque não tenho nada de muito interessante para lhe dizer, mas estou bem, garanto. Eu lhe responderei com mais detalhes quando sua próxima carta chegar. Não temos feito absolutamente nada aqui nos últimos seis dias, exceto jogar cartas para apostar em nossas taças de vinho. Está congelando, mas o frio não é tão ruim. Soldados da Austrália se juntaram aos Tommies1 pouco tempo atrás, olha só. Talvez finalmente haja algum movimento.
Te mando um beijo carinhoso.
Seu homenzinho dedicado.
- Carta de K███ Fuchs (Soldado alemão, infantaria, IV Corpo, 1º exército) para sua mãe. Esta carta foi totalmente censurada pela censura militar e nunca foi enviada. Sem data (estima-se que tenha sido escrito entre 18 e 25 de janeiro de 1915). Traduzida do alemão.
Cara Mamãe,
Obrigado por suas preces. Sua carta me encontrou com boa saúde. Aqui na linha de frente, há rumores de que a guerra terminará em breve. Eu, no entanto, duvido. Estamos sentados neste buraco há semanas. Às vezes me pergunto se tudo isso vale a pena.
Você provavelmente está se perguntando por que estou enviando uma carta desta vez em vez de um cartão postal. Bem, algo está me incomodando há vários dias e nunca caberia em algo tão pequeno quanto um cartão postal. Aqui está minha história: cerca de uma semana atrás, quatro de nós recebemos ordens de entrar furtivamente em território inimigo no meio da noite. Mamãe, seu filho não é um covarde e, no entanto, o único pensamento em minha mente durante toda aquela noite terrível era que seria a minha última nesta Terra.
Olha só, entre nossas linhas e as linhas inimigas existe uma faixa de terra sem lei, cheia de árvores mortas e crateras abertas por projéteis de artilharia. Ir até lá de dia já significa um perigo imenso, mas à noite o lugar ganha um aspecto ainda mais assustador. Ninguém sabe se o próximo passo de alguém será o último. É nesse estado de espírito que eu e meus camaradas íamos avançando, um pé após o outro, na lama, quando nos deparamos com alguns soldados inimigos que devem ter recebido a mesma ordem que nós!
Seguiu-se o pânico total, durante o qual, de ambos os lados, ninguém parecia saber se atacava ou fugia. Um único tiro foi disparado, senti o vento da bala roçar meu rosto e um de meus companheiros caiu no chão ao meu lado. Prefiro não descrever a condição de meu amigo, mas fiquei tão atordoado como se eu mesmo tivesse recebido aquela bala e, se uma segunda tivesse disparado, eu poderia ter ficado ali parado, esperando para recebê-la.
Naquele momento, no entanto, o impensável aconteceu. Algo enorme saltou sobre mim e me jogou na lama, e ouvi um inimigo apavorado gritar algo em francês. Vou poupá-la, mãe, dos sons de pesadelo que se seguiram. Quando finalmente abri os olhos, ainda deitado na lama, senti um movimento ao meu lado, mas para meu horror, não era um dos meus companheiros me resgatando. Juro por Deus e por tudo o que há de mais sagrado neste mundo que um gigantesco lobo negro com olhos vermelhos brilhantes agarrou meu camarada inteiro e o estava levando em suas mandíbulas.
Eu corri. Nem tenho certeza de como voltei para a trincheira. Eu nem sei o que aconteceu com aqueles franceses lá atrás. Eu tremia como uma folha e meu comandante se recusou a acreditar em mim quando descrevi o terrível lobo. Mas agora, toda vez que fecho meus olhos, vejo aquela besta terrível novamente, e alguns de meus camaradas me confessaram que a ouvem rondando à noite. Estamos todos muito cansados e com muito medo.
Não sei se esta carta chegará até você, pois acredito que sejam lidas antes de serem repassadas a você. Imagino também que não seja uma leitura reconfortante. No entanto, eu tinha que falar sobre isso com o coração aberto, porque o que mais se pode fazer quando se encontra a própria Morte tão de perto?
Apesar do meu pessimismo, espero voltar para casa em breve. Até então, por favor, mantenha-me em seu coração.
