Abrigo Silvestre do Wilson

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Capítulo I.IX

Meus olhos ardiam. Claro, eles estavam doendo desde que a lua da meia-noite pairava no alto, mas isso era uma mistura de fadiga e olhar para um tablet por uma noite inteira. A maneira como meus olhos formigavam agora era nova e alarmante. Eu posso ser um insone, mas eu era uma insone responsável, e fazia anos desde que virei uma noite.

Mas meus olhos, embora rebeldes, não me enganavam. O sol da manhã estava começando a colocar sua cabeça acima das copas, bocejando e se espreguiçando e deixando o céu roxo. Era 5:30 da manhã e eu não fechei meus olhos para nada além de piscar.

Desliguei o tablet e o enfiei na minha bolsa. Não, eu ainda não estava cansado. Mas isso não era desculpa para não cuidar de mim mesmo. Eu precisava de comida e de uma cama, e nenhuma dessas coisas podia ser encontrada na trilha de Tickle Creek, então minha única opção era voltar a pé para a estrada.




Fiquei feliz por poder deitar. Os lençóis eram macios e sedosos, os travesseiros recentemente afofados. A recepcionista era calorosa e amigável de forma genuína. A experiência era simples o suficiente para quase me deixar com a sensação de menos do que esgotado, mas não havia nenhuma força no universo que pudesse dissipar o clima além do sono — e mesmo isso era provavelmente uma meia medida.

Eu me sentia maníaco. Em um nível, eu sabia o que era. Em outro, eu não fazia ideia. O que me levou a uma noite insone de digitação? Parecia tão certo quando comecei. Eu estava delirante demais para me lembrar do raciocínio do meu eu passado? Teria eu prevido isso e julgado um esforço que valia a pena? Meu cérebro estava confuso demais para fazer qualquer coisa, exceto fazer essas perguntas. Mesmo as tarefas divorciadas do esforço físico pareciam como levantar carros e correr maratonas.

Preguiçosamente, tirei um frasco de comprimidos da bolsa que estava no chão ao lado da cama e abri a tampa de segurança para crianças. Tirei duas pílulas para dormir, coloquei o frasco de volta, peguei o copo d'água na mesa de cabeceira, me apoiei em um cotovelo para ficar em um ângulo que não machucasse minha garganta e engoli os dois. Coloquei o copo de volta na mesa de cabeceira e desabei. Com sorte, isso me faria dormir. Mesmo em meu estado deteriorado, o sono era contido por alguma força invisível. Algum tipo de pressão que começou como apenas mais uma fase da adolescência e se tornou um hábito debilitante para toda a vida.

Olhei para o relógio e observei que estaria caindo no sono às 8:00 da manhã. Quem sabe quais efeitos isso teria nos próximos meses — meus ciclos circadianos já estavam instáveis.

Apaguei a lâmpada, grato por um quarto sem janelas, me enfiei sob as cobertas e me encolhi em uma espécie de posição fetal. Meu telefone logo tentou chamar minha atenção com duas notificações misteriosas, mas não me importei. A droga já estava me levando para um descanso inquieto.

Meu último pensamento foi o que eu escreveria pela manhã, esquecendo que o amanhã já tinha chegado.




Era sempre estranho quando Tim trazia pessoas para caminhadas com ele, porque ele costumava ser o mais entusiasmado com isso e, ainda assim, movia-se lentamente e tinha muita dificuldade. De alguma forma, ele sempre estaria sorrindo sempre que você o pegasse, estando ou não subindo uma colina, uma mão no peito, arfando e ofegando como se uma pedra tivesse tirado o fôlego dele. Mas hoje, enquanto as crianças estavam na escola, Tim convidou Alice para ir com ele em uma caminhada.

Foi um pouco mais difícil do que o normal; Tim os havia levado mais e mais alto nas montanhas, a ponto de eles começarem a ver indícios de neve.

"A altitude não vai te afetar aqui?"

"Ainda não me afetou!" defendeu Tim. Alice achava isso difícil de acreditar, mas ela preferia que ele viesse aqui com ela em vez de vir sozinho, então ela se calou.

