Quando Situações se Degeneram

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Dois homens velho estavam diante de uma velha porta de carvalho. Eles haviam renovado as ligações, nós e espirais de pastel azul e giz branco e carvão vegetal preto, assim como suas famílias fizeram por milênios. Eles haviam sacrificado um cordeiro negro, cortando sua garganta com uma foice dourada e deixando seu sangue escorrer pelos canais cortados na soleira. Eles haviam vestido sua armadura de batalha: ternos sob medida da Savile Row, as melhores gravatas de seda, relógios de ouro e abotoaduras de diamante, pastas de couro feitas à mão. E agora cada um estava lá, com a chave na mão, prontos para abrir as fechaduras gêmeas que lhes permitiam entrar em uma prisão do mal antigo.

"Você trouxe o visco?" o primeiro perguntou. Ele era baixo e gordo, quase obeso, mas seu terno conseguia esconder a maior parte com seu corte inteligente e listras.

O segundo era alto, magro como um palito e completamente careca; ele se mantinha de pé com uma bengala com ponta de ouro. "É claro. Eu mesmo colhi sob a lua cheia na quinta-feira passada. Você trouxe o conhaque?"

"Peguei no porão esta manhã. Nada além do melhor. Este foi na verdade um presente de De Gaulle, se as anotações de meu pai estiverem corretas."

"Maravilhoso. Podemos?"

"Acredito que sim."

Eles deram um passo à frente e giraram as chaves. A porta se abriu, revelando uma névoa rodopiante, os olhos dos homens se encontraram, eles balançaram a cabeça e entraram.

Uma massa de carne, dois corpos inchados fundidos, contorcidos sobre lençóis de seda diante de um altar com muitos dentes e muitos chifres enquanto uma cidade queimava ao redor dele. Cheiros sexuais, cheiros de morte, cheiros de fogo, uma mistura de sujeira que sobrecarregava os sentidos e sufocava os pulmões. Quatro olhos negros olharam da cama, quatro lábios se abriram, e uma harmonia de duas partes sufocava palavras em uma língua que não era falada há milênios.

"Por Gothog e por Carthac e por Moluch eu te ordeno! Não venha nessa forma!" gritou o homem gordo, e tudo mudou.

Um deus de olhos negros estava sentado em um trono de prata fria, uma besta de três cabeça rosnando à sua direita e uma mulher acorrentada chorando à sua esquerda. Almas atormentadas eram esmagadas sob seus pés e o céu de pedra acima era cravejado com o brilho cristalino de estrelas falsas. Em uma voz que enchia a caverna e ainda não abafava os lamentos dos condenados, ele falava a língua de Homero e Hesíodo e levou os visitantes às lágrimas.

O homem magro gritou: "Eu te ordeno em nome do trovejante Zeus e do tremedor de terras Poseidon, não venha nessa forma!" e novamente, tudo mudou.

Um homem morto balançava de uma velha figueira, seus olhos negros salientes e suas vestes de lã fedendo com o conteúdo de suas entranhas vazias. Abaixo de seus pés, um punhado de moedas de prata estavam espalhadas na poeira suja e, ao longe, três homens sofriam em uma colina, seus gemidos se propagando mais longe do que deveriam através do deserto. Ele sorriu um sorriso de cadáver, e bile derramava de seus lábios enquanto ele falava a língua das Visões de Hozais, do Livro de Daniel e dos Dezessete Remédios para a Morte.

"Em nome de Yeshua ben Yusuf, eu te ordeno! Nos setenta e dois nomes sagrados de seu pai, eu te ordeno! Venha em uma forma mais agradável!" O homem gordo estava ficando rouco, mas suas palavras foram ouvidas e mais uma vez tudo mudou.

Dados brutos passavam gritando na velocidade da luz. Nenhuma visão, nenhum som, nenhum cheiro, apenas números e mais números, lucro bruto, ações e moedas mudando de mãos mais rápido do que a mente humana poderia acompanhar; e, no centro de tudo, estava um monstro algorítmico, a soma de todas as ofertas internas e vantagens de picossegundos. E embora eles não pudessem vê-lo, eles sabiam que ele os observava; e eles sabiam que seus olhos eram negros.

"Uma última vez eu te ordeno!" disse o homem magro, embora não pudesse ouvir a si mesmo. "Pelos pactos assinados por nossos ancestrais! Pelos espíritos e feitiços que o mantêm ligado! Por Medici e Morgan, por Rothschild e Rockefeller, por Croesus e Crasso e Koch, eu ordeno! Apareça para nós em forma mortal!" E, pela última vez, tudo mudou.

