Um Tiro no Escuro - Parte II

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"Aqui mesmo, doutor?" Perguntou o motorista, desacelerando o veículo na estreita rua de terra.

"Sim. Muito obrigado." Respondeu Carlos, entregando o dinheiro para o homem.

Arthur e seu superior saíram do carro, no meio daquele campo vazio, ao lado de um galpão de madeira abandonado enquanto um único poste de luz iluminava a área. O vento frio assoviava entre as árvores distantes enquanto a escuridão da madrugada ainda reinava na região. Carlos se encostou na parede do galpão e ficou parado, observando a rodovia mais à frente. Arthur se sentou no gramado, olhando para o topo do prédio principal do frigorífico da JBS de Senador Canedo no horizonte.

"Então chefe, é só esperar agora?" Arthur perguntou.

"Sim, eles disseram que estariam aqui por volta de quatro e meia." Respondeu Carlos, observando seu relógio de pulso.

Cerca de dez minutos se passaram, até que um veículo preto semelhante a um Alfa Romeo estacionou na rua de terra, na frente do galpão onde os dois homens se encontravam.

"Vocês que pediram quatro cadeiras de plástico verdes?" Perguntou um indivíduo no interior do carro, pela janela entreaberta.

"Fomos sim." Respondeu Carlos com firmeza.

"Ótimo." Disse o indivíduo, abrindo a porta do carro.

Arthur se levantou, vendo uma mulher sair do veículo. Ela vestia um terno branco e um par de sapatos de couro, porém o detalhe mais marcante era sua máscara preta, que cobria todo seu rosto, tendo apenas dois buracos pelos quais era possível ver seus olhos. Além disso ela trazia uma única folha de papel e uma caneta dourada em sua mão esquerda.

"Carlos." Disse a mulher, com sua voz abafada pela máscara. "Quanto tempo."

"De fato." Respondeu Carlos.

"Bom, creio que você se lembre de como isso funciona, então vamos direto ao ponto."

"Certamente. Então, nós precisamos de algumas coisas do lugar. Pontos de acesso, número de pessoas lá dentro e objetos de interesse. Só isso."

"E qual é o lugar?"

"A fábrica da ENGESA, aqui em Canedo. E de preferência o mais rápido possível."

"Nós podemos mandar mais gente para acelerar o processo, mas isso vai sair mais caro para vocês, e pelo que nós ouvimos, vocês estão passando por tempos complicados, não é mesmo?"

"Estamos, mas não se preocupe que não vamos ficar devendo nada, não estamos tão fundo assim no buraco."

"Certo. Bom, como sabe, nós só podemos calcular o preço depois de dar uma olhada no local. De qualquer forma você precisa assinar este documento. Saiba que se mudar de ideia antes de acabarmos, vocês ainda vão ter que pagar. Ah sim, quaisquer danos causados aos nossos funcionários durante o processo de análise do local também entram na conta. Em quatro dias entregaremos as informações neste mesmo local, nesta mesma hora. Avisaremos o preço com antecedência, portanto esteja com o dinheiro em mãos. Isso é tudo."

"Tudo bem." Finalizou Carlos, pegando o papel e assinando em todos os espaços designados com a caneta que a mulher o entregou. "Pronto. Espero que possamos fazer negócios com vocês novamente."

"Esperamos o mesmo." Disse a mulher, pegando o papel e a caneta e se dirigindo para o carro.

Arthur observou confuso a mulher entrar no veículo e sumir na rodovia, enquanto Carlos olhava confiante para o horizonte.

"Chefe?"

"Sim, Arthur."

"Por quê você me trouxe junto?"

"Esses assuntos mais delicados precisam de testemunhas."

"Testemunhas?"

"Sim, Arthur, eu tenho que reportar minha decisão pro pessoal acima de mim e você vai confirmar o que aconteceu aqui."

"Você quer dizer que eu vou…"

"Não tão acima, Arthur. Anda, temos que encontrar outro táxi."


