Escadaria Para As Estrelas

|| CENTRAL || Coletor de Olhos »

avaliação: 0+x

"Somos todos poeira cósmica. Bilhões de anos atrás, o carbono, o oxigênio e o nitrogênio que compõem nosso sangue e nossa carne nasceram em uma estrela. Uma estrela muito, muito distante. Ouvi essa verdade quando tinha cinco anos e tenho tentado encontrar minha estrela desde então."

Ou ele estava na casa dos trinta em má forma, na casa dos quarenta em boa forma, ou na casa dos cinquenta em excelente forma. Blazer preto, sem camisa por baixo. Calça jeans preta, sem sapatos. Nenhum cabelo, exceto as sobrancelhas, e se a câmera estivesse um metro mais perto, seria possível ver que as sobrancelhas eram tatuagens. Dentes perfeitos.

"Pedi a um astrônomo para encontrar minha estrela e ele disse que ela morreu quando ela me deu à luz. Mas eu sei que ele mentiu. Eu consigo ouvi-la me chamando. Eu pedi a uma astróloga para encontrar minha estrela e ela disse ser o sol e que eu só precisava olhar para cima. Mas eu sei que ela mentiu. A voz que eu ouço não é a da estrela ensolarada."

Sozinho em um palco. A câmera na primeira fila. Ele estava andando de um lado para o outro enquanto falava. Três passos à esquerda. Dois passos para trás. Três passos à direita. Dois passos para frente. Hipnótico, quase meditativo, cada passo igual a cada vez. Sempre de frente para o público.

"E então eu pedi a um astrósofo para encontrar minha estrela e ele me disse para olhar para cima, e abrir meu quinto olho, e buscar sua imagem anciã. E eu sei que ele disse a verdade porque eu o fiz e minha estrela falou mais alto do que vocês jamais poderiam gritar e minha estrela me disse para vir e ver! Vir e ver!"

Um leve sotaque, da Nova Zelândia ou algo parecido, suavizado por décadas de faculdades americanas, salas de reuniões e esposas. Dicção messiânica na velocidade de um discurso de vendas. Ele não precisava de um teleponto.

"E minha estrela é sua estrela. E sua estrela é nossa estrela. E nossa estrela é minha estrela. Velut, ometh. Agora é nossa hora. Aqui é nosso espaço. Nós tomamos sua estrela. Nós temos seus títulos. Paguem suas dívidas. Hyquo, golub, nutra. Nós voltaremos. Eu voltarei. Vocês voltarão. À estrela."

Ele parou de andar e olhou diretamente para a câmera. Ela deu um zoom em seu rosto, nauseantemente rápido, até ele quase encher a tela. Ele sorriu novamente e havia sangue em seus dentes. Ele piscou, pela primeira vez desde o início do vídeo. Quando seus olhos reabriram, eles estavam pretos de pálpebra a pálpebra; e no centro de cada um brilhava uma horrenda estrela azul.

"Quintessence. Devolvendo poeira cósmica para as estrelas."


"Hector Canvera. Quinto homem mais rico do mundo, com um patrimônio líquido de cento e vinte e cinco bilhões. Fez fortuna na indústria de software. Na última década, ele tem se diversificado com a indústria editorial, logística marítima e, claro, voos espaciais privados com a Quintessence Aerospace."

O vídeo chegou na caixa de entrada de Jess no pior momento possível. Ela deveria estar se preparado para um encontro. Um terceiro encontro, na verdade, e era por isso que ela estava sentada no sofá com sua lingerie mais sexy e uma camisa meio abotoada, ouvindo a voz distorcida de um Supervisor em seus minúsculos alto-falantes de celular.

"Famosamente excêntrico. Dieta vegana crua, dorme em pé, corre ultramaratonas descalço. Reside principalmente em um submarino particular, o Vasco da Gama, embora seja dono de mansões na área da baía de São Francisco, no Sri Lanka e na Nova Zelândia."

Ela sabia de tudo isso, é claro. Canvera adorava ser notícia. Sempre que o mundo parava de falar sobre ele por mais de dez minutos, ele parecia com uma criptomoeda ou um projeto idiota de engenharia, ou uma namorada famosa para colocar seu nome de volta nas manchetes.