Seu filho querido
K.
- Carta de G█████ Augustin (Soldado francês, artilharia, Quinto Exército) para sua esposa. Traduzida do francês.
18 de Fevereiro de 1915
Minha querida Madeleine,
Que alegria finalmente ter recebido sua carta! Estou muito satisfeito em saber que seu irmão Gilles obteve sua dispensa militar. Receio que aqui os combatentes da primeira hora não sejam tão privilegiados e que não saiamos da fornalha com a mesma facilidade… Considere que nossos pobres soldados de infantaria, que estão na linha de frente, não veem o inimigo mais do que eu, o artilheiro, e estou a dois quilômetros dos Boches2; eles estão completamente escondidos e às vezes se matam sem nem se verem. Guerra estranha, esta. Quanto a mim, estou um pouco resfriado, mas estou muito bem.
Você se lembra da minha cartinha, aquela em que mencionei os australianos vindos do outro lado do mundo para ajudar os tommies? Não sei o que se passa na cabeça desses garotos e não entendo uma palavra do que eles dizem, mas preciso contar a vocês sobre um de seus últimos caprichos. Um deles fez amizade com algum tipo de lobo deformado que ronda a terra de ninguém há meses e aterroriza nossos soldados de infantaria quase mais do que os kettles3 que os Boches estão mandando em nossa direção. Mas aqueles grandes demônios australianos o tratam como um de nossos cães de guerra, aqueles que trazem mensagens urgentes para a linha de frente quando toda a comunicação é cortada. Eles cantam canções para ele e até dão algumas de suas rações! Disseram-me que os animais que eles têm lá do outro lado do mundo são bastante perigosos em comparação com os que temos no interior, mas mesmo assim, este é um batalhão bastante estranho…
Você sabe o quanto eu amo fotografia, e que consegui uma autorização especial para minha câmera; Não pude deixar de tentar tirar uma foto da besta, um dia quando ela estava correndo para se juntar a seus companheiros da ANZAC para apoiá-los durante uma investida. Mas não sei quando poderei desenvolvê-lo, no entanto.
Eu rezo para voltar para você muito em breve, e te mando um beijo gentil.
Seu homenzinho dedicado.
- Carta de J█████ Meylan (Soldado da ANZAC, cavalaria, II Corpo, 5º exército) para seus dois filhos. 20 de fevereiro de 1915.
Para Jacky e Mikey,
O som de tiros ecoava em meus ouvidos enquanto eu me arrastava pela lama da Frente Ocidental. Sou apenas um simples soldado, um homem da classe trabalhadora dos anais de Sydney, longe de nossa casa na Austrália.
Um dia, enquanto me encolhia em uma trincheira, ouvi um barulho estranho. A princípio, temi que fosse o inimigo, mas então vi um cachorro grande e peludo vindo em minha direção. Ele estava coberto de lama e sangue, e eu podia ver o vigor em seus olhos vermelhos.
Apesar do meu medo inicial, estendi a mão para o cachorro e respirei fundo para cantar para ele uma música de casa:
My name is Joe the carrier’s lad, a merry chap am I,
I always am contented, be the weather wet or dry,
I snap my fingers at the frost, I whistle at the rain,
I've braved the storms for many a day and will do once again.
Oh, crack, crack, goes my whip, I whistle and I sing,
I sit upon my wagon I’m as happy as a king;
My horse is always willing, and I am never sad,
There's none can lead a jollier life than Joe the carrier’s lad.4
Observei sua postura cair, sua forma rondando em minha direção em uma oscilação nervosa. No final do cântigo de Joe, o vira-lata fechou os olhos e ofereceu o focinho. Após um período de acariciamento sob o pôr do sol belga, ele se aconchegou para dormir em meus braços.
Nos dias seguintes, passei cada momento vazio com o cachorro, cuidando dele para recuperá-lo. Eu o chamei de Snugglepot, em homenagem a um livro infantil que pretendo comprar para vocês dois quando voltar, e já que ele adora se aconchegar.