O veículo parou ao lado do edifício principal da Telebras, enquanto os primeiros raios de luz da manhã eram refletidos nas janelas dos prédios ao redor da cidade. Os dois homens saíram do carro e se dirigiram aos elevadores do local, se preparando para verem os principais administradores das operações do estado. Saindo no décimo segundo andar, os dois se guiaram pelos corredores até chegar em uma espécie de sala de conferências, onde uma grande mesa oval se encontrava posicionada no centro da área, rodeada por uma série de cadeiras.

Carlos se sentou em uma das cadeiras soltando um longo suspiro, enquanto colocava sua maleta na mesa. Arthur fez o mesmo, se sentando ao lado de seu superior, observando a paisagem amarelada de Brasília. Ele coçou seus olhos, percebendo que havia passado mais uma noite em claro, correndo de um ponto para outro, sem nenhum descanso.

"Chefe, seria uma boa hora para discutir o meu…"

"Arthur, vamos acabar com isso primeiro, por favor."

"Sim, chefe."

Cerca de vinte minutos se passaram, até que quatro homens, vestindo ternos de diferentes tons de cinza, entraram na sala apressados, rapidamente se sentando em suas cadeiras.

"Carlos, bom dia, espero que tenha resolvido a situação." Um dos homens perguntou, tirando seu chapéu e colocando-o na mesa.

"Sim senhor. Sabemos que o ocorrido é mais um sinal de prejuízo para todos, e eu sei que atacar os pracinhas pode não parecer a melhor opção, mas sinto que tive que tomar esta decisão."

"Como é, Carlos?" Outro homem perguntou.

"Eu sei que pode parecer loucura, mas mandarei os homens da Casa Dois invadirem a fábrica de Canedo."

"Olhe, Carlos, sei que parece a solução mais simples, mas estamos com buracos não só na renda como no pessoal também. Sei que mandamos você resolver o problema, mas talvez isso tenha sido…"

"Eu já fechei um contrato com os olhos." Disse Carlos, cortando seu superior.

"Você o quê?" Disse irritado outro dos homens. "Você pode confirmar isso?" Perguntou o homem para Arthur.

"É… Sim, senhor." Respondeu Arthur.

"Jesus, Carlos, você deve estar brincando."

"Não, senhores, sinto que era a melhor decisão."

"Sabe que se sua pequena operação der errado…"

"Eu serei 'demitido', sim. A responsabilidade é toda minha, mas garanto que isso vai funcionar. Tinha que ser feito, senhores."

"Olha, estamos com problemas, é verdade, mas fechar um contrato desses sem nem ao menos discutir conosco antes foi…"

"Eu sabia que vocês nunca iriam aprovar. Entendam, eu não estaria arriscando minha imagem aqui se isso não valesse a pena. Tenham fé, senhores, por favor."

Os homens franziram suas testas e discutiram entre si por poucos segundos, até se ajeitarem nas cadeiras, ainda lançando um olhar de reprovação contra Carlos.

"Bom, Carlos, faça isso, mas saiba que a situação será enviada diretamente ao pessoal no topo." Um dos homens disse.

"E que qualquer punição, caso seu plano falhe, irá cair sobre seus ombros." Complementou outro deles.

"Sim senhores, eu entendo. Obrigado."

Os homens rapidamente se levantaram e saíram da sala no mesmo silêncio que entraram. Carlos colocou seu rosto entre suas mãos, enquanto Arthur observava confuso a cena.

"Chefe, nós…"

"Vai pro seu apartamento, Arthur. Aparece na Dois depois de amanhã." Interrompeu Carlos, com seu rosto ainda entre suas mãos.

"Mas… Sim, senhor, até mais." Finalizou Arthur.


Carlos calmamente saiu do táxi e novamente se encostou na parede do galpão abandonado. Tudo estava exatamente como alguns dias antes, com exceção da luz do poste, que estava apagando e acendendo em intervalos irregulares de tempo. Alguns minutos se passaram, até que ele viu o carro preto sair da rodovia e entrar na rua de terra, o que fez ele apertar a maleta em sua mão direita. Ao estacionar, o motorista e a mesma mulher de antes saíram do veículo. O homem também vestia um terno branco, assim como um par de sapatos de couro e a mesma máscara preta que a mulher. Os dois pararam lado a lado a poucos metros de Carlos.

