Ameaça de Alegria
avaliação: 0+x

« Intervalo ||


Quando o apocalipse chega, tendem a ter três tipos de pessoas.

Primeiro, tem aqueles que se prepararam para isso durante toda a vida. Eles olham para a paisagem desolada e destruída, sussurram algo autocongratulatório, e então se retiram para bunkers meticulosamente projetados cheios de todos os feijões enlatados que alguém pode comer.

Em segundo lugar, tem aqueles que se prepararam para isso durante toda a vida. Eles olham para a paisagem desolada e destruída, pulam de alegria, e, então, vestem seus equipamentos de escravo e saem em suas motocicletas a diesel para fazer um caos.

Por fim, tem pessoas como Casey, no meio do breu com uma lanterna morta.

"Hum," ele sussurrou. "Ela apagou de novo."

"Sim, eu consigo ver isso." Alguém estalou os dedos, e então esses dedos pegaram fogo. A luz fraca iluminou o rosto de Adam Rowe. "São as baterias?"

"Acho que são as baterias, sim." Casey se ajoelhou na calçada. Sua joelheira improvisada esmagou um pedaço de vidro contra o concreto e ele se encolheu. Ele mexeu na tampa da bateria até que ela se soltasse e então examinou à luz dos dedos. As baterias estavam organizadas corretamente. É claro, se elas não estivessem, a lanterna não teria funcionado em primeiro lugar, então Casey não tinha certeza do que exatamente ele esperava realizar ao fazer essa autópsia.

Uma mão bateu no seu ombro. Vera Garcia estava atrás dele, olhando para a lanterna. "Vê algo de interessante?" ela falou.

Casey balançou a cabeça. "Não. Só baterias ruins. Por que Eustace não tem uma dessas lanternas de manivela, afinal?"

Adam se agachou na frente de Casey, fazendo isso um amontoado oficial. "Por acaso meu pai parece o tipo de cara que tem uma lanterna de manivela?"

Casey levantou uma sobrancelha. "Essa é uma categoria distinta?"

"Eu imaginei que ele fosse," Vera acrescentou. "Na minha experiência, existem três tipos de-"

Bip, bip, bip. Berros monótonos interromperam a pepita de sabedoria de Vera. Adam procurou seu rádio de cinto com o braço ferido, e então o segurou no alto com seus dedos não-flamejantes.

O alto-falante metálico produziu uma voz. "Atenção, todos os residentes de Três Portlands. Esta é uma transmissão de emergência, do Agente Especial Robin Thorne, da Unidade de Incidentes Incomuns do FBI, Escritório de Três Portlands."

Adam revirou os olhos. O rádio continuou sem parar. "Todos aqueles com capacidade para isso devem se mudar para o centro da cidade. Uma área de refúgio foi estabelecida no Plaza de Três Portlands. Nós temos comida, abrigo, água e os armamentos para protegê-los de saqueadores e animais selvagens. A periferia da cidade não é segura."

Casey foi lembrado intensamente de seu lugar no mundo. Não só metaforicamente, mas também literalmente: ajoelhado no chão em uma rua no breu, completamente não ciente do que pode estar se escondendo fora do modesto raio de luz dos dedos e blindado apenas por equipamentos de segurança de patins revirados. Ele estremeceu.

Thorne também não fez comentários sobre isso. "Além disso, nós temos recebido relatos de distúrbios temporais, estou notando a hora atual: 10:30 da manhã, Horário de Três Portlands, 30 de Agosto de 2024. Thorne desligando."

Adam balançou a cabeça enquanto o rádio passava a emitir estática. "Ainda bem que ele especificou que aqui era Três Portlands. Eu estava começando a temer que estávamos em Cleveland. Agora isso teria valido a pena fazer uma transmissão."

Casey torceu a boca. "As atualizações são realmente tão ruins?"

Adam ergueu as mãos o melhor que pôde com uma em uma tipóia e a outra pegando fogo. "Elas não são atualizações! Elas são todas iguais! Em três semanas eles mal mudaram as palavras!"

"Bem, eles também indicam a hora agora."

"Ótimo! Isso vai salvar todas as pessoas que perderam seus relógios quando a cidade implodiu."

"Não é minha intenção interromper," interrompeu Vera, "mas o céu parece estar voltando."

Adam apagou a chama do dedo, mas permaneceu visível. A escuridão estava finalmente se dissipando.

A luz voltou a Três Portlands da mesma forma que retorna a um cinema quando os créditos param de rolar: timidamente, como se envergonhada pela terra devastada e cheia de pipoca que ele se tornara no decorrer do filme.

Quase toda a curvatura em forma de tigela de Três Portlands era visível. As ruas concêntricas antes arrumadas que marcavam os anéis da cidade estavam distorcidas: grandes desencontros nas estradas cobriam a cidade como tecido cicatricial. Bairros inteiros foram obscurecidos pela poluição de morango, pontuados por faíscas de incêndios violentos. Os distritos visíveis não estavam melhor, seus caminhos ladeados por edifícios derrubados e leitos rochosos desenraizados. O redemoinho do céu brilhava com raiva em tons de vermelho e roxo. Um condomínio flutuando bem acima de suas cabeças fora pego em um redemoinho e girava de braços cruzados.

Adam sacudiu a cabeça. "Eu juro, isso fica pior a cada vez que vejo."

"Provavelmente porque está piorando," Vera explicou.

Casey olhou ao seu redor. As galerias de arte bombardeadas que os flanqueavam pareciam abandonadas, por enquanto. "Podemos nos orientar, por favor? Antes que fique escuro de novo."

"Boa ideia." Vera enfiou a mão na mochila pendurada no ombro. Dela, ela tirou um panfleto dobrado que se espalhou em um mapa aproximadamente octogonal. Ela o ergueu na frente do rosto por um momento, e então olhou para ver a paisagem urbana espalhada diante deles.

"Aquilo," disse ela, apontando pra distância, "é o Distrito Portuário, correto?"

O distrito estava diametralmente oposto ao grupo, mas ainda visível. Os canais secos que definiam a área estavam cheios de uma névoa branca e brilhante e estavam ainda mais largos do que da última vez que viram o marco. Mais rachaduras brotavam dos sulcos, incontáveis fraturas finas na fundação da cidade.

Vera traçou o dedo no mapa, desde o Distrito Portuário até o Plaza de Três Portlands. O plaza mal era visível sob uma nuvem de fumaça que ainda permanecia do fogo que quase o consumiu quase três semanas atrás. Se alguém apertasse os olhos, poderiam ver os aglomerados de tendas que surgiram ao seu redor. Pelo menos algumas pessoas estavam atendendo ao aviso do FBI-em-exílio. Algumas pessoas.

