David acordou com uma dor de cabeça terrível. De alguma forma, mais uma vez, ele caiu no sono na Biblioteca. Ou isso ou um Docente o seguiu até sua casa. Uma mesa, uma cadeira e várias pilhas de livros estendendo-se do chão até além do teto o levaram a assumir que fosse a primeira opção. Mesmo assim, sua dor de cabeça se recusava a diminuir. Ele não devia estar bebendo, não há álcool na Biblioteca (pelo menos não oficialmente) e Dave não estava sofrendo dos outros traços relacionados à ressaca que ele normalmente tem, isso significava apenas uma coisa possível.
"Merdamente merdando merda…" ele murmurava, a cabeça nas mãos e tentando muito não socar a mesa.
Ele já tinha sido avisado sobre isso por alguns outros magos que ele conheceu. Às vezes, se você tiver inclinações mágicas, você fica 'sincronizado' com todas as coisas estranhas que acontecem aonde quer que vá e se algo grande acontecer, você meio que sabe o que é. Este era o maior e mais raivoso tipo de coisa grande até então.
"Droga de enxaqueca profética mágica chata…"
Ele suspirou, franziu a testa e pegou um caderno de desenho A5 e um HB. Abrindo uma página em branco, ele passou a mão sobre ela e começou a desenhar, não conscientemente, não mesmo. Sua mão corria pela página, o grafite deslizando pelo papel e ocasionalmente deixando uma marca. À medida que as linhas de construção começavam a se formar, o mesmo acontecia com sua adivinhação.
Josie também foi acordada. Não por uma dor de cabeça, mas por um baque surdo de seu quarto. Ela estava confuso, quem poderia estar acordado tão tarde da noite? Não podia ser o Papai Noel, ele demoraria alguns meses para vir. Espiando com curiosidade pelo lado de sua cama, ela viu algo incrível. Seus brinquedos estavam vivos! Eles estavam vivos e andando! Seus olhos se arregalavam de espanto enquanto suas bonecas e pôneis abriam a porta e começavam a sair. Josie se arrastou para fora da cama enquanto seus brinquedos se juntavam aos robôs e soldados de seu irmão em uma descida pelas escadas. Ela acendeu a luz para ver melhor. Ela continuava boquiaberta quando seu pai abriu a porta ver quem deixou a luz ligada. Seus olhos ficaram quase tão arregalados quanto os dela. Silenciosamente, pai e filha seguiam enquanto os brinquedos desciam as escadas em direção à porta. Depois de testemunhar uma torre sendo feita das figuras de plástico e uma boneca sacrificando seu braço para destrancar a porta de sua casa, Josie e seu pai foram para fora e olhavam com admiração enquanto seus brinquedos se juntavam a um enorme comboio de outros andando pela rua.
Os ursinhos de pelúcia marchavam, bolas rolavam ou quicavam e até mesmo figuras de Lego haviam construído enormes arcas para ajudar no transporte de suas muitas peças. Haviam grandes procissões de Barbies, Bratz e um bilhão de outras bonecas da moda desfilando e cambaleando tão rápido quanto suas juntas permitiam. Algumas parecendo desgastadas por causa da longa jornada, outras por muito uso. Até mesmo bonecos de ação de anos atrás estavam fazendo a caminhada.
"Papai, para onde estão indo os brinquedos?" Perguntou Josie a seu pai.
Ele simplesmente olhava e sacudia a cabeça em descrença. "Eu não sei… Talvez eles estejam saindo de férias…"
Josie aceitou isso e acenou para eles.
Enquanto isso, a mil milhas de distância, O Senhor Dos Brinquedos declarou o fim da Hora de Brincar e que todos os brinquedos deveriam retornar à Caixa.
Tudo começou com uma batida. Em um simples Cemitério na calada da noite, uma lápide havia desabado. Em seguida, outra caiu. E outra. À medida que mais caíam, as primeiras começavam a ser puxadas. Arrastadas por alguma força desconhecida, deixando longas trilhas para trás em uma peregrinação própria. Anjos e estátuas de pedra se libertavam de suas fundações e suportes e começavam a acompanhar as lápides, as pedras e seixos e outras pedras quebradas de volta às pedreiras.
O Lojista, usando um avental branco limpo, carregando um esfregão, as mãos cobertas por etiquetas de preços de diferentes países com um milhão de moedas diferentes e um crachá que dizia nada, caminhava por uma rua vazia. Ele estava lá em cada grande inauguração, assistindo com orgulho como um pai. Ele estava lá nas salas de reuniões, sem ser notado, quando coisas mudavam de dono e negócios eram feitos. Até nas lojas, orientando a equipe e mantendo todos dentro, funcionários e clientes, satisfeitos. Era ele quem mantinha os estoques cheios, as caixas registradoras funcionando bem, a iluminação toda brilhante e as exibições de ofertas tentadoras e mais do que justas. Como tantas vezes antes, este homem estaria lá quando as venezianas se fechavam, as fechaduras se trancavam e todas as luzes se apagavam pela última vez. As placas nas vitrines proclamando 'Fechando As Vendas' e 'Tudo Deve Ir' tremulavam e caíam no chão. E, enquanto o mundo acabava, todas as lojas e supermercados fechavam pela última vez.