"Carlos." Disse a mulher.

"Aqui está." Respondeu ele, entregando a maleta para a mulher e percebendo que o homem segurava uma pistola em sua mão direita. "Precisamos disso mesmo?"

"Protocolo padrão de segurança. São tempos delicados, Carlos."

"Certamente." Concordou ele, ainda inquieto.

"Acho que está tudo certo." Disse a mulher, terminando de checar os maços de notas e entregando a maleta para o homem ao seu lado. "Pegue os arquivos no banco de trás."

O homem foi ao veículo e retornou com uma pasta arquivo, a qual ele entregou para Carlos.

"Todas as informações que vocês requisitaram estão detalhadas nos documentos. Não parece ser nada fora do esperado, com excessão de um único ponto."

"Diga."

"A fábrica está diretamente ligada à sede deles."

"Como assim?"

"Não sabemos. De alguma forma equipamentos e funcionários foram drasticamente alterados em um espaço muito curto de tempo, sem que nenhum deles tenha passado pelo portão principal. Suspeitamos a existência de um túnel, ou de algum sistema subterrâneo, porém os resultados foram inconclusivos. De qualquer maneira, tomem cuidado. Creio que isso seja tudo."

"Ótimo. Obrigado."

"Ficamos felizes por negociar com vocês." Disse a mulher, por fim, retornando ao carro junto do homem ao seu lado.

Carlos soltou um suspiro aliviado ao ver o veículo deixar o local. Ele olhou para a pasta arquivo em suas mãos e a apertou com força, enquanto caminhava em direção à rodovia para encontrar outro táxi.


"Finalmente." Exclamou Carlos do sofá ao ver Arthur passar pela entrada do apartamento. "Anda, Arthur, temos muita coisa para discutir."

Todos os homens do local se juntaram ao redor da mesa na sala, enquanto Carlos espalhava os documentos na mesma.

"Então, vamos direto ao ponto. Supostamente são apenas quinze deles lá dentro, isso sem contar os funcionários normais da fábrica, mas tem um problema."

"Já?" Questionou um dos homens.

"Olha, não é exatamente um problema, é mais uma incerteza. Parece que eles têm contato direto com o quartel de Brasília."

"Como assim 'contato direto'?" Perguntou Arthur.

"Eu não sei explicar. Parece que eles conseguem enviar pessoal e equipamento sem precisar sair da fábrica. Pelo menos sem precisar sair pela superfície."

"Quer dizer que tem um túnel?"

"Não acho que seja isso. Mas não importa, se formos rápidos e cautelosos não será nenhum problema. Eu espero."

"Beleza, continua."

"Temos três deles de guarda durante a noite. Um no portão principal, outro na entrada de trás e o último faz uma ronda aqui." Disse Carlos, apontando para o esquema do terraço na planta da instalação.

"Parece pouca coisa." Disse outro homem.

"Espero que sim. O local tem quatro andares principais: o terraço; o esquema de andaimes; o térreo e o piso subterrâneo. O que nós queremos está no subterrâneo e ao que tudo indica o resto dos milicos fica nessa sala do térreo."

"Isso não me deve ser tão complicado."

"Não subestimem eles, vocês sabem muito bem do que são capazes. Felizmente parece que a escada de incêndio que leva ao piso subterrâneo fica destrancada, então o maior problema de locomoção vai ser passar pela cerca do lado de fora. Quanto aos nossos alvos, tem cinco itens principais que nos interessam." Disse Carlos, separando as fotos referentes a cada um dos itens.

“E o que seriam essas coisas?” Perguntou Arthur, observando confuso a foto de um pequeno aparelho.

“Não importa. Temos um pessoal por perto que consegue descobrir, e já estamos passando os detalhes da venda com um comprador do Rio. Tudo que precisamos fazer é pegar e entregar essas coisas.”

“Ele vai levar tudo?”