Localização obtida, Vera extrapolou o seu destino pretendido. "Então, só precisaríamos ir dois blocos em direção ao centro a cerca de 30 graus no sentido horário, mais ou menos, para chegar no edifício. Assumindo que ele não tenha se movido desde a última vez que o vimos."

Casey olhou por cima do ombro. "O quão longe estamos, então?"

Ela encolheu os ombros. "Se as estradas à frente forem tão ruins quanto as estradas atrás de nós, pode levar algumas horas."

Casey suspirou e encaixou sua lanterna quebrada de volta em seu cinto. "Estamos andando há dois dias. Nós podemos aguentar mais algumas horas."

O trio começou a descer a colina.


Dois dias e vários quilômetros antes, eles estavam reunidos na cozinha de Eustace Rowe.

Um rosnado arrastado encheu a sala bagunçada e mal iluminada. O tom aumentando até se tornar um grito frustrado.

Eustace jogou seu capacete pela sala. A cúpula de aço inclinou-se em direção à mesa, parando no meio do ar na última polegada. Ela levitou até o seu lugar no balcão da cozinha, parando sobre os tubos que a conectavam ao supercomputador orgânico escondido no canto como uma máquina de venda automática abandonada.

Uma carranca apertou o rosto enrugado do homem. "Droga," ele resmungou. "Não está funcionando."

Houve uma pausa. De onde ele estava sentado à mesa, Casey falou. "O computador cerebral assustador não está funcionando?"

Eustace sacudiu a cabeça. "Hevel deveria estar funcionando bem. Eu tenho alimentado ele nada além das melhores carnes. Ele deveria ser capaz de abrir uma Via com os ventrículos fechados." Ele andava pela sala em um quadrado.

Casey levantou a mão. Podemos não antropomorfizar o órgão computador?"

Vera ergueu os olhos da faca que estava casualmente afiando no balcão. "Eu tenho que concordar com Casey nisso."

Eustance escarneceu. "Oh, aposto que foi difícil para você."

A sala ficou em silêncio por um momento. Vera semicerrou os olhos para ele e ele suspirou. "Desculpe, desculpe. Não foi produtivo. Isso só é tão frustrante." Ele se sentou à mesa e enfiou a cabeça nas mãos.

Vera levantou a sobrancelha pra Casey, que encolheu os ombros. Eustace se levantou novamente do assento. "O Prefeito está morto. Mal se passaram três semanas e metade da cidade já está em escombros. E o maior mago de Três Portlands-" ele pontuou cada palavra batendo na mesa com os punhos "-sequer pode abrir uma Via para escapar."

Casey olhou ao redor da cozinha, em busca de uma solução enterrada sob uma pilha de pratos. "Bem, onde você está tendo problemas?"

"O Prefeito mantinha Três Portlands ancorada às Portlands Ancestrais na Terra," Eustace disse. "Sem as conexões, ficamos à deriva. Qualquer Via convencional tem que preencher o vazio cada vez maior, o que eu tenho feito com facilidade. Mas quando o túnel chega à terra, ele não está conseguindo se conectar. Algo está me bloqueando. Impedindo qualquer um de escapar de Três Portlands."

Adam franziu a testa. "Seja lá quem esteja por trás disso quer ter certeza de que não tenha sobreviventes, e ele tem a tecnologia para garantir que nós todos afundemos com o navio."

Eustace continuou. "Eu só preciso de algo capaz de penetrar a barreira. Como uma-" ele fez uma pausa e ergueu a cabeça, os olhos brilhando com uma nova clareza. "Como uma furadeira. Eu posso ter uma ideia." Ele se levantou e ergueu os braços à sua frente. Faíscas azuis e roxas voaram de seus dedos, fundindo-se na imagem de uma roda com raios — um modelo em escala de Três Portlands.

"Eu tenho monitorado esta cidade desde que o Prefeito morreu. Ficando de olho nas atividades mágicas associadas a Vias, teletransporte e coisas do gênero. Normalmente, há muita coisa acontecendo para ter uma imagem clara. Agora que todos estão morrendo, os dados são muito mais fáceis de analisar." Flashes alternados de luz iluminavam partes do mapa. "A maior parte da atividade ocorre em rajadas discretas. Provavelmente magos se defendendo ou roubando lojas de bebidas. Vocês entendem."

"Essas são as duas atividades de magos," acrescentou Vera.

Eustace escarneceu para ela antes de continuar. "Esse padrão tem sido razoavelmente constante, com uma exceção. Tem um local na cidade que tem emitido leituras constantes de baixo nível, do tipo que pode representar uma Via que leva cabos de internet à Terra. Mas, diferente de todos os outros sistemas de cabo em Três Portlands, ela ainda está funcionando." Um único pilar de luz se erguia, perto do centro da roda e cerca de noventa graus no sentido anti-horário da casa de Eustace.

Ele apontou para o pilar brilhante. "Aquela é a sede de Três Portlands da Oneiroi Incorporated. Eu não sei o que diabos está acontecendo lá, mas eles ainda estão online, e se eles podem manter um furo de alfinete para fora de Três Portlands… bem, se nós pegarmos a tecnologia deles, enxertá-la no Hevel e colocá-la sob o controle de um mago poderoso, nós podemos ter uma chance de abrir um portal para fora daqui."

Casey balançou a cabeça,lentamente. "Mas como vamos trazer a tecnologia deles de volta?"

"Vocês não precisam," Eustace sorriu. "Se o abridor-de-vias da Vera ainda funcionar, tudo que vocês precisam fazer é encontrá-la e puxar o gatilho. Eu posso enviar todos vocês de volta para cá e cuidar do resto. Facilmente."

Adam torceu a boca. "É uma longa viagem a pé, especialmente agora. Quando chegarmos lá, como vamos sequer entrar no prédio? Se o cabo interdimensional deles ainda estiver ativo, os sistema de segurança podem estar funcionando também."

Eustace encolheu os ombros. "Talvez vocês encontrem um funcionário prestativo. Ou alguém que vocês conhecem estará lá."

Adam semicerrou os olhos para ele. "Pai, esse plano depende da bondade essencial de estranhos aleatórios para salvar nossas vidas?"