Eles pararam em um desvio, estacionaram o carro, saíram e se espreguiçaram para relaxar o músculos da longa viagem. Alice teria perguntado do que isso se tratava, mas viagens de mais de uma hora só para visitar alguma trilha que Tim havia descoberto não eram tão incomuns, e essa estava, na verdade mais perto do que alguns outros lugares para onde ele trouxe ela e sua família.

"Na verdade, não tem trilha alguma aqui," disse Tim. "Fiz um pouco da boa e velha desbravada, estou criando minha própria trilha. Espero passar por ela vezes o suficiente para que ela seja mais uma daquelas trilhas não marcadas que algumas pessoas dão de cara. Sempre quis ser esse cara. Então, vamos nessa!"

Alice se castigava mentalmente por não ter se vestido para o frio; Tim, mesmo sabendo muito bem para onde estavam indo, não tinha se vestido adequadamente. Ele parecia ser uma daquelas pessoas que ignoram totalmente o frio. O calor podia pega-lo, mas Alice nunca o vira usar nada mais pesado do que uma jaqueta fina, exceto quando ela o forçava a usar.

Aqui, as árvores eram esparsas e o terreno rochoso. Embora as montanhas fossem íngremes, Tim encontrara uma borda que na maior parte do tempo era plana, isso quando não ia um pouco colina abaixo. O céu estava claro, o sol estava forte, mas seu calor parecia negligenciá-los. Uma grande parede de rocha cinza-desbotada, não muito alta ou íngreme o suficiente para ser chamada de penhasco, dava à eles algo em que se apoiarem à direita, e uma queda angustiante para os pinheiros os acompanhava à esquerda. Alice tremia violentamente.

"Não é muito longe," garantiu Tim. "Só quero te mostrar uma coisa."

Alice balançou a cabeça e continuou. Não era tópico de Tim se mover tão rápido, mas ele parecia extremamente determinado hoje. Mas ele começou a se acalmar, começando a vagar em vez de correr e, finalmente, parando e se sentando.

Era um grande afloramento de rocha que parecia que poderia rachar e despencar a qualquer momento. Uma pedra quase branca e lisa como se de um rio se derramava da parede rochosa e pairava sobre a queda acentuada, semelhante em aparência a um visco parasiticamente preso a um tronco. Tim, é claro, escolheu sentar-se precariamente na beirada, as pernas balançando acima do abismo de quilômetros de altura.

"Tim," disse Alice, e isso foi o suficiente para fazê-lo ir para trás. "Melhor."

Ela se aproximou dele e se sentou em seu colo, para a surpresa dele. "Me segure," exigiu ela, sem calor em seu tom, mas com um sorriso nos lábios. Tim obedecei.

"Frio?" perguntou ele.

"Muito."

"Desculpe, esqueci de te contar."

Ela deu de ombros. "É isso que você queria me mostrar?"

A vista, em uma palavra, era incrível. Os contrafortes pareciam pequenos montes daqui de cima, as árvores como folhas ondulantes de grama. Um bando de pássaros encantava a metade esquerda da visão de Alice, o sol bem à sua direita, e ao redor as estradas que geralmente marcavam uma paisagem como habitada eram inibidas pelos galhos, folhas e agulhas; isso dava a ilusão de uma terra desprovida de interferência humana. Os pensamentos de Tim continham as palavras "selvagem". A de Alice passava por várias variantes de "sagrado". Mas na forma de conversação, a mesma palavra aproximou-se de seus lábios:

"Bonito."

"Não é?"

Tim deixou esse momento de desenrolar, os braços em voltar de Alice, a cabeça em seu ombro, olhando para o horizonte, amando o mundo em que ele era apenas um animal entre todos os outros. Hoje não era sobre a caminhada, mas sim sobre o destino. Aqui, pensou Tim, ele poderia ser para sempre e ser feliz.

"Eu chamo esse de meu ponto de pensamento," cantarolou Tim, a voz baixa como se uma declaração muito alta pudesse interrompe a experiência de Alice. "Venho aqui quando quero pensar em algo."

"É um bom lugar para pensar," disse Alice.

"Aham."

"Então, no que você tem pensado recentemente?" perguntou Alice.

Nunca deixava de surpreender Tim o quão rápido ela entendia as entrelinhas;

"Bem," começou Tim, "tenho pensado em largar meu emprego."

"Aham, e o que eu terei a dizer sobre isso?"