“Sim. Eu não ia organizar isso se não tivesse alguma garantia de que podemos vender os objetos. Enfim, vamos ao plano. Como eles estão vigiando as entradas, vocês vão ter que entrar pelo lado. Cortem a cerca e passem tomando cuidado com o guarda do terraço. Parece que esse ponto e esse aqui são os menos iluminados, então escolham um para entrar. Uma vez do outro lado, deve ser possível passar por essa janela para dentro do prédio. Esta é a parte fácil, já que perto da parede tem uma série de peças e um maquinário extenso até a porta da escada, então vai ser difícil de qualquer um ver vocês.”

“Como esse pessoal sabe de tudo isso?”

“Não faço ideia. Mas é tudo que temos. Enfim, vocês vão descer as escadas, que devem acabar no meio desse corredor aqui. Seguindo pela direita tem essas três salas e esse armazém no fundo. Todos os objetos devem estar nessas salas. Depois disso é só pegar o mesmo caminho para voltar.”

“Olha, realmente parece muito simples, talvez até demais. Como a gente vai ter certeza de que eles não vão estar de pé lá dentro? Ou no andar subterrâneo?” Questionou um dos homens.

“Não tem como ter certeza. Olha, eu sei que não é muito, mas é o que temos. Eu preciso que isso aconteça, e eu preciso que isso dê certo. Minha cabeça está em jogo.”

“Tudo bem, tudo bem. Quanto tempo nós temos?”

“No máximo quarenta e cinco minutos.”

“Cacete. E quando vai ser?”

“Amanhã. Por volta de oito da noite. Se preparem, eu vou voltar aqui para repassar os detalhes. Arthur, toma as chaves do Galpão Cinco, pega o que precisar de lá.” Disse Carlos, entregando o molho de chaves e arrumando os documentos que estavam sobre a mesa.

“Sim, chefe, pode deixar.” Disse Arthur, por fim.


Arthur fechou a porta de seu carro, olhando em volta para apreciar a paisagem da região. Ele andou lentamente até o homem sentado na cadeira de praia na frente da entrada principal do imenso galpão, enquanto tirava seus óculos escuros de seu rosto.

“Nando!” Disse Arthur com um sorriso no rosto, estendendo a mão para seu conhecido.

“Quanto tempo Arthur, tava quase ficando preocupado com você. O que te traz aqui de novo?” Perguntou o homem, enquanto apertava a mão de Arthur.

“Preciso pegar algumas coisas para a Casa Dois, vamos ter um trabalho mais tarde.” Arthur colocou suas mãos em sua cintura, respirou fundo e olhou para o horizonte por alguns segundos. “Sabe, Nando, às vezes eu queria ter continuado por aqui, amigo, as coisas eram bem mais simples.”

“Eu que o diga, ser pago para olhar para os morros e dormir é tudo que eu sempre quis. Ah é, falando nisso, conseguiu pegar os do centro?”

“Consegui sim. O Roberto já estava na corda bamba, nem precisei me esforçar. Enfim, o pessoal tá aí dentro?”

“Nem todo mundo. A maioria tá levando as cargas importantes para outros lugares. Disseram que as coisas vão ter que ficar meio paradas por um tempo.”

“É, fiquei sabendo disso também. Malditos milicos.”

“Malditos milicos. Enfim, fala com o Diogo lá nos fundos, ele tava cuidando do estoque.”

“Pode deixar, a gente se vê depois.” Disse Arthur enquanto destrancava a porta de metal do galpão.

“Tranquilo.” Finalizou o homem, arrumando seu boné e voltando a olhar para o horizonte.

O imenso galpão de metal trouxe diversas memórias agradáveis à mente de Arthur, porém o local estava muito diferente do que ele se lembrava. A área principal estava estranhamente vazia, as únicas pessoas restantes eram dois homens levando uma grande caixa de madeira para um caminhão perto da entrada do local. Arthur se dirigiu lentamente aos fundos do galpão, até encontrar uma pequena área rodeada por uma grade que continha diversos armários e mais caixas abertas. No centro do local havia um pequeno homem com uma prancheta em sua mão, anotando cautelosamente cada objeto encontrado nos compartimentos.

“Opa, você que é o Diogo?” Perguntou Arthur, retirando o papel amassado do bolso de sua camisa.