O velho jogou as mãos no ar. "Eu não sei, ok? Eu não posso te dizer. Saímos muito do caminho agora." Ele franziu a testa e olhou para as mãos enrugadas, atadas juntas na mesa. "Eu sei que vocês estavam certos naquela hora. Sobre o Prefeito estar em perigo e tudo isso. E eu sei que talvez, se eu tivesse ouvido, se tivéssemos agido antes, o Prefeito podia ter sido salvo. E nós não estaríamos nessa bagunça. Mas eu não ouvi, e estamos aqui. Então estou fazendo o melhor que posso. Acho que isso vai ter que ser o suficiente."

"Sim," disse Casey, apertando o forro de sua jaqueta até que os nós dos dedos ficassem brancos. "Eu acho."


"Calma ai, meu pai ainda não sabe?"

Adam estava sentado no topo de uma porta de bonde desalojada, agora meio incrustada no asfalto parcialmente derretido do cruzamento. Em sua mão boa, ele tinha um sanduíche de queijo. Eles haviam originalmente trazido algumas frutas enlatadas para aumentar a moral, mas depois de dois dias na estrada as latas haviam corroído abruptamente, deixando nada além de uma pasta de frutas e ferrugem que manchou profundamente a mochila de Vera. Por sorte, ela insistiu em trazer sanduíches de reserva.

Casey mastigava seu próprio almoço entorpecidamente, encostado no trem de pouso do bonde destruído que bloqueava metade da rua. "Não era uma boa hora para dizer a ele. Eu não podia simplesmente chegar e dizer, 'Ei, acontece que a conspiração queria que a gente tentasse avisar o Prefeito, e acontece que nós deixamos o assassino entrar. Então, na verdade, é tudo culpa nossa. Ops.'"

Adam sacudiu a cabeça, falando com a boca cheia de pão maravilhoso. "Não é nossa culpa totalmente." Ele engoliu. "Não podemos nos culpar por não prever o futuro. Nós não podemos esconder coisas um do outro, também."

Casey cuspiu um bocado na calçada mole. "Eu não sei o que ele faria se descobrisse. Agora, pela primeira vez na vida, ele está realmente sendo legal comigo — ou pelo menos, ele está tentando. Eu nunca o vi tentar antes."

Adam franziu a testa. "Porque ele acha que é culpa dele. Não podemos jogar roleta da culpa."

Houve um baque metálico. Vera se jogou na beirada da lateral do bonde, segurando um binóculo no colo. Suas pernas balançavam ao lado da cabeça de Casey. "Trabalhando para a Diretoria K, eu vi muitos segredos. Quanto mais tempo os guardamos, mais perigosos eles se tornam quando saem. Manter a mentira só é uma boa ideia se você revelá-la quando o alvo está mais vulnerável, distraí-lo com sua traição enquanto você enfia a faca entre suas costelas." Ela fez um movimento de punhalada no ar, então congelou e lentamente abaixou as mãos. "Mas isso provavelmente não se aplica neste caso."

Casey balançou a cabeça. "Com sorte." Ele guardou os restos de seu sanduíche.

Adam agarrou a mão de Casey e apertou. "Eu sei que você já passou por muita coisa. Todos nós passamos. Se eu pudesse fingir que não participei do que aconteceu, eu fingiria. Mas às vezes levar as coisas para a luz é a única maneira de-"

Uma alta aceleração quebrou o silêncio. Ela reverberou pelos prédios, ecoou na rua atrás deles. Adam gemeu. "Ugh, eu estava indo a algum lugar com isso."

Casey largou a mão dele. "Isso são motores?"

Vera levou o binóculo ao rosto, olhando direto para a rua perpendicular. "Parecem motocicletas."

Adam fez uma carranca. "Não é um bom sinal. Temos que nos esconder." Ele escalou até a extremidade dianteira do bonde destruído, escorregou sob a grade e se agachou lá dentro, onde o telhado tinha empenado o suficiente para revelar uma linha de visão. Ele sussurrou: "Vera?"

Houve uma série de baques suaves acima deles. Vera desceu por uma janela invertida e se ajoelhou em frente aos dois. Ela deu um tapinha na mochila pendurada nas costas.

Adam balançou a cabeça. "Vamos ficar parados." Ele se virou e olhou através da rachadura denteada no metal.

Haviam motocicletas, certo. Dois motociclistas aceleraram direto pela estrada. Pelo que Adam podia dizer, era um homem e uma mulher, cada um equipado com uma feia jaqueta pastel que os protegia de elogios mais do que de sujeira ou ferimentos. Suas motos estavam decoradas com bolsas e acessórios, modificações grosseiras para veículos decididamente caseiros.

Eles derraparam até parar, flanqueando o bonde em suas motos equipadas com júri. A mulher gritou, "De onde está vindo o sinal, Davis?"

O homem desengonçado pegou um dispositivo pequeno e brilhante de seu cinto. "Deveria estar aqui. A menos que esta coisa esteja mal, o que não vou descartar ainda." A moto de Davis pontuou sua declaração com uma tosse forte e um jato de escapamento verde. "Ach, merda." Ele saltou e a moto tombou de lado.

A mulher corpulenta cruzou os braços, descontente. "Pare de brincar e vasculhe a área. Se não houver algo aqui, é o seu traseiro."

Davis prendeu o dispositivo de volta no cinto e tirou uma pequena pistola do bolso. Claro, claro. Aposto que tem pelo menos dois errantes aqui, talvez mais." Ele gradualmente levantou sua voz. "E se vocês podem me ouvir, saibam que isso será muito mais fácil se vocês simplesmente saírem! Para todos nós. Principalmente pra mim, no entanto." Ele deixou sua moto para trás e correu em direção ao cruzamento, a arma erguida. Ele estava fora da vista de Adam agora.

Um momento depois, ele começou a cacarejar. "Peguei alguma coisa! Mochila. Tem algumas guloseimas, também." Ele voltou para o campo de visão e a passou para a mulher, que começou a vasculhar.

O sangue de Adam gelou. Ele havia deixado sua mochila no chão. O abridor-de-vias estava lá dentro. E agora eles o tinham.

Filamentos de possibilidades correram pela mente de Adam. Duas pessoas, pelo menos uma armada. Ele teria o elemento surpresa, mas não seria uma vitória fácil. Especialmente com aquela ferida aberta em seu braço o atrasando. Não, é melhor ir com outra coisa. Uma ilusão distrativa. Algo sutil.

Isso era ótimo. Seu pai uma vez disse a Adam que ele era excelente em magia sutil. No contexto, isso tinha sido um sarcasmo cruel, mas agora não era hora de se preocupar com detalhes técnicos.