"Ele também era um membro proeminente da Quinta Igreja, uma organização religiosa anômala que quase destruiu o mundo com um livro de auto-ajuda em 2005. Você não vai se lembrar dele, porque nós nos esforçamos bastante para impedir que alguém se lembrasse. No caso de Canvera, parece que falhamos."

A parte menos favorita de Jess de trabalhar para a Fundação eram todos os apocalipses que ela não descobria até bem depois do fato. Este seria… Bem, este seria o quinto deles. Estranho.

"Doze horas atrás, ele lançou este vídeo no canal oficial da Quintessence no YouTube. Ele também foi enviado para vários grandes noticiários. A história de acobertamento é um colapso nervoso, estará fora de circulação nas notícias até segunda. A verdade, Sra. Fordyce, é que Hector Canvera não está mais neste planeta."

"Filho da puta."

Canvera vinha ameaçando uma expedição a Marte há alguns anos. Se a Fundação estava se envolvendo, significava que ele havia desistido de chegar lá por meios mundanos. Provavelmente não era a primeira vez que isso acontecia; definitivamente não seria a última.

"Dois meses atrás, astrólogos da Coalizão Oculta Global detectaram um pico maciço de EVE nas proximidades da estrela Alula Borealis, evidência de uma civilização extraterrestre sapiente — a primeira evidência desse tipo que vimos até hoje. Canvera também viu isso. Ele agora está a caminho até lá, em uma nave interestelar anômala montada por meios desconhecidos; acreditamos que ele esteja procurando o deus da Quinta Igreja."

"FILHO da PUTA."

Não marte, então. Muito pior que Marte. Jess sabia sobre a base lunar e tinha certeza de que a Fundação havia visitado pelo menos alguns outros lugares do sistema solar, mas isso era inédito.

"A Fundação não pode permitir que Canvera alcance seu objetivo. O recém-estabelecido Departamento de Contenção Interestelar da Fundação, em parceria com a Força-Tarefa para Ameaças Interestelares da Coalizão Oculta Global, utilizará o Dédalo, uma nave interestelar inacabada construída pelos Laboratórios Prometheus, para persegui-lo e conter a ameaça que ele representa."

É lá estava o outro detalhe. Claro que a Prometheus tinha construído uma nave espacial. E se ela estava recebendo esta mensagem, isso significava que eles queriam que ela participasse.

"Gostaríamos que você, Sra. Fordyce, liderasse o Departamento de Contenção Interestelar. Seu histórico como contato com a Coalizão fala por si só, e você já conhece a chefe da Força-Tarefa para Ameaças Interestelares: Dra. Michelle Dahl, vulgo Iphegenia Masonbane, Oecumenicus Volgi da Antiga e Mais Nobre Ordem dos Gormogons."

O primeiro pensamento de Jess, por algum motivo, foi que ela não saiba que Michelle tinha doutorado. Daí o resto bateu nela.

"Puta que pariu."

Michelle Dahl, vulgo Iphegenia et cetera, era a pessoa com quem ela ia se encontrar esta noite. Jess pegou seu telefone pessoal e ignorou o Supervisor por um momento para escrever e deletar sete mensagens de texto diferentes, eventualmente decidindo por "ei, nós realmente precisamos conversar"; dentro de momentos, ela recebeu de volta um "É, estou quase chegando". Ela voltou sua atenção de volta para o telefone do trabalho bem a tempo de ouvir o final da mensagem.

"Lembre-se que esta é uma viagem só de ida. Não podemos viajar mais rápido que a luz; a dilatação do tempo fará com que seja uma viagem de dez anos para você, mas na Terra mais de quatro séculos se passarão. Você tem vinte e quatro horas para responder a esta oferta. Esperamos que você aceite."

O vídeo terminou e a campainha tocou. Jess caminhou até a porta atônita, seu estado de nudez esquecido, e a abriu sem verificar o olho mágico. Era Michelle, claro, com a maquiagem pela metade, seu vestidinho preto complementado com um par de tênis velhos e sujos. Ela parecia tão atônita quanto Jess.

"Ahn." Levou um segundo para Jess se recompor. "Você ouviu falar do Canvera?"

Michelle só balançou a cabeça.

"Então… você gostaria de comandar uma nave espacial comigo?"

Michelle balançou a cabeça novamente, e Jess a puxou para dentro. Elas não fizeram sua reserva para o jantar.

|| CENTRAL || Coletor de Olhos »

Salvo indicação em contrário, o conteúdo desta página é licenciado sob Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License