“Sou sim. Você está perdido, amigo? Estamos nos preparando para fechar tudo já.” Disse o homem, ainda fixando seu olhar nas caixas espalhadas.

“Eu sou o novo supervisor dos galpões do centro, preciso de algumas coisas daqui. É rápido, não precisa se preocupar.” Respondeu Arthur, entregando o papel para o homem.

“Ah, me desculpa, essa correria está deixando todo mundo meio nervoso. Vou ver se encontro essas coisas aqui, um minuto.”

“Valeu. Falando nisso, quem que mandou tirar tudo dos galpões?”

“Parece que a ordem veio do pessoal de São Paulo. Não sei se todo mundo tá na mesma situação, mas eu estou achando que é alguma coisa grande. Ou podem estar só querendo diminuir as atividades mais ‘abertas’, como os leilões, por causa dos ataques dos militares. Não faço ideia. Aqui, acho que é tudo. Alicate; sete supressores e alguns pacotes de nove milímetros. Mais nada?”

“É só isso mesmo. Obrigado.” Finalizou Arthur, guardando o equipamento na bolsa que estava em suas costas.

Ele voltou ao seu carro na mesma velocidade que andou pelo local antes, entrando no veículo pouco tempo depois de se despedir de seu companheiro na entrada do galpão. Antes de dar partida, ele olhou à sua volta, e pela primeira vez em muito tempo, se sentiu nervoso. Ele pensou em tudo que estava fazendo e nos possíveis desdobramentos do que ele estava prestes a fazer. Suas mãos suavam muito, o que fez o homem respirar fundo e tentar retomar sua calma. Arthur colocou seus óculos escuros em seu rosto novamente, girou a chave na ignição e se foi na imensa estrada asfaltada.


Arthur se esgueirou pela estreita escada que levava ao apartamento onde seus companheiros estavam. Ele abriu a porta para ver os outros homens já posicionados ao redor da mesa de madeira da sala, com a planta da fábrica estendida e marcada sobre o móvel.

“Não, eles conseguem te ver daqui e daqui.” Disse Carlos com um tom elevado.

“Olha, você quer que a gente faça isso em quarenta e cinco minutos. Ou a gente demora mais que isso ou a gente vai ter que correr um risco maior.” Disse um dos homens.

“Eu não posso correr nenhum risco aqui. Já são quase sete, vocês vão no caminho que eu marquei e pronto, isso é uma ordem.”

“Você quem sabe, chefia.”

Arthur puxou uma cadeira e colocou sua bolsa sobre a mesma, retirando o equipamento do interior e colocando-o sobre a mesa.

“Ótimo.” Disse Carlos. “Coloquem os supressores logo e peguem suas bolsas. Cada um fica com uma foto, estes são prioridade, se sobrar tempo peguem qualquer outra coisa e deem o fora. De qualquer maneira, prefiro que vocês voltem aqui com os pentes cheios. Isso é tudo, boa sorte.” Finalizou ele, pegando seu paletó e andando em direção à escada.

“Calma aí, para onde você vai?” Um dos homens questionou.

“Eu ainda preciso resolver coisas na cidade. Liga pro meu escritório quando terminarem. Se passar de oito e quarenta e cinco vocês vão ser considerados mortos, mesmo que não estejam. Agilidade e precisão, senhores, nada mais e nada menos. Boa sorte.” Disse ele, por fim, passando pela porta principal.

“O que deu nele, Arthur?” Um dos homens perguntou.

“Pelo que eu entendi ele tá apostando a cabeça nisso aqui. Não sei os detalhes, mas parece que se der errado ele vai ser ‘demitido’.”

“E a gente?”

“Do jeito que as coisas são, acho que teremos o mesmo destino. Ouviram o homem, vamos nessa.”


Arthur permaneceu deitado no topo da pequena colina, atrás de uma série de arbustos, olhando fixamente para seu relógio de pulso, enquanto os outros homens esperavam para se levantar. O vento frio da noite balançava todas as folhas por perto, enquanto um latido ou um carro podiam ser ouvidos na rua mais próxima. Os homens estavam prontos para agir, apenas esperando os ponteiros do relógio chegarem ao lugar certo.