Ele tirou as preocupações mundanas de sua mente e piscou para afastar o fogo e a fumaça que cobriam Três Portlands. O mundo físico fora perdido, mas o mundo espiritual ganhava vida. O brilho do reino feriu os olhos de Adam e ele se encolheu. O ar estava positivamente repleto de espíritos, cintilando com uma densidade absoluta de morte maior do que Adam já havia observado. Eles estavam frescos. Adições recentes. Eles tremiam com a história traumática da cidade em ruínas nas últimas semanas. Como os vivos, eles estavam presos em Três Portlands, incapazes de alcançar sua paz final fora da dimensão de bolso orfanada.

O poder deles infiltrou-se em Adam e ele estremeceu. Ele não esperava uma explosão de energia tão crua. Essas manifestações raramente são sutis, e um suspiro inoportuno pode revelar a localização do trio. A ferida em seu braço brilhava vermelho brasa e a pele ao redor estava queimada. Era demais para usar, demais até mesmo para compreender.

Adam cerrou os dentes. Os incontáveis mortos estavam tentando forçar seu caminho para dentro dele, mergulhar sua mente e usar a voz dele como sua própria. Ele cerrou os olhos, mas não fez nada para conter o ataque cegante. Ele estava assando vivo, a poucos minutos de incendiar seus arredores.

Ele sentiu mãos agarrarem seus ombros com firmeza. Ele forçou seus olhos a se abrirem, e lá estava Casey, olhando silenciosamente para Adam, implorando para ele se acalmar. Dando a ele algo em que se concentrar. Adam respirou fundo. A energia deixou seu corpo como vapor quente, deixando-o tremendo, mas quieto. Os motoqueiros do lado de fora sequer sabiam de seu plano abortado.

Bip, bip, bip. Os olhos de Adam se arregalaram. A voz do Agente Especial Thorne retumbou em seu rádio. "Atenção, todos os residentes de Três Portlands—"

Ele o arrancou de seu clipe e o jogou contra a parede, onde ele se quebrou em cacos silenciosos.

"Hrh?" Davis voltou sua atenção dos prédios meio desabados para o bonde. Ele engatilhou a arma incisivamente.

A mulher sorriu. "Vamos tornar isso mais fácil. Venham para fora e isso pode ser bem amigável."

Antes que Davis pudesse dar mais um passo, uma sirene soou e ele tapou os ouvidos. Uma voz distorcida e estrondosa se seguiu.

"INVASORES DETECTADOS. VOCÊS ESTÃO EM PROPRIEDADE PRIVADA. SE NÃO SAÍREM DENTRO DE QUINZE SEGUNDOS, DRONES MERLIN ARMADOS SERÃO MOBILIZADOS."

Os saqueadores congelaram. "Oh não," o homem murmurou. "Devo ter acionado um sistema de segurança automatizado. Vamos lá, me ajude-"

A mulher já havia girado a moto e disparado. Davis gritou, "Ah, qualé!" Ele começou a correr, mas seu pé se prendeu na motocicleta capotada e ele caiu, fazendo sua arma deslizar pela calçada. Ele não ligou pra ela enquanto se levantava e corria atrás de sua parceira em fuga.

Adam, Vera e Casey se entreolharam em silêncio.

Então outra voz mais suave falou. "Ok, vocês podem sair agora."

Casey colocou a cabeça para fora de seu esconderijo. Uma mulher de calças sujas estava parada no meio da rua, segurando um megafone em uma das mãos e uma mochila na outra. Seu olho esquerdo estava coberto por um tapa-olho grande e preto. "Bem convincente, né?"

Casey franziu a testa. Ele se levantou, segurando a mão de Adam para fazer o homem trêmulo ficar de pé ao lado dele. Quando Vera passou por eles, o brilho do metal chamou sua atenção. A pistola caída de Davis estava caída na estrada.

Poderia muito bem. Ela se ajoelhou, olhou para os dois lados, puxou a trava de segurança e guardou a arma na mochila.

A mulher de um olho só largou o megafone em sua mochila e deu ao trio uma saudação simulada. "Meu nome é Darcy. Darcy Dale. Vocês podem me chamar de deus ex machina." Ela fez uma pausa. "Isso foi uma piada. Por favor, não me chamem assim."

"Sou Casey Malik."

"Adam Rowe."

"Sou Vera K. Garcia, e é um prazer conhecê-la."

Darcy fez uma reverência para cada um. "O que o K quer dizer?"

Vera inclinou a cabeça. "Que pergunta estranha."

"Oh, é claro," Darcy disse. "Vou perguntar quando estivermos lá dentro. Me sigam." Ela já havia se afastado do cruzamento.

"Espera, espera ai," Casey disse. "Dentro da onde?"

Ela olhou por cima do ombro, "Oneiroi Incorporated. Eu trabalho lá."

Adam esfregou as têmporas. "Puta merda."


Do outro lado dos trilhos do bonde e passando por um riquixá enferrujado, havia uma grade de aço escuro e vidro azul, um edifício angular que se projetava como um polegar ferido em torno das decrépitas mas rústicas oferendas do bairro. Dentro do prédio ficava o centro de alteração de memória, cirurgia psíquica e terapia dos sonhos que era o QG de Três Portlands da Oneiroi Incorporated. Apesar de tudo o que havia acontecido, ele não parecia pior do que pelo desgaste. A placa gigante flutuante na frente ainda brilhava.

UFAbqOp.png

"Então é isso." Adam suspirou. "Estamos finalmente aqui."

"Sim," respondeu Darcy. "Deixe-me te mostrar o interior." As portas da frente se abriram quando ela se aproximou e se fecharam com força atrás deles. A primeira coisa que eles notaram foi o ar: frio e seco, contrastando fortemente com o exterior abafado. Era como se nada tivesse dado errado. O saguão mal iluminado era moderno e refinado, com bancos de espera em frente a lareiras elétricas frias — e uma longa recepção com balcões de mármore iridescente enrolados na parte de trás. Não havia outro ser vivo à vista.

Dacy não diminuiu a velocidade. Ela destrancou uma porta embutida sutil atrás da mesa. "Fiquem perto." Eles obedeceram. A porta revelou um longo corredor de manutenção. Tubos metálicos serpenteavam para frente e para trás no teto. O corredor ocasionalmente se ramificava, mas Darcy sabia para onde ela estava indo.

Adam puxou a manga de Casey. "Casey," ele sussurrou, "Eles levaram o abridor-de-vias. Ele estava na minha mochila. O que vamos fazer?"

Casey engoliu em seco e balançou a cabeça. "Vamos continuar indo. Fique calmo. Vamos pensar em algo."

"Mas o que vai acontecer quando chegarmos ao equipamento e não conseguirmos abrir um portal?"