"'É melhor você ter um plano!'"

"A resposta certa era 'tu vai quando a cobra fumar', mas isso é um substituto aceitável, então responda por isso em vez disso."

"Heheh, tudo bem. Então sim, eu tenho um plano. Grande plano, na verdade."

"Manda brasa."

Tim estendeu o braço para a frente, de modo que pudesse ficar à vista dela, e o girou lentamente da esquerda para a direita enquanto dizia: "Abrigo Silvestre do Wilson."

"Ooo," disse Alice.

"Certo?"

"Tudo bem, você tem minha atenção, me dê o lance completo."

"Lance?"

"Sim."

"Eu não tenho um lance, o título é onde o lance termina."

"Ahh, querido…"

"Não quero que meus filhos tenham um pai desempregado."

Tim suspirou. "Certo. Mas eu preciso de sua ajuda nisso."

Alice virou a cabeça para ele o melhor que pôde. "Você precisa?"

"Preciso. Você sabe como dirigir um negócio, eu não."

"Ah. É um exagero chamar uma biblioteca de negócio, mas acho que pode haver algumas habilidades transferíveis."

"Bem, uma organização sem fins lucrativos também não é bem um negócio, e nenhum dos dois ganha dinheiro, então talvez sejam… semelhantes?"

"Você não fez nenhuma pesquisa, fez?"

Alice não ouviu nenhuma resposta de Tim, e algo sobre isso a fez sorrir. "Vou te dizer uma coisa," disse ela. "Eu gosto desse seu pequeno sonho. Você nem precisa ir à biblioteca; vou despejar o que temos e ver se não consigo pensar em algo. Talvez descobrir alguma organização sem fins lucrativos perto de nós, marcar algumas entrevistas. Talvez ser uma funcionária do governo me dê alguma influência? Espero que consigamos alguns confidentes que possam nos contar todos os segredos e truques sujos sobre como não ganhar dinheiro. Você ainda tem alguns amigos da escola de veterinária com quem você ainda tenha contato? Bem…" Alice pensou por um segundo.

"Não, você não tem," concluiu ela, "não de verdade. Hmm. Isso será um problema. Eu sei que você não é ruim com animais, mas você definitivamente não é nada oficial. E esta pequena comunidade tem uma grande variedade de opções veterinárias? Não estamos muito longe de Portland; provavelmente teremos que terceirizar de lá. E, claro, tudo isso depende de haver vida selvagem suficiente por aqui para resgatar para início de conversa. Você realmente acha que tem?"

Tim sabia por experiência própria que isso era uma pergunta retórica, e responder a faria perder o fluxo.

"Bem, acho que teremos que pesquisar isso também. Aposto que você será uma grande ajuda nesse quesito, tomando como base seus hobbies e interesses, mas não faria mal entrar em contato com talvez alguns guardas-florestais. O Parque Estadual Milo McIver fica bem perto. O que você acha de aproveitarmos o dia, talvez, no próximo sábado? Eu tenho um torneio de esgrima neste fim de semana."

Sem resposta. "Tim?" Ela se virou e se viu cara a cara com um sorriso selvagem e brilhante. Imediatamente, ele a puxou para um beijo longo e violento e, quando se afastou, ele disse:

"Eu te amo."

As costas de Alice se endireitaram e sua empolgação atingiu o auge, e ela deu um elogio de igual valor: "Eu acho você fascinante," respondeu ela, e os dois caíram para trás em um abraço apertado.


* * * * *


Nos um a dois anos seguintes, Alice e Tim desenvolveram por completo o plano, um plano que Alice tentou manter como segredo de todos e que Tim tentou contar para o máximo de pessoas possível. Eles utilizaram habilidades que ambos já conheciam e cultivaram habilidades que nenhum dos dois jamais desenvolvera, como todas as habilidades necessárias para contratar pessoas (anunciar vagas de emprego, avaliar habilidades, entrevistar, etc.). Isso foi muito trabalhoso e se tornou a coisa que eles faziam sempre que tivessem mais nada a fazer. Passaram-se muitas noites à mesa de jantar, bebendo café e analisando inscrições, correspondências, escrevendo notas, planejando o que fazer com o orçamento… e muitas viagens foram feitas para descobrir os custos dos implementos necessários, falar com pessoas com conhecimento, receber conselhos, compilar conselhos, descobrir como agir de acordo com esses conselhos. Ainda mais tempo foi gasto examinando o orçamento atual, imaginando quanto dinheiro eles precisariam para começar, como conseguir esse dinheiro, se seria sequer viável fazer isso com os filhos ainda em casa. Tim uma vez disse que não esperaria 10 anos. Alice decidiu não discutir o ponto.

