Os Jogos Que Jogamos
avaliação: 0+x

Os dois agentes se entreolhavam de cada lado da mesa, seus rostos ilegíveis. A mulher usava um par de chifres de rena de feltro, enquanto o homem usava um chapéu de Papai Noel. Uma pequena multidão tinha se reunido, metade assistindo ao jogo enquanto compartilhavam as mais últimas fofocas. No fundo, o burburinho da festa continuava inabalável.

Cada jogador tinha duas cartas. Na mesa, viradas para cima, havia naipes de valores impares. Três espadas. Cinco varas. Um rei empunhando um bastão.

A mulher franziu sua grossa monocelha em concentração enquanto tocava uma carta em sua mão, hesitava, tacava a segunda carta e então voltava para a primeira carta. Ela a colocou sobre a mesa, os olhos fixos no outro jogador. Um par de vasos.

O outro jogador, um homem de barba loura curta, permitiu-se um momento para sorrir. A mulher se encolheu, sabendo o que estava por vir.

O homem colocou sua carta sobre a mesa. Sete moedas. "Settebello," disse ele um pouco alto demais, pegando as cartas da mesa. A multidão deu um murmúrio de aprovação antes de voltar a sua fofoca.

"Isso é -" começou o homem loiro.

"Sim, sim, onze," interrompeu a mulher, afundando em seu assento. O jogo acabou, a vida voltou a ela. Ela suspirou e então se endireitou. "Bom jogo, Damian," disse ela oferecendo a mão.

Damian rolou a cabeça para trás, inclinando-se sobre o encosto da cadeira. "Leila, Leila, Leila," disse ele, "você é muito miseravelmente graciosa para isso! Onde está a graça de ganhar se eu não posso me vangloriar? Onde está o sal?"

Leila sorriu. "É minha arma secreta. Não conte a ninguém," disse ela enquanto se levantava.

Damian acenava enquanto Leila saía para falar com o administrador fofo que havia sido transferido do -28. A multidão que cercava a mesa desajeitadamente se dividiu em grupos de dois e três, todos de costas para ele. Ele levou um momento para saborear sua vitória, tomando um longo gole de sua cerveja.

"Então, como isso se chama?" disse uma voz por trás de Damian. Ele se virou em seu assento para ver Ross. Este era tecnicamente o primeiro dia dela - metade dele tomado por seminários de treinamento e coroado com a celebração anual do Feriado de Inverno Não Especificado. Talvez não seja a maneira mais típica de começar uma carreira, mas o Comitê Social do Sítio-64 não esperava por nenhum mortal.

"Escopa," disse ele, "Você sabe?" Ele indicou o assento vazio á sua frente e começou a embaralhar as cartas.

Sua vida pode um dia estar nas mãos questionavelmente firmes desta mulher. No mínimo, parecia uma boa ideia ver se ela podia blefar. Além disso, pensou ele, ela era bastante fofa.

"Eu vi você jogar algumas rodadas - acho que entendi a essência," disse ela, sentando-se. Ela parou por um momento. "Além disso, procurei as instruções no meu telefone."

Damian balançou a cabeça e começou a fazer a distribuição. Três cartas para ele, três para ela, quatro na mesa.

Ele franziu a testa, olhou para as cartas e depois par o outro lado da mesa. Seus olhos encontraram os de Ross. Por um momento, ele se perdeu nas graduações sutis de verde e âmbar, a bela infinidade de seu olhar.

Ele percebeu que estava olhando e rapidamente desviou o olhar. Ela também.

"Sua vez," murmurou ele.

Bem, ele pensou, merda.


"Calma" perguntou Beatrice, sua voz alta em descrença, "você nunca jogou pôquer antes?" Ela tomou outro gole da cerveja. Com a mão livre, ela espantou uma mariposa do rosto. O inseto voou para a escuridão que cercava a varanda dos fundos.

Damian encolheu os ombros daquele jeito adorável e curvado que sempre fazia quando estava envergonhado. O fato de ele não estar vestindo uma camisa não doía.