Casey franziu a testa. "Eu não sei. Mas agora a alternativa é ficarmos amuados por um tempo em vez de fazer qualquer coisa produtiva, e pessoalmente já fiz o suficiente disso." Ele olhou para o corpo cansado e dolorido de seu namorado e franziu a testa. "Não se preocupe com isso, por favor. Você está sobrecarregado. Me deixe cuidar das coisas um pouco."

Adam fez uma carranca. "Tudo bem," ele concordou.

Mais à frente, Vera tentou conversar um pouco. "O que você faz aqui, Darcy?"

"Eu sou uma técnica," ela respondeu, sem olhar para trás. "Eles me pagam para garantir que os canos estejam intactos, principalmente, e que tudo chegue onde precisa ir."

"O que tem nos canos?" Vera esticou o pescoço para ver melhor os tubos que se cruzavam.

"Oh, não temos permissão para saber disso. Provavelmente algo estranho." Darcy deu meia volta para olhar para ela, caminhando para trás agora. "A Oneiroi sempre foi um pouco excêntrica, sabe?"

"Tubos de fluidos desconhecidos realmente soam como uma marca registrada de excentricidade."

Ela sorriu calorosamente. "Você entendeu. A maior parte da instalação funciona sozinha, totalmente fora da grade, então tínhamos uma equipe mínima figurativa por algumas semanas antes do apocalipse. Agora somos só eu e meus amigos aqui. Esses saqueadores tem vasculhado essas partes por dias, mas eles não conseguem entrar aqui."

Casey acompanhou seu passo, um olhar preocupado cruzando seu rosto. "Mas por que se esconder aqui? Por que não ir para o acampamento no centro da cidade?"

"Oh, eu não iria lá. Primeiro, a polícia me quer por razões totalmente falsas. Segundo, é uma colmeia lá embaixo."

Perguntas abundaram na cabeça de Casey. "Uma colmeia de que? Abelhas? E você disse que é procurada pela polícia?"

Ela sorriu tristemente. "É uma longa história, mas eu sinto que você já sabe disso." Antes que Casey pudesse lançar outra salva, a porta de aço atrás dela se abriu.

Ela conduzia a uma sala de controle apertada, forrada por painéis brilhantes, com uma mesa de plástico colocada no meio. Ao redor dela estavam duas pessoas, um homem e uma mulher. O primeiro era alto e louro, e a segunda usava uma blusa suja e óculos de aro preto.

O Agente Troy da Insurgência do Caos e Samantha Romain da Segurança Redzone olharam para Adam e Casey, congelados na porta.

"Merda." Todos os quatro falaram em uníssono.


Seis pessoas cansadas e sujas estavam sentadas ao redor de uma mesa. Páginas espalhadas cobriam a superfície, detalhando conceitos, lugares e pessoas de interesse.

Samantha bateu palmas. "Primeiro de tudo. Eu acho que todos concordaríamos que devemos deixar o passado ser passado. Nada de bom virá de brigar sobre quaisquer pequenas coisas que aconteceram no passado."

Adam murmurou, "Você tentou me matar por causa de uma disputa de negócios."

"Parece que alguém está construindo uma represa para impedir que a água passe por baixo da ponte," disse ela.

"Você não pode simplesmente fazer isso com metáforas."

Troy falou. "Eu não vou fazer nada. Diabos, eu nem me lembro por que Casey e eu ficamos tão bravos. Porque depois ele esvaziou uma alta de amnesticos na minha cara."

"Como você sabe que fui eu se não consegue se lembrar?"

"Porque você deixou seu telefone para trás, gênio. Bom gosto em toques de celular, a propósito."

"Oh," Em toda a comoção, nunca tinha ocorrido a Casey que ele tinha perdido seu telefone.

Samantha bateu na mesa. "A machadinha está enterrada, gente. Tão enterrada que vocês nunca vão encontrar. Vamos seguir em frente."

Afirmações murmuradas encheram a sala.

"Agora, hora de fazer um balanço. Agente Troy, gostaria de informá-los?"

Ele suspirou e caminhou até a confusão de telas e monitores. Ele bateu em um até que ele ligasse e exibisse um mapa aéreo de Três Portlands. Um ponto vermelho brilhante aparecia na posição da Oneiroi Inc, e uma grande massa vermelha pulsava dentro do centro da cidade. O resto do mapa estava vazio. "É nisso que venho trabalhando desde nosso pequeno encontro. Sem a memória do dia anterior, e com a maioria dos meus dados perdidos, retomei meu plano. Na manhã seguinte, eu consegui interceptar outro assassino controlado mentalmente na cena do crime."

Darcy levantou a mão timidamente. Casey olhou, boquiaberto. Ele tinha mais perguntas do que poderia preencher o ar, então ele fez apenas uma. "O que aconteceu?"

Ela olhou para os próprios pés. "Você sabe como é. Num segundo você está curtindo um passeio à tarde, e a próxima coisa que você sabe, você está esfaqueando um policial com uma faca que você nem sabia que tinha. Eu me escondi em uma lixeira por duas horas antes de Troy vir me pegar."

Troy balançou a cabeça. "Senhora Dale tinha acesso à Oneiroi Inc e, por extensão, algumas das melhores tecnologias da indústria preditiva. Os corredores bizantinos e a falta de funcionários a tornavam um esconderijo perfeito. Usando as varreduras do cérebro de Dale e um pouco de engenhosidade, consegui isso: um radar para todos os memes em Três Portlands com uma construção semelhante ao do verme. Um mapa de bombas-relógio em potencial por toda a cidade."

Casey olhou para o mapa novamente. "Por que tem tanto vermelho no centro da cidade?"

"Essa seria a colmeia," Troy explicou. "Isso está além do que qualquer um dos meus modelos poderia ter previsto. Deve ter duzentas pessoas infectadas agrupadas naquele campo de refugiados entre os outros sobreviventes, e eu duvido que algum deles perceba isso."

"Mas por que?"

"Eu não sei," Troy admitiu, "E eu não quero descobrir. Se eles estão todos esperando pelo gatilho, então é praticamente um exército apenas parado lá, a ser ativado a qualquer momento. É por isso que estamos aqui e não lá. Bem, isso e o equipamento. Ele tem sido bem útil."

Darcy se animou. "Foi assim que conhecemos a Samantha!"

Samantha deu um sorriso forçado. "Os negócios iam mal e meu guarda-costas tentou me matar. Nem preciso dizer que ele não é meu guarda-costas mais."

Adam zombou dela. "O grandão sem olhos? Agora você sabe como é."

Ela suspirou. "Sim, sim, eu sinto uma grande afinidade com você. Estou feliz que pudemos fazer um vínculo."

