A Última Reunião

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19 de Novembro de 2117
Anchorage, Alasca

O ar frio do inverno parecia morder a parca puída do homem, as fortes correntes de ar uivando em seus ouvidos enquanto ele puxava irritado o capuz de couro com a mão vazia. Ele ouvia um coro alto de gritos distantes, algo que não soava totalmente humano.

Grunhindo, o homem acelerou o passo, seus passos pesados não fazendo nenhum som conforme afundavam na neve profunda. À sua frente, ele não conseguia ver nada além da tempestade de neve congelante, limitando sua visão a um raio de alguns metros ao seu redor. Ajustando o rifle amarrado ao ombro, o homem fechou os olhos enquanto preparava sua mente para a jornada à frente.

Então, em um instante, uma dor familiar e cegante fez o homem cair de joelhos. Cerrando os dentes, ele forçou os olhos a fechar ainda mais, forçando sua mente a usar as habilidades que antes eram tão triviais para ele invocar.

De repente, ele sentiu-se levantar para o céu, mas permanecer no chão ao mesmo tempo. Ele subiu cinco quilômetros no ar em um único segundo, os ventos frios gelando suas bochechas já congeladas.

Ele olhou para baixo.

Toda a paisagem do que antes era Anchorage, Alasca, parecia se estender diante dele. Ele sentiu a presença de mais de cem milhões de anomalias existentes escondidas dentro da tempestade de neve, mas nenhuma delas parecia ser perigosa o suficiente para desafiá-lo, mesmo em seu estado tremendamente enfraquecido.

Aliviado, o homem caiu de volta à Terra, tão repentinamente quanto subiu, retornando ao seu corpo quando se sentiu de cara contra a superfície da neve gelada.

Recuando do frio extremo, o homem ficou de pé quase imediatamente, suas bochechas tão dormentes quanto ele estava exausto. Ele não usava suas habilidades há mais de 900 dias. Ele não estava acostumado com a dor que a acompanhava, não mais.

Suspirando, o homem continuou, o vento parecendo desgastar seu casaco a cada minuto que passava. Esta vida não era o que ele pedira quando ele deixou a Fundação, ou melhor, o que tinha sido a Fundação. O tempo havia destruído até a mais poderosa das anomalias, e o homem nem era isso. Ele estava pendurado por um fio, tentando se contentar com o que o mundo lhe dera.

Ele deu outro passo, um pouco mais pesado que o anterior.

O homem suspirou. Não há esperança, para mim, não é?, ele pensou consigo mesmo.

Ele tentava se lembrar de tempos mais felizes, tempos em que ele tinha uma família. Tempos em que skips e anomalias não dominavam o mundo.

O homem fechou os olhos novamente.

E então, um pensamento veio a ele que não era dele.

Uma voz feminina familiar, embora mais velha e cansada do que ele conseguia se lembrar, falou dentro das paredes de sua mente.

Nove.

O homem não se atreveu a responder. Ele recuou incrédulo, a perspectiva da tempestade de neve desaparecendo para o plano de fundo.

Como diabos isso é possível? Pensou ele. Como caralhos a On-

Não sou a Onze, Nove. A voz falou novamente, mas desta vez em uma voz diferente, embora familiar.

Quem diabos é você? Onze? Seis? Respondeu ele, sua voz assumindo um tom relutante.

Ele sentiu uma presença forte e risonha, como se a voz estivesse zombando dele.

Diante dele, ele viu a luz ofuscante de mil sóis, tão radiante que a neve ao seu redor começou a derreter.

E no centro, estava uma figura feminina sombria, caminhando lentamente em sua direção.

O homem levou os braços aos olhos, tentando bloquear a luz.

"Quem caralhos é você?!" Gritou ele.

Você quer que eu faça a luz parar, Nove? Disse a voz, agora mais grossa em uma voz masculina infinitamente autoritária.

A luz pareceu ficar ainda mais brilhante, ofuscando todo o resto na visão do homem.

"Sim, caralho, sim!"

Como se fosse uma deixa, a luz diminuiu instantaneamente, deixando em vez disso o brilho suave de uma lâmpada acima dele.

A figura feminina entrou na luz, e o homem imediatamente soube quem ela era.

A Administradora parecia ver o interior de sua alma, seus olhos azuis penetrantes explorando as memórias que lhe restavam.

Nove. Disse ela, finalmente assumindo a voz que ela costumava usar durante as reuniões do conselho de tempos passados. Bem vindo de volta.

O homem tentou falar, mas nenhum som saiu de sua garganta.

Em um instante, a cena ao redor dele mudou dos céus cinzentos de Anchorage para a luz familiar da sala do Conselho O5 no Sítio 1, exatamente como ela era antes de tudo acontecer. A Administradora estava sentada na cabeceira da mesa, sua conduta fria e calculista examinando a sala.

Nove estava sentado em seu assento normal, a três cadeiras da cabeceira da mesa. Ele foi recebido com o rosto familiar de Oito sentado à sua frente, seu rosto de gato inteligente olhando para o lado para a figura de Três, cuja altura monstruosa de três metros o fazia pairar sobre o resto do conselho enquanto defendia seu caso.

"O 17 se foi!" Gritou Três, pressionando as palmas das mãos na mesa de madeira dura. "Tenho certeza de que todos sentimos isso em novembro, mas agora que o 23 foi varrido da face da Terra, todos podemos realmente sentir agora, não podemos?" Seu tom era altamente sarcástico, sua atitude áspera e forte se mostrando agora mais do que nunca.

Um se levantou de seu assento, sua forma esvoaçando de um indivíduo para o outro em um borrão nebuloso. Mas sempre se podia ver aqueles olhos cinzentos tempestuosos, agora desafiadores enquanto ele se levantava para discutir com Três.