O entusiasmo e a visão de Tim estimularam tudo. O planejamento de Alice fez tudo se encaixar. Pode ser injusto dizer isso, mas é a verdade. Apesar de ser Soluções Silvestres do Wilson, seus planos eram definitivamente da Alice. Tim ajudou, mas Alice carregou. E em dois anos, eles estavam prontos para fazer o investimento de dinheiro mais arriscado de suas vidas. Tim sabia disso. Alice realmente sabia disso. Mas esse era o sonho. E se isso não desse certo, Tim imaginava que ele se dera muito bem com a loja de suprimentos agrícolas.

"Um programador?"

"Sim, sei outras coisas técnicas gerais também. Fusíveis, redes elétricas, meio que é o que faço."

Tim se inclinou para Alice: "Nós estávamos procurando técnicos?"

"Sem ofensa," disse Alice. "Estou integrando um computador à minha biblioteca agora. Ferramenta útil."

"Mas vai ser mais do que uma ferramenta — ou talvez simplesmente a ferramenta mais transformadora que você já experimentou. De qualquer forma, meu irmão mora na área, me disse que isso pode ser algo em que eu gostaria de entrar, então…"

A equipe inicial foi compilada e incluía personagens como o futuro Web Designar Gary Harp, Albert Westrin, amigo de longa data e colega de trabalho de Tim, e a veterinária Sarag Gardner. Eles começaram com um grupo de pessoas que não podiam se comprometer com um emprego de tempo integral, mas ficariam felizes em se voluntariar. Essas pessoas incluíam o irmão de Gary Harp, Justin, sua namorada, Feather Fanucchi, e nomes de outras pessoas que não estão mais conosco (seja nesta área ou neste plano), e embora eu adorasse homenagear cada uma, eu gostaria de manter isso conciso quando possível.

O palco estava pronto e todos estavam ansiosos. Em 20 de janeiro de 1997, o Abrigo Silvestre do Wilson foi fundado. O edifício precisava de algumas reformas, mas eles estavam, para todos os efeitos, em operação. Corações batiam rápido, de pessoas visíveis e não visíveis, engrenagens começavam a girar e a aventura começava a acontecer…


* * * * *


"Você odeia ver isso," disse Sylvester. "Pobre criatura infeliz."

A parte infeliz dessa linha de trabalho era, é claro, ver todas as circunstâncias que mantêm um abrigo de vida selvagem funcionando para início de conversa.

"Parece que ele foi atingido por algo bem grande, provavelmente morreu bem rápido, se não foi indolor, pelo menos a dor foi misericordiosamente breve. Olha ali, parece que ele foi atingido de frente," respondeu Marie.

"Verdade."

Como Boring não é uma cidade oficial, não havia um departamento oficial de embelezamento no governo local, o tipo de sistema local que sumia com atropelamentos. Se bem me lembro, o governo de Portland tinha jurisdição sobre as estradas, mas eles não faziam nada se ninguém informasse nada, e isso era extremamente incomum. Então, o Abrigo Silvestre do Wilson preencheu esse buraco. Isso já se encaixava com outras partes de suas operações.

"Eles estão encolhidos logo atrás daquela colina," disse a senhora que os havia chamado.

Syl e Marie se aproximaram, tomando cuidado para não assustar os animais, e logo viram um grupo de três filhotes de cervo novos, confusos e sem rumo, esperando sua mãe se levantar, sem saber que estavam olhando para seus novos pais.

"Parece que esses são nossos agora," disse Marie.

"Aham. Essa mãe parece muito pesada. Se importa de chamar o Gary, ver se alguém está disponível para ser mandado pra cá? Precisamos de dois caminhões de qualquer maneira; não queremos esses bebês sendo levados logo ao lado de sua mãe morta."

"Certo."