“Agora.” Disse Arthur enquanto se levantava, em um tom de voz quase inaudível.

Os outros se levantaram sem emitir quase nenhum som, andando rapidamente até a cerca de metal posicionada ao redor da pequena fábrica. Arthur olhou desesperadamente para o terraço e as extremidades da parede lateral da estrutura, enquanto um dos homens cortava o arame da cerca. Após isso, os sete se locomoveram para a parede, onde uma janela entreaberta estava localizada na altura de seus troncos.

Uma vez dentro, Arthur olhou em volta, tentando se localizar com base na imagem mental do mapa que ele viu momentos antes. Os homens seguiram uma série de peças e correias transportadoras, até alcançar a vértice da parede interna do local, onde em meio às pilhas de metal era possível observar um grande veículo, semelhante a um tanque de guerra. Chegando ao lado do objeto, Arthur se estendeu para além da cobertura, observando o caminho que os levaria à escada de incêndio. Antes que eles pudessem se mexer, uma voz saiu do veículo.

“Borges?”

Os homens permaneceram imóveis, em silêncio.

“Borges, eu sei que é você aí, seu merda, me responde.”

O silêncio é mantido.

“Olha, essa piada já perdeu a graça.” Disse a voz, pausando por um momento, esperando alguma resposta. “Ah, vai se foder. Queria ver se fosse você preso nessa merda. Eu juro por Deus, que quando eu sair daqui eu vou…”

Os sete homens andaram lentamente ao redor do veículo, ainda mantendo o silêncio, chegando à escada de incêndio que os levaria ao andar subterrâneo pouco tempo depois. Arthur segurou a grande porta de metal enquanto seus companheiros entravam na escadaria, fechando-a lentamente por dentro após o último deles passar. Todos os sete começaram a descer a escadaria, em direção aos seus alvos.

“Que porra foi aquela?” Um dos homens perguntou.

“E como eu vou saber? O que importa é que parece que não perceberam que éramos nós ali, então vamos nessa.” Arthur respondeu, com sua mão já encostando na porta que os levaria ao andar subterrâneo.

Ele lentamente abriu a porta, colocando seu rosto na fresta para ver se não havia mais nenhuma pessoa no andar com eles, porém suas esperanças foram mediatamente perdidas quando ele viu um par de soldados no fim do corredor principal. Arthur fechou a porta e deu um passo para trás na escadaria, pensando no que fazer.

“O que houve?” Um dos homens perguntou.

“Tem dois deles no fim do corredor, exatamente no lado em que a gente precisa ir.” Respondeu Arthur.

“Que horas são?”

“Oito e vinte e dois.”

“Merda, o que a gente faz?”

“Eu não sei.”

Os homens na escadaria puderam ouvir a voz distante dos soldados se aproximando de sua localização.

“Eu não sei por que você reclama tanto, é só passar um pano, um óleo e acabou.”

“Ah, cara, eu prefiro a limpeza do quartel. Eu morro de medo de esbarrar em alguma coisa e quebrar esse negócio.”

“Fica tranquilo, ainda é melhor que a merda que a gente fazia antes.”

Os sete homens apontaram suas pistolas para a porta, quase ao mesmo tempo, sem dizer nenhuma palavra.

“Vamos apagar as luzes e ir falar com o sargento logo.” Disse um dos soldados, enquanto abria a porta da escada de incêndio. “Eu quero perguntar se…”

Sua frase foi interrompida por uma série de disparos vindos dos homens espalhados pela escadaria, que acertaram os dois soldados diversas vezes. Seu corpos caíram no chão sem produzir nenhum som considerável, fazendo todos os homens suspirarem aliviados.

“Merda.” Disse Arthur. “Anda, vamos pegar as coisas e dar o fora.”

Os homens se espalharam pelo corredor, entrando nas grandes salas que continham diversos objetos, organizados em diversos armários e outros compartimentos, que estranhamente se encontravam destrancados. A busca durou pouco menos de sete minutos, até que todos se reencontraram no meio do corredor.

“Beleza, quanto tempo temos?” Um dos homens perguntou.