A guerra parece ter diminuído um pouco depois disso, e os rapazes ficaram apegados no Snugglepot logo. A vida nas trincheiras simplesmente não parecia completa quando ele estava dormindo. Ele estaria sempre ao nosso lado, oferecendo conforto e coragem quando mais precisávamos.
Acho que vou levá-lo para casa para vocês dois. Vocês formariam um bom trio.
- Carta de G█████ Augustin (Soldado francês, artilharia, Quinto Exército) para sua esposa. Esta carta foi parcialmente censurada pela censura militar e foi restaurada aqui em sua forma original. Traduzida do francês.
2 de Outubro de 1915
Minha querida Madeleine,
Deixei as trincheiras ontem à noite e agora me encontro na segurança quente e seca de um hospital. Estou muito mal, confesso, mas posso garantir que em breve serei curado pelos médicos. Deixe-me contar o que aconteceu.
Ontem, por volta das 18 horas, nossos homens e os tommies receberam ordem de lançar uma ofensiva na trincheira inimiga. Para chegar lá é como uma pista de obstáculos, eles têm que evitar as kettles caindo do céu, balas e arame farpado. Mesmo do meu posto de fuzilamento, pude ouvir alguns gritos terríveis.
Eu estava abençoando minha sorte por ser apenas um artilheiro quando um grande projétil explodiu cerca de dez metros atrás de mim, quase diretamente em minha estação de batalha, e fui literalmente jogado no ar. Soltei um grito alto e caí no chão, apenas para perceber que estava cego.
Tudo ao meu redor era pânico. Nenhuma ajuda estava vindo para mim e, enquanto tentava me levantar, percebi que um pedaço da maldita kettle estava presa na minha perna.
Foi quando senti uma fera, sim, uma fera terrível agarrar meu braço e me arrastar para a linha de frente!
Pensa, Madeleine, que de cada lado das linhas, ao longo de um quilômetro de largura, não resta uma folha de grama; há apenas terra preta e marrom, incessantemente atingida pelos projéteis, pontilhada de tocos estilhaçados, restos de paredes que sugerem que há alguns meses ali havia um prédio e habitantes… e pense que eu, o artilheiro, nunca havia andado um único pé além do meu posto de artilharia naquela direção. No meu medo cego, oh querida Madeleine, esta besta parecia-me como Cérbero me arrastando para a boca do inferno.
De repente, ouvi alguém assobiando ao longe e gritando algumas palavras incompreensíveis. Como se fosse uma sugestão de seu mestre, o lobo me soltou, correndo para se juntar aos bravos demônios australianos que estavam partindo para atacar. Apesar disso, ainda não consegui ver nada, minhas mãos encontraram apenas lama e ouvi outra kettle explodir por perto.
Acho que nunca senti um medo tão visceral e total em minha vida. Escrevo isso sem nenhuma vergonha.
Ao longe, uma voz rouca cantava algo entre os assovios das balas, algo que eu já tinha ouvido uma ou duas vezes antes, mas não fazia ideia de qual era a letra. Juntei a pouca coragem que me restava, tentei ignorar o estado da minha perna e comecei a rastejar na direção oposta, aquela que sem dúvida me levaria para o final das linhas. E o tempo todo eu estava captando aquela música, e murmurando letras que eu estava inventando, letras sobre você, e nossa casinha, e todas aquelas coisas que eu gostaria de poder ver novamente algum dia.
Não sei exatamente quando, mas acabei perdendo a consciência. Mais tarde, alguém veio me levar ao hospital, que ficava em uma velha igreja bombardeada, e foi lá que recuperei o juízo. O hospital está superlotado e há talvez vinte soldados feridos para um médico. Ainda assim, fui deitado em uma cama e desde então estou esperando o tratamento.
Não sei o que me dá esta convicção, mas sei, que sinto, que vou conseguir. E quando começo a duvidar, canto aquela música que encanta os monstros, e meu medo vai embora, passo a passo, como aquele cachorro estranho no campo de batalha.
Vou te ensinar essa música um dia, tenha certeza disso.
Estarei com você em breve, eu espero. Até lá, te mando um beijo carinhoso.
Seu homenzinho dedicado.