"De onde ele veio, afinal? Como ele foi infectado? Suponho que ele não era seu funcionário normal da Redzone."

"Nós tínhamos alguns contratados externos. Eles ofereciam mão de obra, sem perguntas, em troca de nosso envolvimento em alguns projetos de interesse particular a eles. Eu não sei exatamente o que. Não sou um dos chefes, eu só sou muito boa no meu trabalho."

Adam levantou uma sobrancelha. "Projetos especiais como a dimensão de bolso que você me fez investigar no ano passado?"

Ela escarneceu. "Não seja tão cheio de si. Nem tudo gira em torno de suas desventuras malucas."

Troy ergueu os olhos da tela. "Você recebeu um funcionário anônimo, e então ele tentou te matar com o mesmo verme memético que esses dois tinham? Esse contratante deve ter sido uma organização de normalidade, Sam. Isso está tudo conectado."

Ela revirou os olhos. "Bem, você me indique uma organização de normalidade que lida apenas com pessoas sem olhos."

Um silêncio desconfortável cobriu a sala.

Samantha falou novamente. "O que quero dizer é que esses dois me ajudaram a escapar. E agora estou aqui com vocês, pessoas adoráveis." Seus olhos passaram pelo trio, depois caíram em Vera. "Espera ai, você parece familiar."

Casey olhou para Vera. "Você alcança bastante para alguém que nunca esteve em Três Portlands antes."

Vera encolheu os ombros. "Tenho um desses rostos."

"Você estava no Oregon, perto do Chipotle," Samantha continuou. "Ela alguma vez te disse que ela estava perambulando por Portland coberta de tinta bronze, espiando as pessoas?"

Casey encolheu os ombros. "Nunca tive realmente motivo para perguntar do que ela estava ou não coberta."

Adam semicerrou os olhos para Vera. "Isso é verdade?"

"Bem, eu não estava espionando gente," explicou Vera. "Eu só estava espionando em geral. Era espionagem não direcionada, um crime sem vítimas."

"Estamos fugindo do tópico," Troy interrompeu do outro lado da sala, irritado por ninguém estar olhando para seus dispositivos. "Estávamos fazendo análise de dados. Os sinais estavam por toda a parte, havia dezenas, senão centenas deles. Concluímos que a conspiração precisa ir direto ao topo. Nós íamos entrar em contato com o Prefeito, mas a cidade foi pra merda antes de termos a chance."

Casey franziu a testa. "Nós nos encontramos com o Prefeito. Foi uma armadilha. Os conspiradores usaram a abertura para encenar um assassinato." Em sua cabeça, algo começou a se encaixar.

Agente Troy gemeu. "É claro. Só Deus sabe quanta gente estava se preparando para cair nessa armadilha. Anti-falhas sobre anti-falhas. Era inevitável. E agora estamos presos aqui, sem saída à vista."

"Bem," Adam interrompeu. "Aqui está a coisa sobre isso."


O grupo correu pelo corredor. Darcy empurrou um grande carrinho com rodas pelo corredor; Troy apertava um maço de papéis contra o peito. As paredes do corredor à frente estavam cobertas por placas de metal bizarras e fiação agrupada. Depois disso, uma grande porta de cofre apareceu.

Darcy parou perto das paredes estranhas e os outros seguiram o exemplo. "Se algum sistema neste edifício vai resistir a um apocalipse, é este. Ninguém entra aqui, até porque o protocolo de segurança aniquila qualquer alma que o tente."

Samantha sorriu. "A Segurança Redzone sempre ficou de olho em outras corporações com muitos dados, especialmente as misteriosas. Nenhuma é mais misteriosa do que a Oneiroi Incorporated. Uma teoria corrente para a fonte do molho secreto da Oneiroi é que ele é algum tipo de tecnologia dimensional — perfurando o não-espaço conceitual para melhor acessar as mentes das pessoas, sugar memórias ruins ou implantar memórias melhores. Aposto que, se houver algum equipamento dimensional pesado neste prédio, ele estará dentro daquele cofre."

Troy olhou para Adam. "Você disse que encontrou uma Via vindo daqui, certo?"

Ele sacudiu sua cabeça. "Não eu, exatamente. Eustace Rowe a encontrou. Talvez precise de um pouco de modificação, mas se pudermos levá-la até ele, ele parece confiante."

"Eustace Rowe," Troy repetiu, lentamente. "O recluso?" ele folheou seus papéis.

"Exatamente o mesmo. E, infelizmente, meu pai," disse Adam. "Todo mundo, se afaste." Eles o fizeram. Casey estava atrás dele, olhando com intensa preocupação.

Adam libertou o braço ferido da tipoia, que ele largou no chão. O corte vermelho raivoso em seu antebraço parecia ter sido feito há poucos dias, não semanas. Ele flexionou o braço e ele estalou com uma energia dolorosa.

Os mortos de Três Portlands estavam por toda parte, se alguém soubesse como olhar. Adam não conseguia parar de olhar, vendo cada um deles, e eles o conheciam. Ele cerrou os dentes e ergueu os braços para o teto. Uma fita de faíscas emergiu de sua ferida, extraindo de seu sangue para conduzir as almas que o rodeavam.

As dezenas de espectros sulfurosos formaram folhas móveis de ectoplasma translúcido, direcionadas para o fundo do corredor. Elas faiscavam enquanto entravam no campo de segurança, resistindo à aniquilação com uma barreira de matéria de alma concentrada. O último transmissor foi obstruído enquanto ainda mais fantasmas deslizavam entre as engrenagens da porta do cofre, quebrando frágeis mecanismos de metal em dois com um colossal crack.

O cofre se abriu. Adam gritou, "Vão, vão!" Ele começou a correr. A porta bateu na parede e sacudiu o prédio, desequilibrando os escudos espirituais. Fios de inteligência modelada se desenrolaram atrás dos seis enquanto eles passavam correndo.

Adam chegou ao cofre primeiro e agarrou o primeiro apoio para as mãos. Ele se sentia como uma escultura de gelo em um dia quente de verão. Ele perdeu o equilíbrio, caindo nos braços de Casey.

Casey piscou. o cofre era escuro, iluminado apenas por pequenas luzes embutidas e o brilho fraco de várias telas de vídeo rosa puro. Era quase circular e cada polegada do espaço da parede até o teto era ocupado por painéis, telas digitais vibrantes e imensas grades de interruptores não marcados. No centro estava um obelisco, tão alto quanto ele e quase tão largo. Pairando sobre seu pico cônico havia um ponto de luz violeta que distorcia levemente o espaço ao redor.