E eles foram chamados de Clovis, Buck e Lafaunda.


* * * * *


"O melhor que conseguimos descobrir é que ele não estava comendo."

"O que?" Tim coçava a cabeça. "O que isso significa, Sarah?"

Bem, isso significa que a fonte de alimento deles está escassa, o que é alarmante. Exceto que não está, há muitos esquilos saudáveis por toda parte. Eu diria que ele talvez tenha danos cerebrais, mas ele tem comido o que damos a ele, então é difícil saber. Teríamos que segui-lo por aí na natureza. Isso valeria a pena?"

"Ahh, eu não sei. Vou…" ele agora coçava a barba. "Vou dizer pra não se preocupar com isso. A menos que encontremos outros. Talvez ele tenha ficado preso em algum lugar. Mas se ele está comendo, ele vai ser liberado daqui em pouco tempo, certo?"

"Talvez alguns dias, você está certo."

"Bom, então. Continue assim, Sarah."

"Sem problemas."

No mês seguinte, eles encontrariam mais três esquilos que, de alguma forma, decidiram não comer, apesar da abundância de suas fontes de alimento. O incidente foi estranho, mas eles salvaram aquele esquilo e isso nunca mais ressurgiu.

E esse esquilo foi nomeado Sam.


* * * * *


"Queimado!?"

Laura estava diante da grande mesa de madeira chique de Tim, que estava coberta de perfis para uma miríade de animais sob seus cuidados. Um acidente nos computadores, de uma voluntária tocando em algumas coisas no sistema de Gary que ela não deveria tocar, deixou todos os Perfis de Criaturas marcados como ainda sob seus cuidados. Ele foram todos impressos e organizados dessa forma, e agora Tim tinha que voltar e reimprimir cada um que não deveria estar daquele jeito. Não era muito trabalho, mas era tedioso. Tim não conhecia todos os animais sob seus cuidados — ele desistira de tentar isso depois de um tempo. Além disso, ele se via frequentemente atrás de sua mesa.

"Até só sobrar cinzas, senhor."

Tim não gostava de como Laura o chamava de "senhor", mas ele desistira dessa batalha. "E meu menino viu isso?"

Anders timidamente tentava se esconder atrás da estatura imponente de Laura. Ver seu pai chateado o deixava desconfortável.

"Não foi pior do que as tripas que esperávamos, senhor. Melhor, até — não dava para distinguir muita coisa, parecia até um tronco de formato estranho…" Ela observou a expressão boquiaberta e de sobrancelhas franzidas de Tim e optou por mudar de assunto. "Isso foi mais surpreendente, só isso."

"Fora da água também."

"Provavelmente tirado dela por um urso."

"Mas queimado."

"Completamente. Marcas de queimado no chão ao redor dele também."

Tim se recostou na cadeira. "Pessoas são cruéis."

"Você acha que foram pessoas, senhor?"

Tim deu a ela um sorriso perplexo. "Você quer me dizer que há alguma outra explicação? Raios não fazem isso."

Laura encolheu os ombros. "Acho que não, senhor."

"Certo. Talvez eu mande o Anders com outra pessoa na próxima, fazer ele ver alguma atividade humana menos confusa. Não quero criar um misantropo, hohoho."

Ele realmente riu como o Papai Noel, também. "Mas, senhor—!"

"Não se preocupe, estou brincando! Adoro que você goste de levar Anders com você. Talvez você pudesse levar o Robin também. Seria bom fazê-lo passear por aí."

E esse era coloquialmente conhecido como o Peixe de Fogo.


* * * * *


Caleb olhava com admiração para o pássaro no cercado três. Ele era alto, tinha um bico curvado pra baixo, apoiava-se em uma perna e se equilibrava em um pé. Ah, e era rosa.

"Um flamingo."

"Eu disse que não estava de brincadeira."

"Um flamingo."

Eles se entreolharam pelo que pareceu uma eternidade. Então, Caleb se voltou de volta para a anomalia cor de camarão. "Flamingos não são nativos do Oregon."

Dan caiu na gargalhada. Quando se recuperou: "Não, não são."

Caleb, embora mais pasmo do que bem-humorado, começou a rir apenas com a proximidade de uma exibição tão alegre. "Talvez eu realmente tenha visto uma zebra," disse ele.