"Eu só- nunca foi uma prioridade," disse ele, rapidamente tomando um gole de sua cerveja. Ross tentou e não conseguiu esconder um sorriso. Grilos preencheram o vazio momentâneo na conversa.

"Além disso," continuou ele, "é ótimo para 'Eu Nunca'" Ele inclinou o gargalo de sua garrafa para Beatrice, enfatizando o ponto.

Beatrice revirou os olhos. "Ninguém com mais de vinte anos joga 'Eu Nunca,'" disse ela, seu tom autoritário sobre o assunto.

Ela tomou outro gole, derramando um pouco. Um pequeno riacho de cerveja barata descendo por sua camiseta desbotada das Rink Sphinxes, deixando um rastro enquanto corria por sua coxa nua. Ela não desviou o olhar dos olhos de Damian, indo de um lado para o outro.

"Além disso," disse ela, apontando o gargalo para ele, "Isso fará todas aquelas partes de James Bond fazerem sentido. Você vai conseguir distinguir um flush de um full house."

Damian ergueu as mãos defensivamente. "Certo, certo, bora então. Me mostre como jogar pôquer," disse ele, com um sorriso se espalhando por seu rosto, "mas seu eu ganhar, eu vou me vangloriar dessa vez. Por pelo menos um ano."

Beatrice balançou a cabeça. "Certo, mas seu vencer…" disse ela, sua voz se perdendo. Ela deu um sorriso tímido.

Damian esperou por um momento, seu rosto cheio de expectativa. Depois de um momento de silêncio, ele começou. "Ah," disse ele, "Ah! Claro, sim. Parece uma vitória para todos os lados." Seu tom era inteiramente sério.

Beatrice olhou para Damian por um segundo e então caiu na gargalhada, quase se dobrando. Depois de um minuto, ela diminuiu para meras risadas. "Meu Deus," disse ela, enxugando uma lágrima do olho, "não sei por que isso foi tão engraçado."

"Vou pegar as cartas," disse Damian, levantando-se com um sorriso. Enquanto se dirigia para a porta dos fundos, ele bagunçou o cabelo de Beatrice. Ela respondeu com um tapa na bunda dele.

Ele desapareceu para dentro da casa. Ross se inclinou para trás e suspirou para a noite. "Meu Deus," disse ela para ninguém em particular.


"Isso é estranho," disse Beatrice, seus olhos voando de canto a canto da pequena sala de jantar do apartamento. A chuva batia contra a janela em rajadas rítmicas.

Damian encolheu os ombros. "É, estou praticamente esperando meu telefone tocar. Não há maneira real de curtir isso," disse ele. Ele deu uma mordida na pizza de cogumelos e anchovas.

"Parece uma piada cósmica, sabe? Ou talvez o pessoal dos Recursos Humanos saiba e eles só estejam brincando com a gente?" Disse Beatrice, batendo o pé.

As últimas três vezes que o casal fez planos para um encontro, alguma emergência de último segundo chamara um ou ambos. Algum novo desenvolvimento com Anderson, Wilson precisando de reforço com uma nova criatura, caos generalizado. Duas reservas canceladas no Chikaleny's. Pelo menos na terceira vez tinha sido apenas uma vaga ideia ver um show do Hospital Bombers. Damian não estava muito dividido por ter perdido o show.

Desta vez, porém, eles não fizeram planos. O universo, ou pelo menos os Recursos Humanos, recompensou a discrição não mexendo com eles desta vez.

Eles estavam livres, eles estavam selvagens. E eles não tinham ideia do que fazer agora.

Depois de determinar que nenhum restaurante adequado para um encontro tinha uma abertura em qualquer momento esta noite, e nenhum deles realmente gostando das sugestões do outro, eles optaram pela Spicy Crust Pizza. Parecia um pouco estranho, pedir do trabalho, mas com a única opção sendo o Little Ceasar's, foi uma decisão fácil.