"O que mais você tem em mente, Três?" Um disse em suas muitas vozes. "Você consegue pensar em uma maneira de impedir que todas as anomalias escapem? Acho que não."

Os olhos de Nove se voltaram de Um para a Administradora, seus olhos perfurando os dele enquanto ela olhava para ele novamente.

Ela se levantou da mesa e ergueu a mão direita. Antes que Nove pudesse perceber, a Administradora estalou os dedos e, de repente, as formas de todo o Conselho O5 mudaram.

Tirando o olhar da Administradora, Nove examinou a sala inteira.

As muitas formas de Um pararam de ir de uma para a outra, parecendo incorporar as aparências de mil pessoas ao mesmo tempo. Sangue azul escorria de seu nariz até sua camisa, seus olhos cinza vítreos não mais segurando a tempestade e a alma que costumavam ter.

Dois e Quatro haviam desaparecido de seus assentos, uma mancha escura servindo apenas para dar qualquer indicação de onde eles foram.

O corpo gigantesco de Três parecia estar quebrado em muitos lugares, sua cabeça torcida em um ângulo horrível enquanto olhava para Nove com nada além de um olhar vazio.

Quando seu olhar desviou do corpo de Três, Nove conseguiu ver que todo o conselho estava morto ou desaparecido, exceto ele e a Administradora.

Seu olhar frio parecia ficar ainda mais duro enquanto ela se aproximava de Nove.

Você sabe o que aconteceu naquele dia, não sabe? Disse ela, seu tom acusatório não fazendo nada além de obrigar Nove a cuspir tudo o que ele sabia.

Lágrimas escorriam livremente do rosto de Nove. Ele fechou os olhos e tentou escapar de volta à vida, as habilidades com as quais ele estava acostumado sendo usadas à plena capacidade.

Mas nada funcionava.

A Administradora agarrou o rosto de Nove, forçando-o a olhar em seus olhos.

Me diga.

Nove tentou fechar os olhos novamente, mas eles não fechavam.

Uma presença externa o forçava a abri-los, arrancando um grito de sua garganta enquanto a dor tomava conta de cada parte de seu corpo.

"Não!" Gritou ele. "NÃO!"

O teto da Sala do Conselho parecia tremer com seu desafio.

"NÃO!" Sua voz passou de um grito para um grito animalesco. "NÃO, PORRA, NÃO!'

A Administradora olhou ainda mais fundo em sua alma, e dor atravessou seu corpo mais uma vez.

Nove estava prestes a transbordar, os segredos que a Fundação manteve naquele dia prestes a serem falados mais uma vez.

Mas então, a Sala do Conselho foi para outro lugar.

Luz branca do teto penetrava em seus olhos. Médicos usando máscaras cirúrgicas o forçavam a se deitar. Ele podia ouvir gritos de pessoas próximas enquanto homens em uniformes pretos tentavam se libertar de seu aperto telecinético.

Por um momento, ele parou.

No instante seguinte, a Sala do Conselho voltou. Os olhos da Administradora se fixaram nos dele.

ME DIGA! gritou ela, sua mão estrangulando-o. ME DIGA, NOVE!

De repente, algo mudou dentro dele.

"Você não é real." Disse ele, confiança recém-descoberta rastejando em sua voz. "Você não é real."

ME DIGA, NOVE! ME DIGA! A Administradora gritou mais uma vez, seu aperto parecendo esmagar sua garganta sob sua força.

Mas inflexível, Nove permaneceu tão desafiador quanto Um era. Ele sentiu poder correndo em suas veias, e com o tempo levando-o adiante, Nove disse uma palavra:

"Não."

E a sala mudou instantaneamente da Sala do Conselho para a que ele estava um momento antes.

Homens de preto inundavam a sala para segurá-lo. Um médico à direita de sua visão gritava com seus colegas. Ele podia ouvir o bipe de um relógio digital à sua esquerda enquanto outra hora se passava.

"Desgraça!" Gritou o médico à sua direita. "Perdemos ele!"

De repente, Nove enviou o médico voando para a parede, espalhando seus miolos no concreto. A sala de cirurgia começou a tremer sob sua resistência, mas os vários guardas o seguraram.

E então, algo estalou dentro da cabeça de Nove.

Com um grito, a dor inundou seu corpo e Nove quebrou o pescoço de todas as pessoas dentro da sala com um estalo simultâneo. Duas dúzias de corpos caíram no chão em um instante, enquanto Nove se libertava de suas amarras com um olhar fugaz.

Silêncio encheu a sala.

Ficando de pé, Nove pisou nos corpos das pessoas que o prendiam, examinando a sala para ver se ele se esqueceu de algum pretenso agressor.

Nada veio.

Suspirando, Nove voltou seu olhar vacilante para o relógio digital na mesa de operação.

19 DE NOVEMBRO DE 2117
21:00

E então, abaixo dele, um cronômetro.

DEZ.

NOVE.

Percebendo a ameaça, Nove fechou os olhos e começou a escanear os corpos próximos, procurando por quaisquer bombas que pudessem se apresentar.

Seus olhos se voltaram para o relógio.

CINCO.

Não encontrando nenhuma, Nove tentou procurar um killswitch.

TRÊS.

Gritando de fúria, Nove começou a correr para a entrada pela qual os guardas estavam entrando mais cedo.

Mas não havia nenhuma.

Ele voltou seu olhar para o relógio novamente.

UM.

Ele prendeu a respiração.

Nenhuma bomba veio.

E então, uma última mensagem surgiu.

OLÁ, O5 NOVE. NÓS SOMOS A INSURGÊNCIA DO CAOS.

Como um concerto de explosões que ele nunca foi capaz de ouvir, o que restava do Sítio 1 desapareceu sob a detonação da bomba nuclear do sítio.


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