“Dezessete minutos.” Respondeu Arthur.

“Ótimo, vamos vazar antes que aquilo se torne um problema.” Disse outro homem, apontando para os corpos dos dois soldados perto da escada de incêndio.

“Tem razão, vamos embora pessoal, mesmo caminho.” Disse Arthur, relutante, por fim.

Os homens rapidamente retornaram para a escada de incêndio, chegando ao térreo, passando pelo estranho veículo e saindo do local pela mesma janela e cerca pelas quais entraram. Em poucos minutos eles atravessaram a pequena colina ao lado da fábrica, dando a volta na mesma e chegando no perímetro da cidade de Senador Canedo. Por dentro da cidade os homens puderam voltar despercebidos para o apartamento onde a maioria deles vivia, alguns minutos antes do tempo limite estabelecido por Carlos.


“Sim chefe. Todos os cinco.” Disse Arthur, ainda ofegante. “Tudo bem, estaremos aqui.”

“E aí?” Um dos homens perguntou.

“Tudo certo, temos só que esperar ele vir aqui pra levar essas coisas embora.” Respondeu Arthur, enganchando o telefone. “Vou ver se tem algumas caixas de papelão e alguma coisa para forrar elas. Vão colocando tudo na mesa.”

Os homens abriram suas bolsas, colocando os estranhos objetos sobre a mesa no centro da sala. De um pequeno cubo metálico com uma antena a uma espécie de disco coberto de símbolos estranhos, os seis homens observaram intrigados as peças, todos com a mesma vontade de saber o que cada uma delas era capaz de fazer. Arthur voltou para a sala e os sete rapidamente começaram a empacotar os artefatos.

Todos eles esperaram ansiosamente pela manhã, ainda inquietos, sabendo que as buscas dos militares pela região começariam logo. Arthur foi o último a vigiar a rua do local, pela pequena janela trincada do apartamento, onde ele viu os primeiros raios de luz da manhã iluminarem o município. Pouco tempo depois de sete horas, ele ouviu uma série de passos vindos das escadas além da porta principal da área.

“Finalmente.” Pensou. “Depois disso tudo acho que finalmente posso pedir um aumento pra ele.”

Arthur se levantou e se dirigiu à porta.

“Carlos?” Perguntou ele.

Nenhuma resposta.

“Quem é?” Perguntou novamente, recuando em direção à mesa da sala, onde as pistolas dos homens estavam.

Uma batida pesada foi ouvida, além do som de madeira se estilhaçando do lado de fora do apartamento.

“Ei!” Gritou Arthur para seus companheiros, que estavam nos quartos do local. “Venham aqui porra!”

Mais uma batida. A porta estava claramente rachando.

“Cacete.” Disse Arthur para si mesmo, pegando uma das pistolas e se agachando atrás do sofá.

Em uma última batida a porta foi destruída, ao mesmo tempo que os outros homens chegaram confusos na sala, para ver cerca de dez indivíduos vestindo uniformes pretos entrarem pela porta da frente, com fuzis em suas mãos.

“Todo mundo no chão!” Disse um deles, enquanto os outros foram até os companheiros de Arthur, empurrando-os para baixo e prendendo seus pulsos com fitas de plástico.

Arthur, sem ao menos pensar em suas ações, saiu de sua cobertura, atirando algumas vezes contra o indivíduo mais perto de si, até perceber que sua munição havia acabado. O restante dos invasores atirou quase imediatamente contra Arthur, que foi atingido por pouco mais de sete projéteis. O homem caiu de costas no piso da sala, com seus olhos ainda abertos e com sua mão ainda segurando a pequena pistola.

Os companheiros de Arthur gritaram furiosamente ao ver o corpo do homem no chão, imóvel, enquanto os invasores os puxavam para fora do apartamento e pegavam as caixas que continham os objetos roubados.

Os homens foram empurrados para os fundos de um grande caminhão cinza, enquanto as chamas começavam a se espalhar pelo apartamento. As portas da traseira do veículo se fecharam, deixando-os na escuridão do compartimento apertado e na incerteza de seus destinos.

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