"Darcy," ele sussurrou, "que lugar é esse?"

Ela havia empurrado o carrinho o mais longe que pôde. "Não tenho certeza, para ser sincera. Todo o tráfego de rede no prédio passa por aqui. Presumi que fosse um banco de dados, talvez um supercomputador. Não é isso."

Adam se endireitou, tremendo ao deixar as mãos de Casey. Ele murmurou, "Só preciso de um minuto. Essa é a máquina?" Ele apontou com o polegar no obelisco central enquanto se encostava na porta aberta.

Troy aproximou o rosto do ponto flutuante. "É alguma coisa. Darcy, Vera, verifiquem os controles."

Elas balançaram a cabeça. Vera colocou sua mochila no chão e circulou a sala enquanto examinava o console em busca de alguma coisa que pudesse ter sido projetada para um operador humano, em vez de seja lá qual entidade superdimensional que esta configuração pudesse acomodar. Seu olhar se fixou em seis monitores adjacentes em um lado do obelisco, cada um mostrando um número complexo. Darcy se aproximou. "Coordenadas. Se esse ponto é a Via, isso é para onde ela está indo. Mas isso é… pra lugar nenhum."

"Não lugar nenhum," disse Casey. "Ela está indo para o Exterior, não é?"

Um estalo veio do outro lado da sala. Samantha estava acendendo um cigarro. "Suponho que eles não estejam recebendo televisão a cabo do espaço infinito entre os universos." Ela fez uma pausa para dar uma tragada. "Desculpe, não posso exatamente sair para isso."

Darcy se inclinou, passando os dedos por um conjunto de botões sob as telas. "Eu vou tentar ajustá-las. Fiquem de olho nisso."

Houve um bipe murchando e o ponto tremeluziu. As telas mudaram de tom, de rosa para marrom. Casey piscou. "É uma transmissão ao vivo. Estamos olhando por fora da Via. Por que eles têm uma câmera apontada para o Exterior?" Ele olhou para o ponto e, por um momento, teve a sensação aguda de que algo o encarava de volta. "Talvez seja melhor não perguntar."

Troy não ligou. "Você pode apontar ela pra Terra, Darcy?"

Ela murmurou afirmativamente. Mais alguns toques de botão e o marrom se transformou em estática e então se fundiu em uma imagem. Era o interior de uma grande tenda branca e vazia, vista através de uma lente de olho de peixe. A fumaça no cofre foi puxada em direção à Via e um tênue redemoinho esférico se formou em torno do ponto. Murmúrios preocupados emanavam dele, distorcidos demais para decifrar.

Troy suspirou. "É isso."

Darcy continuou mexendo nos botões e franziu a testa. "A imagem não está mudando, mesmo que eu mova as coordenadas."

Troy balançou a cabeça rapidamente. "Está preso. Eles pegaram nossa Via, eles estão redirecionando ela." Ele se virou para os outros. "É isso. As pessoas que comandam a conspiração. Essa é a tenda deles." Ele olhou fixamente para a tela, então para suas mãos.

Darcy sorriu. "E que tenda é essa. E agora, pessoal?"

Casey esfregou as mãos e se ajoelhou ao lado de Darcy. "Ok, uh, ele se solta? Podemos colocar o obelisco no carrinho?"

Troy enterrou a cabeça nas mãos. "Não, não, não. O que é isso? O que estamos fazendo?"

Casey olhou para ele. "Se este dispositivo pode projetar um buraco de minhoca pra Terra, nós podemos construir sobre isso. Isso pode significar uma saída. Nós só precisamos levá-lo pro Eustace."

A respiração de Troy ficou mais pesada. "E depois? Milhares de pessoas passam por um ponto? Mesmo se pudéssemos, estaríamos apenas caminhando direto pras garras da conspiração. Eles estão nos esperando agora."

Adam agarrou a moldura da porta do cofre e içou-se para uma posição ereta. "Meu pai sabe que pode ampliá-lo o suficiente. Talvez ele possa até contornar a armadilha. Podemos fazer isso funcionar."

Troy estava furioso agora. "Então nós transportamos essa máquina enorme por Portlands pós-apocalíptica e a entregamos para Eustace Rowe? Nós vamos realmente confiar no homem que não sai em uma década para compartilhar sua rota de fuga com todos os outros?"

"Eu confio nele. Ele é a melhor chance que temos."

"Você não entende?" Troy gritou, "Este é o fim. Todo esse tempo, eles estiveram um passo à nossa frente. Esta é uma das organizações da normalidade. Os homens de preto devem ter decidido que uma cidade anômala era demais, que Três Portlands deve morrer. E agora nós só morremos com ela."

"Bem," Samantha falou. Ela largou o cigarro no chão e o esmagou com o calcanhar. "Não necessariamente."

A sala ficou em silêncio. Ela continuou. "Se temos um portal pra Terra, talvez eles possam nos ouvir. Talvez não precisemos afundar com o navio. Talvez possamos fazer um acordo com eles."

Troy semicerrou os olhos para ela. "Um acordo? Pelo quê?"

"Bem, o que temos a oferecer? Alguns trocados, trabalho qualificado." Sua voz ficou fria. "Dois ativos dormentes e o único equipamento capaz de estragar seus planos."

"Não," Adam murmurou, olhos arregalados. "Você não faria isso."

Samantha estreitou o olhar. "Nós dois sabemos que eu faria."

"Não," Adam gritou. Ele ergueu o braço e seu ferimento começou a brilhar mais uma vez-

Trou levantou um chute e lançou. Seu pé bateu no esterno do mago. Adam voou para trás, saindo pela porta aberta.

Para o campo de segurança reativado.

Um chiado alto encheu o ar quando ele caiu de costas. Sua pele fumegando quando o campo de aniquilação começou a puxar a força vital de seu corpo. Ele tentou ficar em posição fetal, mas ele vinha de todas as direções.

Casey congelou por um instante, e então gritou, "ADAM!"

Ele se lançou e deu um soco na cabeça de Troy, mas o homem se inclinou para o lado e o golpe pegou apenas o ar.

Troy seguiu isso com seu próprio soco encorpado. Seu punho acertou o olho esquerdo de Casey, enviando sua cabeça para trás na parede com um baque surdo. Ele caiu no chão.

Troy voltou sua atenção para Vera. Ela estava no meio de um ataque, mas ele a pegou na garganta, agarrando com firmeza pelo pescoço e a empurrando para trás. Ela largou a mochila e agarrou o braço de Troy. Ele não vacilou.