"Talvez, cara. Talvez."

E esse foi batizado de Milagre, e havia toda uma história sobre como eles o trouxeram de volta à sua terra natal na Bolívia. Uma história para outra hora, talvez.


* * * * *


"Tim," disse Alice. Tim ergueu os olhos das gavetas no minúsculo e apertado armário que costumava ser capaz de abrigar todos os arquivos, mas precisava de expansão. Pastas estavam espalhadas pelo chão.

"Eles estão organizados, eu sei o que todos esses arquivos são e para onde eles devem ir, então, por favor, não comente sobre minha bagunça, porque —"

"Não, Tim. Você precisa vir ver isso."

E então ela simplesmente se foi. Seu tom parecia grave, mas isso podia ser o aspecto de como ela conseguia parecer ilegível quando quisesse. De qualquer modo, ela sumiu de vista.

"Alice?"

Sem resposta.

Tim se ergueu do trabalhou e torcia para que de fato se lembrasse do que eram todos aqueles arquivos quando ele voltasse. Ele a seguiu pelo longo corredor verde-limão que cheirava à tinta que eles haviam passado recentemente. Enquanto andava, ele percebeu que as portas dos escritórios de Gary e Albert estavam abertas e ouviu uma comoção no saguão principal.

Ao ouvir a animação silenciosa assinatura de um novo animal recuperado, ele acelerou o passo, sua curiosidade crescendo sem parar. Ao chegar ao saguão, ele percebeu que as luzes estavam apagadas.

"O que está —"

"Shhh," disse alguém que ele não conseguia ver. "Ela está dormindo."

"Ela quem?" sussurrou Tim enquanto se aproximava da pequena multidão em silhueta.

"Nosso novo morcego bebê."

"Mostre ela pro Tim," ele ouviu Alice sussurrar de dentro do grupo de pessoas. Já era tarde da noite, a maioria dos voluntários já deveriam ter ido. E, mesmo assim, a multidão era tão grande que ele podia ouvi-los abrindo caminho, e de repente parecia haver um brilho fraco que iluminava os braços de alguém bem o suficiente para que ele pudesse ver a forma como eles aninhavam um pequeno corpo coberto.

Tim se aproximou lenta e silenciosamente, se perguntando por que um morcego bebê estaria dormindo de noite. Talvez morcegos bebês simplesmente dormissem muito, pensou ele. E então a pessoa estendeu os braços e entregou-lhe o bebê. Nesse movimento, Tim percebeu que o brilho fraco estava associado aos cobertores e não pôde deixar de perguntar: "Tem o que com ele? Por que ele tem uma luz noturna?"

"Ela," alguém corrigiu, "e não deixamos nada com ela."

"Ahh, coitadinho." Tim não pareceu ouvir o comentário e, em vez disso, teve aquele sentimento caloroso e paternal que sempre sentia quando aconchegava um animal pequeno perto de seu peito. "O pequeno órfão não será mais um órfão." Ele puxou um pouco o cobertor e acariciou levemente a cabeça, apenas para perceber que o morcego não tinha orelhas.

"Sem orelhas!?" Isso foi uma exclamação, apesar da voz sussurrante e baixa. Ninguém respondeu, e Tim percebeu agora que todos estavam aglomerados ao redor. "O que há de tão especial sobre esse carinha?"

E então o morcego abriu os olhos.

Pessoas suspiraram.

Os olhos não tinham pupilas e eram um branco-amarelado brilhante, como uma cor de creme, e imediatamente Tim entendeu a origem do brilho. Era como se duas lanternas tivessem substituído os olhos do morcego e agora iluminassem tudo o que olhavam. Ou como um par de sóis embutidos em seu rosto.

Então, ele fechou os olhos e deu um grande bocejo estridente, com o qual Tim viu o tecido cor de creme que compunha todo o interior de sua boca, indo até o fundo da garganta, emitindo a mesma luz, aquele mesmo derramar de bioluminescência como nada que Tim já testemunhara. Ele ergueu os olhos para todos os rostos ao seu redor, tão surpreso que ficou em silêncio.

"O-olá, carinha," Tim lutou para fazer contato visual com os holofotes e acariciou a cabeça novamente. "O que… é você?"

E esse foi chamado de Cegueta.




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