Seus sentidos voltaram, os dois homens se encontraram ajoelhados sobre um grosso tapete persa. Eles se levantaram e tiveram a visão familiar de um escritório luxuoso, todo em madeira escura e couro; uma mesa de mogno funda agachada no centro, um monogramático "D" esculpido na frente e acentuado em folha de ouro. Atrás dela estava o homem que eles tinham vindo ver. Altura média, estatura física média e quarenta anos mais jovem que os outros, seu terno era preto, sua gravata era preta, seu cabelo era preto e seus olhos, é claro, eram pretos.

Antes que qualquer um de seus visitantes se recuperasse totalmente, o homem de preto falou. "Ah! Bertie e Amos! Que surpresa agradável. por favor, sentem-se, eu tenho certeza que vocês tem muito a me pedir."

O homem gordo se orientou primeiro. "Percy, como sempre, é um prazer vê-lo, mas há algumas tarefas domésticas a serem feitas antes de termos nossa conversa. Rupert?"

"Sim, Amos? Oh. Certo. Onde eu coloquei eles? Ah, lá vamos nós," O magro tirou um maço de visco de um bolso interno e deu a metade ao seu homólogo. Eles circularam pela salar, removendo ramos de visco quase mortos de vários vasos e urnas e substituindo-os por outros novos, fazendo uma oração rápida na língua sagrada dos druidas a cada vez. O homem na mesa observava em silêncio, um leve sorriso nos lábios. Quando terminaram, eles voltaram para o meio da sala e puxaram um par de elegantes poltronas de couro.

"Agora", disse o homem gordo, pegando uma garrafa de conhaque e três copos de sua maleta, "vamos beber?" Uma dose generosa foi derramada em cada copo e os homens fizeram um brinde.

"Compre barato", disse Marshall.

"Venda caro", disse Carter.

"E não venha com essa besteira de bonzinho", disse Dark.

Eles ficaram sentados em silêncio por alguns momentos, desfrutando do conhaque e da companhia um do outro. Dark quebrou o silêncio primeiro. "Então, o que posso fazer por vocês, senhores? Esta é apenas a renovação anual da proteção, ou vocês precisam de um conselho?"

"Bem", disse Carter, "tem as previsões usuais das ações e conselhos de investimento. O que observar no ano que vem, quais ações em alta evitar, quais empresas adquirir."

Dark balançou a cabeça. "O Algoritmo colocou essas informações em seus computadores de mão. Muito mais fácil do que me fazer escrever tudo pra vocês, não acha?"

Carter pegou seu telefone e passou por algumas telas. "Oh, que conveniente. Aflitivo, é claro, dado o que mais eu tenho armazenado nesta coisa, mas suponho que você não pode me chantagear, pode?" Ele sorriu nervosamente enquanto guardava o telefone. "Isso é tudo de mim. Amos?"

Marshall sacudiu a cabeça. "Nada de mim. Foi adorável vê-lo como sempre, Percy. Mesma hora no ano que vem?" Ele forçou uma risada e Carter o seguiu. Eles se levantaram, recolheram suas maletas e se moveram para sair.

Dark olhava para os outros homens por cima dos dedos entrelaçados enquanto eles caminhavam em direção à porta. "Mais uma coisa, senhores?" Eles pararam e se viraram. "Vocês não estão ficando mais jovens. Vocês já selecionaram seus substitutos?"

Houve uma longa pausa. Dark não quebrou o contato visual.

Carter cedeu primeiro. "Bem, sim, claro, eu o fiz, isso não é um problema."

Marshall entrou no final de sua frase. "E, sim, eu também, é só…"

"É só o que?" Dark levantou uma única sobrancelha. "Algum problema?"

"Não, sem problema", disse Marshall, enxugando a testa com um lenço. "Eu escolhi Chrysophilus Marshall, meu sobrinho neto. Vive em Londres. Responde por 'Skitter', o senhor sabe por quê."

"E eu escolhi Alphonse Cartier, do ramo francês da família, por mais que me dói. os filhos do meu irmão estão todos ocupados, e minha irmã se casou com uma mulher, então sem sorte."

Dark balançou a cabeça. "Maravilhoso. E meu substituto?"

Os dois homens falaram ao mesmo tempo. "Bem-" "Você vê-" Um breve silêncio. "Não, você deveria-" "Por favor, eu insi-" Outro silêncio. Novamente, Carter cedeu primeiro.

"Não há ninguém", disse ele. "Todas as linhagens Dark foram extintas."

Todas as luzes do escritório se apagaram, exceto por uma única lâmpada na mesa de Dark. "Desculpe?"

"Não havia nada que pudéssemos fazer, Percy! A maioria deles se foi antes de você ser feito Dark!"

O brilho da lâmpada já não mais alcançava as paredes da sala. Os olhos de Dark eram poças de escuridão, e seu cabelo e terno mal se distinguiam das sombras atrás dele. "E os outros?"