Seguindo atrás, estava uma figura nas sombras. Ele era alto, orgulhoso e estava preparado para sua única tarefa. Ele seguia o Lojista para todos os lados, sempre o mantendo são e salvo. Quando as lojas fechassem, ele estaria lá. Dentro de cada loja fechada, estava o Vigia Noturno. Em tempos mais simples, ele fazia com que as pessoas cuidassem dos ladrões de acordo com as leis da terra. Seguidores que não percebiam o quão importantes suas posições de fato eram. Agora só havia ele. Sua missão final. Estar vigilante. Estar sempre atento e não permitir que ninguém roube de uma loja fechada.
O solo sob São Paulo, Brasil, trovejava e estremecia. A terra se ergueu e inchou antes de uma gigantesca garra peluda sair. A garra estava presa a uma asa. A asa a um grande corpo peludo. O enorme morcego, com pelo marrom-escuro, coberto de solo e terra, abriu suas asas. Coisas enormes de couro com padrões orgulhosos de vermelho e dourado pulsando como veias sob a superfície delas. Árvores e terra foram espalhadas em todas as direções, devastando as paisagens e as aldeias próximas enquanto decolava. Ele olhou para o céu e partiu para consumir o sol.
Naquele mesmo momento, a quilômetros de distância, na Noruega. Uma tempestade, maior do que qualquer outra passada antes, começou a se estender para a terra. Da massa rodopiante de vento, nuvem e relâmpagos veio uma enorme pata. O chão estremeceu quando outra se juntou a ela, seguida por um focinho. O focinho farejava o ar com curiosidade, o lobo que o possuí procurando por algo. Outro lobo enorme se juntou a ele. Ele também cheirando em busca de um cheiro. E outro, e outro e mais emergiam da tempestade. O alfa, o primeiro a emergir, encontrou algo. Suas orelhas se contraíram, ele cheirava novamente para ter certeza de que não era um alarme falso. Não. O alfa jogou a cabeça para trás em um uivo que podia ser ouvido por toda a Escandinávia, exigindo a atenção do bando. Fenrir sabia onde o sol estava e eles partiram.
"Agora é a hora, Irmãs!" A Borboleta de Obsidiana, Itzpapalotl, governante de Tamoanchan, examinava seu exército reunido. "Os humanos negligenciaram seus sacrifícios! Huitzilopochtli está fraco!" As Tzitzimimeh, filhas esqueléticas celestiais do primeiro Deus, Ometeotl, aplaudiam ferozes gritos de batalha. Uivando ruidosamente pelo sangue do sol.
"Nosso Pai finalmente verá, nós somos seus filhos superiores! Mataremos Huitzilopochtli! Mataremos seus humanos! E destruiremos o mundo!" Suas asas se espalharam. Enomes asas de borboleta pretas com bordas de sílex, brilhando na luz.
Enquanto isso, na Terra, astrônomos, profissionais e amadores, notaram várias discrepâncias quando olharam para as estrelas. A bordo do Posto de Observação Orbital-1543-02-J, ou como era conhecido a bordo, 'O Lançador de Sóis MKII", a tripulação fez a mesma pergunta que aqueles na Terra.
"As estrelas começaram a se mover?"
Enquanto isso, dois irmãos, ambos deuses, discutiam.
"BÔ FAZER ALGO NESSA ONDA D ACABAR CÔ MUNDO, DENTRO?"
"EEH, QÊ DEVERIAMOS FAZER?
"TAUVEZ DEVÊSSEMOS ATIRAR UNS TIJOLOS NELES, IMBECIL"
"NÃU! BORA IR COM OS DEUSES ERRA E NERGAL OU SOMMAT DELES, CARA DE BUNDA! ELES SÃO MESOPOTÂMICOS E TALZ!"
"ERE, SEU PALERMA, PALERMA!"
"EEH, CÊ TÁ COMEÇANDO, MANU?"
"TÁ COMEÇANDU? É? É?"
"SR. CRAWLEY!!!"
A voz o sacudiu de seus rabiscos febris. Erguendo os olhos, Dave viu um Arquivista olhando para ele, indiferente.
"Sr. Crawley, se você deseja continuar sendo um membro aqui, nós agradeceríamos se você não sangrasse sobre nossos textos."
"O que?"
O arquivista olhou para ele com raiva…
Dave olhou para baixo e notou o sangue, que saía de seu nariz.
"Ah, droga. Não vai acontecer de novo! Juro!"
Ele rapidamente limpou sua sujeira. Olhando em volta, ele percebeu que a Biblioteca estava muito mais ocupada do que quando ele começou. Mas as pessoas não estavam olhando para os livros.
Havia muitas pessoas cobertas de sujeira e entulho. Arranhões e outros ferimentos cobriam alguns e a maioria estava em lágrima ou quase histérica. As vozes que podiam ser ouvidas eram combinações de medo, perda e algum tipo de devastação acontecendo. Os funcionários da Biblioteca também podiam ser ouvidos, respondendo às reclamações de outros visitantes e também dos recém-chegados. O que quer que estivesse acontecendo obviamente não era bom.
"E você está incomodado comigo sangrando por todo lado?" murmurava ele…