E com a chuva, não havia para onde ir de qualquer maneira. Então aqui estavam eles, cansados e semi-encalhados no apartamento de Damian, esperando uma surpresa. "Tiramos esse tempo de folga e temos nenhum lugar para ir," brincou Damian. Beatrice deu uma risadinha desanimada.

Por um tempo, eles ficaram ali parados, sem falar, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Damian sentiu calafrios ao reconhecer o silêncio - não era o silêncio da raiva ou mesmo contemplação, apenas nada a dizer.

"Ei," disse ele, esfregando as mãos com os guardanapos de papel fino antes de amassá-los em uma bola, "Quer aprender um jogo de cartas?"

"Hmm?" Perguntou Beatrice. Uma pausa, e então seu rosto se animou. "Ah, pode ser, sim, bora!"

Damian se levantou para pegar as cartas de baralho na sala de estar. Ao pegá-las, ele ouviu Beatrice na outra sala: "Como que se chama?" gritou ela, sua voz mal superando o barulho da chuva.

"Pasur," ele gritou de volta.

"Se lembra daquele retiro em que todo os agentes de FTM da Costa Oeste foram? O que eu dirigi para Olympia em março?" disse ele, retornando com os cartões, "Razmara, a chefe da Gamma-35, ela me mostrou este jogo. É bastante divertido."

Ele se sentou diante de Beatrice e começou a embaralhar as cartas. Beatrice esfregou as mãos. "Espero que você esteja pronto para ser esmagado," disse ela, sorrindo.

Damian semicerrou os olhos. "Eu nem expliquei as regras ainda!" protestou ele.

Beatrice encolheu os ombros. "Só te ajudando a se preparar para o inevitável," respondeu ela, seu tom alegre.

Em resposta, Damian mostrou a língua. Ross caiu na gargalhada. Damian sorriu ao sentir o ritmo familiar retornar.


Os dois agentes se entreolhavam de cada lado da mesa, seus rostos ilegíveis. A mulher usava a bata verde creme dental que todos os pacientes recebiam, camuflando-a contra os lençóis da mesma cor. Seu companheiro estava vestido à paisana, tendo recebido alta no dia anterior. Ele lançava uma sombra sobre a cama, sentando-se entre ela e o sol poente no lado de fora.

Beatrice tinhas duas cartas restantes na mão. Depois de uma breve consideração, ela as colocou na colcha e selecionou uma, colocando-a sobre a mesa. Um sete de espadas. Ela prendeu a respiração enquanto esperava Damian colocar sobre a mesa a última carta de sua mão.

"Bea," disse ele, sacudindo a cabeça, "sinto muito." Seu coração parou ao perceber que havia calculado errado.

"Não-" começou ela quando ele colocou sua carta. O sete de paus. Ele varreu as duas cartas da mesa.

"Escopa," disse ele, quase se desculpando, "E settebello."

Mas ele não conseguiu esconder completamente o sorriso de triunfo.

Beatrice se jogou de volta ao travesseiro o mais dramaticamente que podia. "Deveria ter algo contra derrotar os feridos com cartas. Você deveria pegar leve comigo," disse ela, olhando carrancuda para Damian.

"Você gostaria disso?" perguntou ele, recostando-se na cadeira.

"Não," admitiu ela, "definitivamente não." Ela jogou a última carta de sua mão, um cinco de ouros.

Damian deu a cada um deles uma nova mão de três cartas. Quando ele colocou as cartas na frente dela, ela deu um suspiro satisfeito. Seus olhos foram de Damian para as cartas e então de volta para Damian.

Damian inclinou a cabeça. "O que foi, Bea?" perguntou ele.

Ela sacudiu a cabeça e sorriu. "Nada," disse ela, "Só isso. É que… só, obrigada. Eu te amo."

Ele sorriu e balançou a cabeça. "Também te amo, Bea," disse ele. E eles jogaram e jogaram e jogaram enquanto a luz do sol se apagava e se transformava em noite no lado de fora.

Salvo indicação em contrário, o conteúdo desta página é licenciado sob Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License