Marshall tirou um pequeno caderno do bolso do peito. "Aaron Czarnacki finalmente conseguiu caçar o último membro da linhagem Schwarz, em vingança por suas ações durante a Segunda Guerra Mundial; Czarnacki encontrou seu próprio fim nas mãos da Coalizão, um ano depois. Os Negrescus foram expurgados por Ceausescu. Duncan MacDuff deu um tiro em si mesmo depois de estrangular a esposa e filhos. O último dos Kurokawas foi morto pelos ataques de sarin de Aum Shinrikyo—um acidente infeliz, acreditamos. A mansão dos Lenoirs afundou no bayou com toda a família dentro. Estávamos planejando escolher um dos irmãos que comandavam nossas operações em Hong Kong, Yin e Jianhong Li, mas eles foram assassinados junho passado. Carros-bomba simultâneos. Ainda não conseguimos achar os perpetradores." Ele fechou o caderno e encontrou o olhar de Dark. "Sua influência não se presta a longevidade, Sr. Dark. Pobre Percy estava talvez a seis meses do suicídio quando você assumiu o rosto dele."

Com isso, Dark deixou cair sua máscara. A última luz se apagou, o escritório desapareceu, e Marshall e Carter viram a câmara atrás da porta como realmente era, pela primeira vez desde que sacrificaram Percival Black ao demônio de sua família. Eles estavam dentro de um antigo monte de túmulos, lajes ciclópicas segurando o solo, esculpidas com nós intrincados e escrita rúnica que mantinham Dark contido. Os nichos nas paredes continham dezenas de cadáveres, sacrifícios feitos ao longo dos dois milênios desde que ele foi transferido para Londinium de um túmulo ainda mais antigo, na planície aluvial do Eufrates; o mais novo, é claro, era o de Percy, e era esse corpo que estava sentado diante deles, em um trono dourado atrás de um altar de granito preto.

Eles haviam removido seus olhos e sua língua primeiro. Em seguida, seu coração e pulmões, seu fígado e seus rins, seus testículos e seu cérebro. Os órgãos estavam em tigelas no altar; o coração ainda batia, os pulmões ainda respiravam e o cérebro estava ainda dolorosamente ciente de tudo que acontecia com seu corpo mutilado. Buracos abertos onde eles haviam retirado os órgãos e nos outros lugares que o ritual exigia que o abrissem. E nesses buracos estava Dark. Ele era uma serpente, enrolada sobre si mesma, cada escama em um tom sombrio diferente; ele era uma nuvem de fumaça negra e espessa, fluindo constantemente pelas feridas de Percy como se uma fogueira de carvão tivesse sido acesa em seu estômago; ele era um enxame de aranhas, tecendo teias de seda ao redor dos membros do corpo e botando ovos em sua carne. Ele assumia essas formas e mais, as formas se fundindo umas com as outras, colapsando e se reformando, algumas vistas apenas com o olho da mente, outras vistas apenas na memória, mas independentemente de sua forma, aqueles mesmos olhos negros fitavam nas órbitas vazias de Percival, totalmente sem piedade.

Em uma voz como o chicote de um condutor de escravos, ele falou. "Sua insolência não é encantadora, Sr. Marshall. Eu preciso lembrá-lo dos geasa para os quais você jurou? Eles estão esculpidos na carne de Percival, bem aqui, se você quiser refrescar sua memória."

Marshall caiu sobre um joelho. "Não, Sr. Dark. Eu me lembro dos meus juramentos. Mas-"

"Mas você perdeu o contato com meus filhos, Sr. Marshall, e deixou muitos deles sofrerem algum dano."

Carter se ajoelhou ao lado de Marshall, os olhos fixos firmemente no chão. "Sr. Dark, não sobrou ninguém. Não podemos encontrar um substituto. Sua linhagem não existe mais."

A boca arruinada do cadáver se ergueu em um sorriso. "Tem um, Sr. Carter. Percival era um castor ocupado na universidade e nem sempre espalhava sua semente em solo estéril. Ele não sabia que tinha um filho; seu filho não conhecia seu pai. Seu filho, infelizmente, morreu; e é esta filha que será feita Dark."

Marshall ergueu os olhos, confuso, e encontrou o olhar de Dark. "Mas o pacto especifica-"

O voz era o estardalhaço de um suicídio explorador de escravos. "Não me diga o que o pacto especifica! Os termos da barganha original ainda serão seguidos, isso eu juro para você. Encontre a garota. Traga-a para mim. E seus substitutos farão dela Dark." Ele pausou, apenas por tempo o suficiente para que o suor de Marshall começasse a escorrer de sua testa para o chão. "Vocês podem ir."

Marshall e Carter fugiram da sala, quase esquecendo suas maletas na pressa. Uma vez no lado de fora, eles jogaram todo o seu peso contra as portas, batendo-as e trancando-as com força. Então eles colapsaram, seus velhos pulmões ofegando por ar.

"Foda-me", Carter ofegou, "esquecemos de perguntar o nome dela."

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