Do outro lado da sala lotada, Samantha agarrou os arquivos de Troy e começou a lê-los no portal. Ela leu as linhas de endereços e nomes confidenciais. Darcy mergulhou para ela, mas ela saltou para fora do caminho. Na tela, a tenda começou a se encher de pessoas embaçadas, Seja lá quem estivesse lá fora notou claramente a comoção.

Casey agarrou sua órbita ocular que inchava rapidamente. Ele olhou para fora da porta, onde Adam estava no campo de aniquilação. Vapor rodopiante o rodeava, derramando camadas de energia, mas ele ainda estava chutando. Ainda lutando.

Troy jogou Vera contra a parede. Ela ficou mole. Ele olhou para Casey. "Tão típico de vocês. Um golpe de verdade e pronto. Você sabe, vocês são nada sem seus truques, sem suas palavras, sem alguém para se esconder atrás. Vocês não durariam um segundo sozinhos."

Casey tossiu. Pelo canto do olho, ele poderia jurar que viu Vera olhando para ele. "Mas não é esse o problema?"

Troy fez uma carranca para ele. "O que?"

"Eu não tô sozinho."

Vera enganchou o pé na alça da mochila no chão e a atirou para o outro lado da sala. Casey a pegou com uma mão e com a outra ele vasculhou dentro.

Casey retirou a pistola do saqueador, ergueu-a e apertou o gatilho.

Um estrondo ensurdecedor sacudiu a sala. O aperto de Troy afrouxou e Vera se conteve.

Pó de gesso espirrou da bala cravada no teto. Casey apontou a arma para o peito de Troy. "Mãos ao ar, contra a parede. Vocês dois. Agora."

Troy e Samantha se entreolharam, congelados. Sem palavras, eles recuaram, as mãos erguidas no ar.

Casey acenou com a cabeça para Vera, e então chutou a mochila de volta para ela. "A corda. Amarre eles ao console." Ela balançou a cabeça e vasculhou a bolsa. "Darcy, tente colocar o obelisco no carrinho." Ela murmurou uma afirmativa e se ajoelhou ao lado da máquina para inspecionar a base.

Troy falou, gaguejando. "Ok, ok, terminei, mas por favor, por favor, poderia alguém além de Casey segurar a arma?"

Casey escarneceu. "Não. Cale a boca."

Darcy cuspiu nos dois. "Que vergonha, vocês dois. É assim que vocês tratam nossos convidados e também a mim?" Eles não responderam.

Atrás deles, o crepitar e estalar do campo de aniquilação começaram a se dissipar. Do nevoeiro e da fumaça, uma figura em pé emergiu. Adam Rowe, envolto em uma camada protetora de espíritos sublimando, seus olhos estalando de raiva.

Ele abriu a boca como se fosse falar, e então desabou no chão.

Casey deslizou em direção a ele no chão, mantendo a arma apontada para a dupla contra a parede. Ele agarrou a mão boa de Adam e encontrou pulso. Ele estava inconsciente, tomando um descanso bem merecido.

A sala ficou vermelha. "O que é isso?" Casey perguntou.

Darcy olhou ao redor. "Luzes de emergência. A magia deve ter causado um curto no sistema de segurança. O prédio está entrando em modo de bloqueio." Ela apertou um botão na base do obelisco, e ele tombou sobre o carrinho com um estremecimento. Ela pulou nele e começou a amarrar as correias do carrinho. "Temos que nos apressar. Muito."

Troy olhou para eles com descrença. Ele mexeu os pulsos nas amarras recém-amarradas. "O quê? Vocês não podem simplesmente nos deixar aqui."

Casey jogou a arma para Vera, que a colocou em sua mochila. "Na verdade, acho que podemos. Vamos descobrir."

Samantha ficou boquiaberta. "Não, qualé. Desamarrem a gente."

Casey deslizou os braços por baixo do corpo de Adam e o levantou enquanto ele se levantava. "Espero que vocês estejam torcendo por nós. Se falharmos, ninguém vai saber onde vocês estão." Ele acenou com a cabeça para Darcy e Vera. "Vamos."

Ele correu, Adam em seus braços e adrenalina inundando seu corpo. Atrás dele, Darcy e Vera empurravam o obelisco no carrinho. Eles passaram correndo pela grade de segurança quebrada e pelo corredor. Atrás deles, Samantha continuava a gritar. "Isso não é engraçado. Não é engraçado!"

Seus gritos ficavam cada vez mais fracos conforme eles corriam pelos corredores vermelhos. Sangue latejava nos ouvidos de Casey. Ele mal podia sentir a tensão em seus braços, ou a dor em seu olho roxo, ou o medo do que aconteceria depois. Tudo que importava era correr.

Eles irromperam no saguão e saíram pela porta da frente. Os painéis de vidro se fecharam atrás deles, trancados.

Mais uma vez, eles respiraram o ar viciado e pútrido da cidade moribunda.

"E agora?" Darcy perguntou.

Vera olhou para cima e para baixo nas ruas. "Não há muitas opções boas."

"Os trilhos do bonde," Casey disse com voz rouca. Ele apontou para os trilhos embutidos na rua. "Nós podemos colocar o carrinho nos trilhos e descer a colina, até o campo de refugiados. Nós podemos obter atendimento médico lá. Talvez os federais possam nos ajudar a voltar para Eustace."

Vera franziu a testa. "Pode ser mais perigoso no acampamento do que aqui. Nós não sabemos se o sinal da Samantha foi entendido, ou o que a conspiração pode estar planejando agora que sabem que estamos tramando algo."

Casey colocou Adam no carrinho, próximo ao obelisco, e prendeu seu corpo. Ele tirou a jaqueta e a enfiou sob a cabeça. "Por favor," ele se virou para Vera. "Você tem que me deixar buscar ajuda."

Vera torceu a boca e então balançou a cabeça. "Então vamos para o centro."

Darcy empurrou o carrinho para os trilhos. Ele deslizou facilmente para o lugar. Ela se agarrou na parte de trás. Casey e Vera pularam nos lados. Eles deram um chute firme no chão e, lentamente, o carrinho começou a se mover.

O carrinho desceu a colina, acelerando sem parar em direção à colmeia no coração de Três Portlands.

Acima deles, o céu estava torcido em um ciclone trovejante de destroços. O caminho à frente estava cheio de destroços e lixo. O vento quente estava em suas costas.

"Não se preocupem," disse Darcy, antes que o vento uivante pudesse tomar conta de seus ouvidos. "É tudo ladeira abaixo daqui."


« Intervalo | Central | ████ ██ █████ »

Salvo indicação em contrário, o conteúdo desta página é licenciado sob Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License